quarta-feira, 13 de março de 2019

Tremida Luz Vacilou na Torre

"@Daniel, ainda n ouvi o que achaste do jogo de ontem. Partilha com a malta"

Em resposta optei por vir aqui em vésperas de jogo decisivo da Liga Europa deixar a minha ideia sobre o jogo na Luz com o Belenenses - até como uma espécie de antevisão ao jogo na Luz com o Zagreb. 

A análise a este jogo pode-se dividir praticamente em 3 partes: Equivocos do Lage, Acertos do Silas e Vacilos Individuais.

Começando pelo Benfica. Foi uma exibição satisfatória e suficiente para vencer este jogo.
Contudo satisfatório é insuficiente na Luz. E por isso um Benfica tremido.

Positivamente destaco a exibição do Ferro - um central de corte limpo, concentrado e com pés - destaco o golo do Jonas e destaco a capacidade de marcação e recuperação de bolas do Florentino.
De resto vimos vários jogadores muitos furos abaixo, algo também potencializado por menores acertos colectivos.

Há que analisar a dupla de ataque e a dupla de meio-campo. Jonas e Félix não são incompatíveis contudo são menos compatíveis do que jogando qualquer um deles com o Seferovic. Os movimentos não são os mesmos mas as zonas de acção são muito parecidas. Ambos têm tendência a recuar para vir buscar jogo e ambos procuram a mesma zona de finalização. É uma dupla que precisa de muito mais trabalho - treino a treino.

A dupla de meio-campo foi um equivoco do Lage. Na Luz contra o Belenenses a dupla Gabriel com Samaris/Florentino funcionaria mas a dupla Samaris e Florentino não. Num jogo em que estamos 90% do tempo a atacar fica-nos a faltar criatividade e visão de jogo no centro do terreno, o que nos obriga a recorrer constantemente a lateralizações e cruzamentos - o André Almeida passou o jogo a bombear bolas para a área. Não havendo Gabriel foi um equivoco do Lage ter optado por colocar Florentino ao lado do Samaris. 

Também nas substituições o treinador do Benfica não foi feliz. Tanto no timing como nas escolhas. Por exemplo, depois do 2-0 seria importante descansar o Jonas e colocar um médio ofensivo que jogasse de frente para a defesa adversária colocando-a constantemente em sobressalto.

Contudo, apesar das más exibições e dos equívocos técnicos, as opções do treinador foram suficientes para no decorrer da segunda parte estarmos a vencer por 2-0. Não foi por aqui que empatámos o jogo.

O Belenenses foi uma verdadeira equipa no Estádio da Luz. Talvez desde o jogo do Moreirense não visse um adversário do Benfica jogar tão bem no nosso estádio.
O Silas percebeu que o Benfica do Lage não se intimida com pressão alta e optou por fechar todos os espaços defensivos, retirando possibilidades aos criativos de combinarem em tabelas. Linhas recuadas e defensivamente muito compactos - uma autêntica torre. Apesar dos cuidados defensivos foi uma equipa que não procurou só defender. Sem chutão para a frente tentaram várias vezes construir rapidamente jogadas de ataque. Uma equipa que gosta e sabe sair a jogar, que troca bem a bola e que tem criatividade suficiente para dinamizar um jogo. No meio campo o Eduardo encheu aquilo, com e sem bola. O Kikas fez um jogão. E o Licá parece finalmente renascido.

Mas lá está. Sinal tremido do Benfica e sinal positivo do Belenenses mas mesmo assim o suficiente para conseguirmos os 3 pontos. Estes só nos fogem devido a dois vacilos. Uma parvoíce do Odysseas e mais uma paragem do Rúben Dias. Dois erros que nos custaram dois pontos.

A Luz do Benfica tremeu contra a Torre do Belém mas só foi mesmo abafada pelos vacilos de dois já algo usuais nestas andanças.

Este jogo tem pelo menos de servir como aprendizagem para o jogo com o Zagreb e como lição para a abordagem à próxima época.



quarta-feira, 6 de março de 2019

O Real e os resultadistas

O mundo futebolístico foi ontem abalado por um terramoto de proporções épicas com a eliminação do todo-o-poderoso Real Madrid aos pés de um jovem, imberbe e profundamente talentoso Ajax. As ondas de choque de tal resultado têm-se multiplicado e prometem não parar nas próximas horas, sendo mesmo imprevisível o seu alcance final.

