Já se sabe que em matéria de futebol toda a gente tem uma opinião. Pode ser mal fundamentada, mentirosa, credível, inteligente ou apenas um "isto assim não vai lá", mas toda a gente, sem excepção, diz o que quer, quando quer, como quer e ainda bem que assim é - não faria sentido a exigência de um mestrado sempre que alguém se decidisse a opinar sobre uma bola.
Mas, se a esta liberdade tecemos loas, a verdade é que não podemos deixar passar em claro a eterna fuga de opinião (ou semi-opinião) que os jornalistas desportivos a toda a hora cumprem. Escudando-se sob a camuflagem do direito da escolha pessoal, estes, questionados sobre a sua preferência clubística, preferem responder que são do Amiais de Baixo ou do Merelinese, dizendo em tom jocoso ser o "clube lá da terra". Ora, se a preferência por emblemas que militam pelos distritais do nosso futebol não deixa de ser louvável, visto que revela neles uma aguçada e extremamente criteriosa sensibilidade pelos mais precários clubes, causa alguma estranheza que, num universo de, digamos, 50 jornalistas que têm funções de destaque, nenhum sofra por um dos três grandes do futebol nacional. Há-de ser, quero acreditar, uma coincidência cósmica, uma improbabilidade estatística no país onde a estatística nem sempre bate certo. E, sendo assim, causa ainda mais incredulidade que o Merelinense, tendo em conta o seu grupo de apoio, não ganhe consecutivamente 10 campeonatos nacionais da primeira Liga.
Esta atitude, normalmente associada a um "jornalismo independente e imparcial", mais não é do que a repercussão equívoca de um país cujas fronteiras da independência moral e individual ainda não foram totalmente transpostas. É que pode parecer um assunto insignificante mas, a nosso ver, é um dos obstáculos à transparência exigível nos meandros da bola para a frente. Custaria assim tanto a um jornalista assumir-se benfiquista, sportinguista ou portista? E, se o fizesse, teria forçosamente a sua carreira em risco? Não me parece.
Casos há em que o clubismo é conhecido e nem por isso a objectividade e o profissionalismo são postos em causa por quem os lê, vê ou ouve. Dou como exemplo Fernando Correia, um jornalista inequestionavelmente talentoso, sério e, dentro das suas funções, imparcial. É sportinguista, assume-o e eu gosto disso. Com essa sua escolha, evitou que todas as semanas a sua clubite, aos olhos do público, mudasse, consoante uns e outros olhos o vissem. Mostra-se tal como é, diz ao que vem e, dito isso, deixa espaço para o mais importante: a sua função de jornalista. Não diz que é do Alandroal ou do Nelas, não se esconde sob a capa do "homem que dedicou a sua carreira ao futebol mas, estranhamente, não tem clube". Será assim tão impossível que outros lhe sigam as pisadas?
Bom artigo, sobre um tema importante.
ResponderEliminarEu confesso que hoje em dia quase ignoro os joranlistas e os comentadores, e fico em choque quando vejo a diferença entre os jornalistas/comentadores desportivos de cá e dos EUA, por força de seguir atentamente o desporto americano.
Aqui os debates televisivos duram 1 ou 2 horas, são feitos geralmente com "ilustres" adeptos ou notáveis da sociedade, que só falam de futebol, e mesmo assim revelam total desconhecimento, por vezes admitindo que nem alguns jogos viram. Lá fazem-se programas com 2 ou mais jornalistas desportivos, em meia hora, que falam de meia dúzia de modalidades e parecem quase bíblias de cada uma. No programa chamado PTI até se dão ao luxo de ter um minuto para uma rubrica em que referem os erros dos 2 jornalistas. Se no final do Dia Seguinte tivessem uma rubrica semelhante duraria mais que o próprio programa.
E os jogos? Cá já se sabe, temos normalmente a comentar um ex-técnico daqueles que ninguém quer, mais um jornalista avençado que percebe tanto de futebol como eu de agricultura, e que fala apenas para agradar a outros patrões. Lá, nas transmissões da NFL temos quase sempre um ex-jogador, um técnico que não esteja a exercer, e um jornalista. Uma das diferenças é que o técnico é quase sempre o melhor ou um dos melhores "desempregados", e ouvi-lo é um prazer, quase que prevê o que se vai passar em campo, ouvi-lo é uma autêntica aula da modalidade em questão, chego ao ponto de não passar os momentos mortos para a frente para não parar de os ouvir. Cá só não chego ao ponto de ver os jogos sem som porque me faz confusão não ouvir o som ambiente.
Enfim, diria que os jornalistas/comentadores desportivos estão ao nível do nosso futebol (Benfica actual à parte), isto é perfeitamente medíocre e inaceitável.