A chegada de Pep
Guardiola ao comando técnico da equipa principal do Barcelona, trouxe consigo
um impacto que, quanto a mim, ainda está por calcular em toda a sua total
extensão. Pela primeira vez em longos anos, uma equipa exclusivamente baseada
no talento conseguiu disputar e vencer as maiores provas do mundo do futebol,
contrariando de uma só vez, uma infinidade de leis não escritas que de tanto
ditas e repetidas se haviam tornado verdades absolutas no futebol mundial.
Tais conceitos versavam sobre a impossibilidade de se vencer
encantando adeptos e rivais; dizia-se ainda que o futebol “moderno” era
intolerante e incompatível com equipas baseadas essencialmente no ataque; jogar
no corredor central? Jamais compensaria o risco; jogar no corredor central e
com baixotes? “Líricos” diziam eles; e tantos outros dogmas que foram
destruídos por um só homem e uma só ideologia.
O sucesso desse Barcelona dos “baixotes” foi de tal ordem
que ninguém ousou dizer que não gostava do estilo. Sim, porque só as vitórias
convencem a larga maioria de adeptos e protagonistas do jogo, nunca a ideologia
que subjaz a cada estilo. Ganha? É bom. Perde? É fraco, mesmo que no dia
seguinte o que é fraco passe a bom, porque ganhou, ou o inverso porque perdeu.
Mas para além das vitórias, há algo mais nesse jogo que faz com que ninguém
ouse dizer que não gosta: a inteligência. De facto, se há predicado
absolutamente necessário para se jogar e compreender e jogar o estilo de Pep
Guardiola são mesmo as faculdades cognitivas aliadas às faculdades técnicas. E
quem é capaz de admitir facilmente que não gosta ou não compreende a
inteligência de outro? Antes, procuram desqualifica-lo, mas enquanto isso não
sucede por via dos resultados (o que mais?), não há como desqualificar o que é
altamente qualificado.
E é por medo e vergonha que as vozes dissonantes do técnico
Catalão se vão mitigando e, no limite, se vão procurando colar à sua ideologia,
embora não cheguem sequer perto. E é nessa sequência, nesse processo mental que
surgem sempre os comentários que procuram desmerecer o extraordinário pensamento
e metodologia e Pep Guardiola, traduzidos na frase: “Com os jogadores do
Barcelona/Bayern/City também eu jogava assim”. A infinidade de gente que já
disse isto, desde adeptos a treinadores, passando por comentadores, deixa-me na
dúvida se o dizem por mera dor de cotovelo ou, por outro lado, se por acharem
mesmo que a ideologia nasce dos jogadores, bastando para tal junta-los e
esperar que tudo aconteça por geração espontânea.
Pois bem, nem o jogo de Pep nasce dos jogadores, nem quem
acha e afirma a frase transcrita acima escolheria os jogadores que Guardiola
escolhe. E este último facto é mesmo mais extraordinário de todos. É que se me
parece relativamente normal que nem todos consigam replicar aquele estilo de
jogo - caso fosse fácil, de facto, não faria de Guardiola um treinador tão
extraordinário - já me parece completamente surreal que afirmem ser dos
jogadores que nasce todo o mérito, mas na hora de escolher os seus, escolhem
tudo menos os que mais próximo estariam daquele perfil.
“Esses jogadores são caros” – diriam uns quantos. Mas não
são todos? Quantos autênticos cepos são transacionados a preço de craque? Mas
ignoremos este argumento e aceitemo-lo como verdadeiro e analisemos aqueles que
não têm no preço dos jogadores qualquer restrição na hora da escolha: os
selecionadores, mais concretamente, Fernando Santos.
É um facto que Fernando Santos não tem no preço dos
jogadores um inibidor na hora de escolher, sendo então de supor que nada se
colocaria entre ele e as escolhas de jogadores de perfil
“Barcelona/Bayern/City”, seja para as sucessivas convocatórias, seja nas
escolhas para o 11. Pois bem, mesmo sem esta inibição, o engenheiro faz gala em
achar que, por exemplo, hoje em dia existem 11 Portugueses melhores que João
Félix. “Não é bem assim, apenas acha que Félix não pode jogar com Cristiano
Ronaldo e Bernardo Silva em simultâneo”, dirão. E o resultado não é o mesmo? O
que Fernando Santos acha mesmo, é que a Seleção é tanto melhor quanto mais
talento estiver fora dela, porque é simplesmente inadmissível que em 11 jogadores,
ignore um dos 3 melhores da atualidade. Fernando Santos não sabe nem saberá
nunca como conjugar os melhores, preferindo sempre uma ideia de jogo
profundamente medíocre e miserabilista, tenha ele quem tiver ao dispor.
E o nome aqui nem é assim tão importante, porque o Fernando
Santos desta triste história, poderia ser um José Mota, um Tiago Fernandes, um
Lito Vidigal, um Jorge Simão ou qualquer um dos 99% de treinadores
categorizados cá do sitio, porque todos eles iriam afirmar sem qualquer problema
que “com os jogadores do Baça/Bayern/City também eu”, mas no momento de os ter
ao dispor… só por obrigação estatutária é que os escolheriam.
E este é Portugal: Ter qualidade individual para um futebol
de qualidade, mas que vive agarrado e amordaçado por um conjunto de treinadores
que se caricaturam todos num individuo que venceu um Europeu com o mérito de um
tipo que sobrevive a um tsunami agarrado a um pedaço de madeira.
Por isso, sempre que se ouvir a frase “com os jogadores do
City também eu”, que não se tenha medo de dizer: é MENTIRA! É mentira, porque o
nome dos jogadores não influi no pensamento de cada um; é mentira, porque quem
o diz não faz ideia do que é qualidade; e é mentira, porque sempre que a
tiverem ao dispor, vão varre-la rapidamente para baixo de um qualquer tapete!
Não tenho grandes dúvidas de que hoje em dia, Fernando
Santos é um dos que mais torce para que João Félix não faça assim tanto ao
serviço do Atlético, porque se o “puto” explodir em Espanha, o engenheiro não
terá como varre-lo para o banco de suplentes, porque não saberá nunca como,
realmente, tirar partido dos verdadeiramente melhores.