As reacções ao sucedido têm sido mais que muitas e abarcam uma infinidade de gostos, claro está. Porém, há um traço comum à esmagadora maioria delas: a surpresa, a maravilhosa descoberta de um mundo novo, como se este Real anárquico, aleatório e anémico fosse uma verdadeira novidade. Lamento, não é. Este Real é, aliás, bastante requentado, sendo que a única novidade reside exactamente nos tantos que só agora o descobriram, mesmo que nos últimos 4 anos tenhamos assistido às mesmas coisas que ontem vimos.

E quem desconfia desta bipolaridade de reacções perante factos idênticos, bastar-lhe-á recuar umas semanas no tempo e confrontar o que foi dito sobre o Ajax x Real Madrid, mesmo que nesse jogo a sova holandesa tenha sido, para mim, maior. Diferença? Nesse dia quase nada entrou e ontem quase tudo deu golo, só! Ou seja, entre a primeira mão e a segunda, apenas o resultado foi diferente, tudo o resto foi igual. Os “putos” holandeses deram um arraial de “pancada” nos múltiplos campeões europeus, mas como não ganharam… nada a dizer. Porém, já nessa altura Solari era um profundo incompetente, já este Real andava ao sabor do vento e do que cada jogador soubesse dar, tal qual o era no tempo de Zidane, ainda que o francês, ao menos, colocasse mesmo os melhores em campo, em vez de ostracizar jogadores como Isco, Asensio ou Marcelo.

Os anos passam e continuamos a esperar que os resultados nos indiquem o que dizer, em vez de o dizer independentemente dos mesmos. Agora, será pacifico dizer-se que o Real é um barco à deriva e sem que o seu treinador faça o que é suposto um treinador fazer: dar ideias e identidade que transcendam as individualidades. Dizer isto nos tempos de Zidane, nos tempos em que a mesma aleatoriedade e os mesmos impulsos individuais davam títulos europeus era crime.

Por isso, sim, esta queda no precipício era uma tragédia pronta a acontecer a qualquer instante, desde há 4 anos, e sim, esta eliminação chega com 4 anos de atraso. E porque gosto de falar para lá do resultado, também sim, este Ajax imberbe, talentoso e destemido, também não prima pela organização e, tal como o Real, viverá e morrerá pelo caos de uma desorganização que se sustenta no talento individual e no perfil aproximado dos seus melhores (e tão bons que são!) jogadores. 

Queda no Voou pelo Abismo em Lageball

Vamos ser realistas. Esta época foi preparada para na próxima entrarmos directamente na Liga Europa. Sem conquistas, sem as dezenas de milhões da Champions, sem valorização de jogadores e com decréscimo do prestígio do clube. O objectivo passava por fazer valer o lema “Si enim non facile”.

A época começou sem que se corrigissem os erros da anterior, evidenciando-se ainda mais as lacunas dos anos anteriores.

Não nos enganemos. No primeiro fim-de-semana de 2019 estávamos arrumados. Já eliminados da Liga dos Campeões era muito difícil acreditar que fossemos capazes de eliminar o Galatasaray nos 16-avos da Liga Europa, que fossemos a Guimarães conseguir a qualificação para a meia-final da Taça de Portugal e muito menos que conseguíssemos voltar à luta pelo título.

Passados dois meses fomos ao Dragão virar um resultado e garantir os 3 pontos que nos colocam na liderança do campeonato. Isso estando já em vantagem na meia-final da Taça e a disputar os 8-avos da Liga Europa.

Um Benfica em cacos, onde as vozes se dividiam entre a necessidade de mandar embora o treinador e o receio de uma chicotada psicológica em Janeiro. Uma equipa sem treinador, cheia de dúvidas e com um presidente na casa da Cristina a jogar às cartas enquanto saudoso do anterior treinador apontava os seus esforços a José Mourinho.

E neste caos há por lá um treinador interino a fazer um trabalho provisório enquanto não se arranjava alguém melhor.

Neste caos surge um homem simples, um homem do futebol que respira futebol e que adora futebol. Chega, abstrai-se de todo o circo mediático criado pelo seu próprio presidente, ignora o fraco papel que lhe foi dado, e somente se preocupa em colocar os jogadores a treinar e a jogar futebol. 

