sábado, 4 de dezembro de 2010

Um talento que dá sono

No futebol, o que faz haver favoritismo de uma equipa sobre outra tem um nome: talento. Outra(s) coisa(s), bem diferente(s), é(são) o que faz uma equipa aproveitar esse talento e merecer esse favoritismo: atitude, intensidade, garra, organização, superação. Se uma equipa se encosta ao talento e despreza os restantes o mais provável é não ganhar um jogo ou, se ainda assim a qualidade se impuser, ganha mas passa por dificuldades pelas quais não necessita. Ontem foi isto que aconteceu: acomodada ao talento individual e à qualidade dos seus jogadores, o Benfica entrou em campo como se a vitória tivesse de chegar por hereditariedade natural, como se os genes do jogo tivessem sido escolhidos ainda antes de este começar. Se eu consigo entender um jogo menos conseguido da equipa, quando ela faz tudo para o ganhar, é-me de todas as formas inconcebível ver os jogadores do Benfica displicentes, arrogantes, lentos, crentes numa ordem qualquer divina que os ilibe de lutarem pelo resultado.

A escolha do onze foi a correcta embora haja uma excepção: Aimar por Martins. Não se compreende a escolha de um em detrimento do outro, se pensarmos que um vem de uma lesão e o outro vive um momento fulgurante tanto a nível exibicional quanto físico e mental. Parece ser um desperdício de recursos. E o jogo, esse filtro da verdade, provou-o de forma cirúrgica. Martins, entrado ao intervalo, recuperou a intensidade que Gaitán deixara nas ruas de Buenos Aires e Aimar esvaziou o balão antes de o jogo passar pelos ponteiros dos 60 minutos. Teria sido mais benéfico para a equipa ter entrado com Martins e deixado entrar Aimar na última meia-hora. Mas Jesus põe e dispõe. Limitemo-nos, pois, a rezar com mais ou menos crença na absolvição.

Em posse, fomos previsíveis e pouco dinâmicos; em perda, quase ausentes de intensidade; em contra-ataque, pouco esclarecidos. Valeram-nos dois momentos exteriores a tudo isto: um brinde do Pai Natal Moretto e uma bola parada (onde, haja luz, ainda conseguimos manter um nível de eficácia razoável e que parece ser das poucas ideias que viajaram do ano passado para este que se mantiveram lúcidas sem entrarem em depressão crónica).


Notas individuais:

- Coentrão, desde o jogo do Dragão, parece outro jogador: temeroso, pouco consequente, falho na luta individual, menos agressivo. É um dos case-study mais (des)interessantes desta época, um exemplo de como a falta de confiança tem toldado esta equipa.

- Gaitán: fez-me dizer o dicionário inteiro de asneiras. Gastei todo o vocabulário pornográfico com o argentino. Tem talento? Aos magotes. Está a jogar onde deve? Não. Mas nada justifica a atitude passiva, desinteressada, pouco solidária com o resto da equipa. Gaitán definitivamente não serve para jogar na ala. Se isso era perceptível quando a equipa estava desequilibrada, continua a sê-lo com o meio-campo remendado. Não sofre pelo movimento colectivo, é ele, a bola e o que lhe apetecer. Procura movimentos internos mas até aí sem chama, sem capacidade de decisão, um diamante em bruto embrutecido pela pouca clarividência. É deixá-lo aprender este futebol e, a dar-lhe oportunidade de pisar o relvado, metê-lo noutras andanças - experimentar o rapaz a 10 e a segundo avançado. Não vale a pena insistir mais nisto: estraga-se um talento nato e a equipa perde fluidez e intensidade de jogo.

- Amorim: é pau para toda a obra. Hoje, quando Jesus viu que o Gaitán ainda vinha de pijama, foi para a esquerda para ve rno que dava. Não esteve mal mas nota-se-lhe que nem é aquele o seu lugar nem ele está ainda no melhor momento físico. De qualquer forma, neste Benfica, tem lugar de caras na direita do meio-campo.

- Aimar: como escrevi atrás, acusou os maus níveis físicos. Ainda assim, foi dos que mais incorporou a ideia de que um jogo não se ganha apenas pelo talento. O problema é que um pressing consequente depende de toda uma equipa e não apenas de 3 ou 4. Lutou, procurou movimentos verticais com os avançados, tentou abrir espaços mas a pouca movimentação dos restantes e a boa organização defensiva dos de Olhão limitaram-lhe os rasgos. Saiu bem. Espero vê-lo com outra dinâmica no próximo jogo. Mesmo que entre a partir do banco.