Fá-lo sem o patrão da defesa – Jardel, sem o patrão do meio-campo – Fejsa e sem o melhor avançado e jogador da equipa – Jonas. Sem reforços de Inverno. Com metade dos reforços de Verão afastados. 
E rapidamente chegou ao coração dos Benfiquistas. Tudo porque fala sobre aquilo que treina e joga – Futebol.

Bruno Lage consolidou uma nova dupla no eixo-defensivo com Rúben e Ferro; Bruno Lage criou um novo duo do meio-campo revitalizando o Gabriel e limpando o pó ao Samaris; Bruno Lage recuperou a melhor posição do médio mais criador da equipa – Pizzi – retirando-lhe obrigações defensivas e colocando-o mais próximo tanto dos criativos da equipa como das zonas de definição; Bruno Lage percebeu o Rafa; Bruno Lage deu-nos uma nova dinâmica ofensiva retirando todo o potencial que por aqui já era reconhecido ao Seferovic e dando-nos finalmente o verdadeiro João Félix; Bruno Lage apresentou-nos o substituto natural do Fejsa – Florentino; Bruno Lage até nos mostrou que afinal até há uma alternativa ao André Almeida – Corchia.

É um novo Benfica. Um novo 11, uma nova táctica mas acima de tudo um novo futebol. Um treinador que adora o treino e percebe os jogos como um reflexo do que é treinado. Mais que um Benfica com uma ideia muito positiva de jogo, temos um Benfica com processos, com dinâmica, com um guião de jogo. Uma equipa que faz sentido. Temos uma identidade cada vez mais vincada.

Em Janeiro tínhamos a sensação que podíamos perder (ou empatar) qualquer jogo, fosse na Luz ou não, fosse contra equipas de que escalão fossem.

Hoje vivemos um sentimento oposto. Hoje sentimos que podemos vencer qualquer jogo em qualquer terreno. É uma crença muito emocional mas sustentada naquilo que vemos a equipa produzir. Os jogadores transmitem uma confiança tremenda. Não daquelas confianças frágeis induzidas por life coachings mas sim daquelas inquebráveis construídas pela percepção da qualidade do trabalho e do talento que têm.

O que temos pela frente?

Jogo em Alvalade para controlar e garantir mais uma final no Jamor contra o Porto.

Dois jogos com o Dinamo Zagreb para a Europa. Com Lage até já estamos a sonhar com mais uma final nesta competição.

E 10 jogos para o campeonato. 10 jogos. 10 vitórias. E eu acredito.

Belenenses (C)
Moreirense (F)
Tondela (C)
Feirense (F)
Setúbal (C)
Marítimo (C)
Braga (F)
Portimonense (C)
Rio Ave (F)
Santa Clara (C)

Uma época no lixo que pode muito bem se transformar numa época de dobradinha com brinde europeu.

Este é um dos grande méritos de Bruno Lage. Nós benfiquistas podemos novamente sonhar, viver entusiasmados. E nem sequer precisamos de ter preocupações em termos os pés nos chão. O nosso Treinador permite-nos essa extravagância pois ele próprio se encarrega de manter a equipa bem acordada enquanto nós adeptos vamos sonhando. 

Estivemos juntos ao abismo e muitos consideraram que despedir o treinador seria dar o passo em frente. E foi. 

Um passe vertical em frente a rasgar o abismo em Lageball.



segunda-feira, 4 de março de 2019

LAGENIAL



Os grandes treinadores são moldados em forja de múltiplas competências, como é sabido, mas só alguns possuem o verdadeiro toque de Midas. 
No clássico deste fim de semana assistimos a uma demonstração cabal da importância do treino e da comunicação no trabalho e nas ideias do novo treinador do Sport Lisboa e Benfica. Embora tenha sido este o ponto de partida para tudo o que as equipas de Lage fazem em campo, há momentos sem bola que nos ficam na retina. É de um desses momentos que faço a crónica agora.


Já li vários comentários por essas páginas fora, em várias plataformas diferentes, onde se vangloria o facto de Rafa e Lazarus Samaris terem vindo apressar as comemorações do primeiro golo porque queriam dar rapidamente a volta ao jogo. Mas isso não foi o que eu vi, e creio que tão pouco terá sido aquilo que aconteceu, objetivamente.


Bruno Lage é um eterno estudioso e profundo conhecedor do Jogo, em todas as suas vertentes. É claro que a idiossincrasia portista é sua conhecida: a violência, as agressões, a intimidação ou os célebres pisões, apregoados por Jorge Andrade, foram vistos e analisados pela cognição do nosso treinador ao longo de toda a sua vida. Lage sabe bem o que é o ambiente no Dragão, e sabe melhor ainda que não se deve espicaçar um ninho de vespas. Durante a semana, seguramente, foi passada uma informação importante a todos os jogadores do plantel: não provocar ninguém e ter sempre cuidado com os possíveis festejos; sobretudo, desvalorizar todas as provocações vindas do lado de lá, quer venham de jogadores, do banco ou dos adeptos azuis mais broncos. Todas estas pessoas são coniventes com uma história de enganos, e Lage sabe-o bem; uma história de domínio pelo ilegal, pelo ilícito, pelo compadrio e pelas trocas de favores. Uma história nojenta onde até estiveram metidas a política, a polícia e o sistema judicial locais, reforçando a ideia de que o FCP é o clube regional do compadrio; é o clube das reuniões em casas de putas, famosa parte da moeda de troca para as nomeações e os resultados do fim de semana seguinte. E é este o panorama que todos encontramos quando nos deslocamos ao Dragão; não se trata apenas dos onze arruaceiros em campo ou da equipa dos descolhoárbitros. Em cada dois espectadores, pelo menos um será vértice de violência, estupidez e intolerância, pronto a explodir a qualquer momento, formando rápida e instantaneamente uma rede de estupidez com o calhau mais próximo por cada coisa que menos lhes agrade. 

Esta é a estupidez que Lage sabe que pode atrapalhar o bem jogar. Pode atrapalhar a concentração dos jogadores, e sobretudo dos mais novos, que são muitos! (obrigado Lage). Felix celebrou daquela forma porque aquela é a sua celebração, como vimos, por exemplo, no jogo anterior, depois daquele maravilhoso golo a dois tempos e a dois pés. Não é nenhuma mensagem de provocação; não é nenhuma resposta a nada que a morcandade tenha dito durante a semana. É a celebração de um miúdo de 19 anos, tão somente. Mas Rafa tinha a lição bem estudada, tal como Lazarus Samaris. Vamos, puto, levanta-te porque aqui não estás bem. Vê-se bem, pela reação do Menino Feliz, que este conhecia as instruções, mas que se “esqueceu” por um momento. É normal. Depois chegou Samaris e tratou ainda de afastar o resto da malta daquela zona azulada. É mesmo assim que tem que ser, os mais velhos e mais experientes a tomarem conta dos mais novos.


Não tenhamos dúvidas que tudo isto foi parte da estratégia de Lage para o jogo no Dragão: entender muito bem o adversário em toda a sua idiossincrasia. A forma como abraça aquele calhau baixinho e careca, na altura das agressões dos jogadores do FCP, é maravilhosa; imagino-o a dizer então, então, isto é assim, já sabes, é futebol, não há muito a dizer. Concentremo-nos no jogo. Toma lá um abraço de fair play e diz-me agora onde é que fica o teu ódio e a tua provocação. Ainda consegues? Não? Ok, somos todos amigos, já percebeste que aqui não mora um calhau mas alguém bem formado, que acredita no sucesso do trabalho, do esforço e da dedicação. Mas, sobretudo, da inteligência.
Mesmo o próprio Conceição esteve relativamente controlado, pelo menos até ao momento em que achou que não deveria cumprimentar um miúdo que tem idade para ser filho dele, do alto da sua falta de carácter e desportivismo.


Este não foi apenas o clássico do Bem contra o Mal; em 2019, Lage deu lições de civismo e de inteligência pura, ao calar tanto ódio com uma postura exemplar. É também assim que se educa, mister, pelo exemplo. Obrigado.


sexta-feira, 1 de março de 2019

O Benfica é o BIG BANG



É-me estranho ler sobre o mundo anterior a 1904. As pessoas que existiram, os livros que escreveram, as brigas que tiveram, os quadros que pintaram, as músicas que inventaram, os dias sob o Sol de costas arqueadas, as cartas profundas que - a pena, a giz, a sangue - choraram, os amores que sentiram, as fomes, as tristezas, as guerras, os desvarios. Que espécie de humanidade era aquela, sem Benfica?