- Martins: é daqueles que tem de estar em campo desde o começo do jogo. Vinha de boas exibições a 10 e ontem voltou a uma das alas do meio-campo, tendo nos últimos minutos estabelecido lugar atrás dos avançados. Trouxe logo outra capacidade de limitar os movimentos do Olhanense e abrir os olhos a uma equipa que parecia estar em campo à espera que o céu caísse sobre a própria cabeça. É, neste momento, um indiscutível.

- Salvio: se em termos de talento puro, deve alguma coisa a Gaitán - ainda que seja dotado tecnicamente -, do ponto de vista de entendimento do jogo e de capacidade colectiva está muitos furos à frente do Nico dorminhoco. Por mim, era aposta para a esquerda do meio-campo no jogo com o Schalke.

- Cardozo: o "tosco" já vai com os mesmos golos que Magnusson, o até ontem maior goleador estrangeiro da História do Benfica. Ele é feio, é lento, é parvo, cheira mal da boca mas é... bom. Vão assobiar para o caralho, benfiquistas de merda.

- Saviola: afinal não foram três, foi só um. É o melhor jogador do Benfica. E está a voltar aos golos. Dê a equipa tudo o que tem que ele está lá para fazer o que sabe.

Por fim, uma referência a Daúto Faquirá. É um dos melhores técnicos portugueses. E não é de agora. O trabalho de um técnico vê-se, mais do que no palavreado às vezes absurdamente fechado em triângulos perpendiculares e pontas verticais em duodenos cerebrais, no campo. Merece outras viagens. Quem sabe um dia não voa de águia... 

7 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. "Em posse, fomos previsíveis e pouco dinâmicos; em perda, quase ausentes de intensidade; em contra-ataque, pouco esclarecidos"

    Juntando as avaliações a Gaitan e a Sálvio, vimos claramente o mesmo jogo.

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  3. ...E percebeu-se que o David Luiz està a acordar da letargia.

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  4. Dezazucr, vi a tua análise. Confirma-se: vimos claramente o mesmo jogo.

    Não sei, Low, não sei. É verdade que esteve bem, sem erros, o que, tendo em conta o que é normal, é de elogiar. Mas esta equipa deixa-me sempre apreensivo: tanto são capazes de mostrar que estão unidos como logo no momento a seguir parece haver falta de solidariedade. Mas compreende-se. O que deve sentir um gajo que vê o Gaitám, que chegou esta época, cagar de alto para o pressing colectivo e ser constantemente titular? Há muitas arestas para limar. No entanto, está a ser um bom fim-de-semana. O Vitória está a 5 e o Braga a 10. Com o Sporting já não conto. Falta o Porto perder pontos, o que não parece muito possível. Do mal o menos: se o título não for conquistado, o segundo parece simples de concretizar.

    Este ano é, para além do campeonato, para virar agulhas para as Taças. Acredito numa grande campanha na Liga Europa. Mais uns quartos-de-final, no mínimo. Como fizemos 3 vezes nos últimos 4 anos. É a falta de estaleca europeia, dizem os outros.

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  5. foi, de facto, um balde de agua fria..que se dispensava, pois já estava um frio do caraças....

    equipa equilibrada, de peito, vá lá, meio cheio após jogo de Aveiro (onde raio ficou aquela união toda após golos?!?!?) e não é que andaram a dormir...

    foi mesmo desilusão...como dizes e bem,a malta percebe jogo menos conseguido,mas com luta e empenho, não assim...

    Tua observação do Tacuara...perfeita, estou ctg..assim como do saviola...um gajo por vezes até se perde do jogo e fica a olhar para o modo como se movimenta, a ver se aprende alguma coisinha....nada como bola no estádio!!!

    o gaitan..faz-me lembrar o Di Maria dos 2 primeiros anos...talento inconsequente! Mas tenho fé imensa no gajo, pois até acho que ele tem uma técnica apuradissima, mais objectiva e com menos rodriguinhos que o gajito do Real..é simplesmente delicioso quando o gajo, no centro do terrenos acelera e deixar 2, 3 gajos para trás, com enorme facilidade...

    ps:desilusão esta, que não me afasta do estádio amanhã,apesar do frio..estranho amor este...

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  6. só um pormenorzinho insignificante:será que o Faquirá não prefere uns tons mais azulados? já que envia relatórios semanais sobre os jogadores que treina para o BragaB...e isto foi ele própio quem o falou...talvez explique a sua carreira,hein...

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  7. Até por isso, M, o gajo tem de jogar noutras zonas que permitam essas arrancadas sem prejuízo para a equipa.

    É um amor sem limites:)

    Anónimo, ele pode mandar relatórios para quem quiser. Acho natural que, se tem jogadores emprestados pelo Porto, o faça. Falei apenas na qualidade dele como técnico. Se queres arranjar aqui mais uma conspiração, vai em frente, é sempre em frente, sempre em frente!

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Vai ao Estádio, larga a internet.