Quando Fernando Pessoa nasceu, os 3 oitos que lhe dão origem não são contemporâneos do Estádio da Luz. Como pode um homem escrever tamanha obra celestial sem ter provado as bifanas das barracas de madeira, ter abraçado desconhecidos sob a chuva, chorado desalmadamente uma derrota, envergado cachecóis e mantos sagrados, ter acalmado desamores na ternura do voo da águia, ter desistido de amigos por questões de paixão, ter vibrado e sonhado com golos do Benfica? Enquanto escrevia, numa alucinação de sentires e pesares, Pessoa nunca teve aquele conforto de alma de saber-se benfiquista.

Isto não está correcto, não pode ser verdade, há milagres escondidos na dimensão do mundo. Como Deus e outras patranhas similares, a invenção de que o Benfica nasceu em 1904 advém de uma necessária ilusão para que as notas toquem todas ao mesmo tempo e façam sentido. O Benfica não nasceu em 1904, o Benfica já existia muito antes de haver escritas e livros e pinturas e noções básicas de civilização. O Benfica nasceu no primeiro ser humano que surgiu na Terra. Quando um peixe, estafado de água e algas, se decidiu a caminhar, aos soluços, pela imensidão das veredas e coqueiros de uma ilha, meio grogue, já o Benfica o esperava nos areais da humanidade. Ainda não havia propriamente mundo nem humanos e já havia Benfica. O peixe criou patas, depois coluna vertebral, olhos e cabelos, noções de pele, medos, certezas, derivações de coragem, tudo isto enquanto o Benfica o alimentava de amor e daquilo que ele precisava para criar, não sem hesitações e despautérios, aquilo a que mais tarde se chamaria: o mundo.

Quando a corte portuguesa chegou ao Brasil em 1808 (dois oitos, menos um que o do Pessoa), já D. João cantava loas ao benfiquismo, envergando no peito uma declaração de liberdade e independência: “Crio este país como forma de potenciar jogadores para uma realidade que, apesar de distante no tempo, criará grande discussão no seio do reino de Portugal e do Benfica”. Embarcado em fuga, D. João já inovava pela clarividência de raciocínio e premeditação, fomentando prospectores de talentos e novas abordagens aos mercados mundiais. D. João era naturalmente benfiquista, pleno de criatividade, astúcia e ilusão, alheado dos factores universais das valorizações de activos. Criou o Brasil só para potenciar Jorge Gomes e os demais que se lhe seguiram, como Mozer, Aldair, Ricardo Gomes e, os dois expoentes máximos da epopeia, Valdo Cândido de Oliveira Filho e Jonas Gonçalves - o golpe transcendental em D. Miguel e seus anafados absolutistas.

O que fez história e ficou na posteridade – admiremos Cosme Damião por isso – foi ter o nosso “fundador” encontrado, na Praia da Adraga, um notável manuscrito de D. João no qual este versava sobre a fundamental importância de criar em Portugal um clube que desse corpo à ideia universal de benfiquismo. Escusamo-nos a revelar todo o conteúdo do maravilhoso documento, chega-nos a ideia de que Cosme absorveu, criou e recriou à sua imagem – homem de dignidade admirável -, fazendo do Sport Lisboa e Benfica aquilo que ele é, apesar dos apesares, hoje. O que nunca ficou escrito, e é pena, é o facto de D. João, também ele, ter encontrado na praia cartas dos antepassados benfiquistas. Em resumo: uma sequência peculiar de descobrimentos de garrafas nas quais a História do Benfica é contada desde os tempos primeiros em que nem sequer havia giz, sangue, penas ou vidros. Um mistério que ainda está por ser descoberto, provavelmente advindo de relações internacionais com extraterrestres.

Festejemos, no entanto, o último dos humanos: o bigodudo Cosme Damião, o autor da proeza genial, e rara, de dar vida a um sentimento que percorre milénios de humanidade e existência. Naquela reunião na Farmácia Franco, Cosme nunca falou do Cosmos, limitou-se, bem, a inventar o Benfica. Agradeçamos, em devida vénia, respeito e amor, ao nosso ilustre bigodudo por isso. Não esquecendo, agora que conhecemos a verdade dos factos, que o Benfica nasceu do mar. E antes dos astros. O Benfica é o Big Bang.