sexta-feira, 30 de março de 2012

Contra a religião

Os adeptos do Benfica não são os melhores do mundo, embora o speaker de serviço discorde de mim. São adeptos que são pessoas que são do Benfica por uma razão que às vezes as ultrapassa e noutras as elucida. Não há aqui nenhuma metafísica além da natural metafísica que faz uma pessoa amar uma ideia. Intangível e sobrenatural, concedo, mas uma ideia. 

Tivesse o meu Pai um amor impossível pelo Sporting e provavelmente este blogue chamar-se-ia "Ontem vi-te no Estádio de Alvalade". Nada que diminua ou desmereça o meu incondicional amor pelo Benfica, precisamente porque as explicações não são necessárias em casos de crime como este. 

Por exemplo: o meu avô era um sportinguista inveterado, profícuo divulgador do sportinguismo por terras abrantinas, antigo Presidente do Sporting de Abrantes e uma pessoa a quem daríamos o nosso cartão multibanco, para uma eventualidade qualquer. O que mudou na linhagem familiar não foi a paixão pelo futebol - essa manteve-se sanguínea -, mas a qualidade do gesto. E, nesse particular, devemos reconhecer mérito a quem o tem: numa acção de desportivismo e amor pelo jogo, o meu avô, porque gostava do Eusébio e Coluna e José Augusto e tantos outros, um dia levou o meu Pai à Luz. 

Quase ingénuo, achou que o filho merecia ver aquela equipa e provavelmente sentir o futebol para além das linhas da rivalidade. Este acto de heroísmo valeu-lhe o inesperado: o meu Pai apaixonou-se pelas cores erradas. E nunca mais o domou. Como uma águia em voo sobre as montanhas de Marche, o filho desafiou os limites do razoável e metamorfoseou-se em Benfica, vindo de um leonino sentir. Gostou do vermelho e das bandeiras e daquele perfume. 

O que é importante descobrir neste gesto é o que lhe está acantonado: a qualidade do Pai, a honra e dignidade daquele homem que, amante do futebol, levou o filho vezes demasiadas a um estádio alheio. Há aqui uma beleza que perpassa impossível de tornear em palavras e que o meu Pai, demasiado benfiquista, não percebeu de imediato. Ele tinha mudado o rumo do sangue. Já não havia verde, só vermelho. E um choro eterno com que às vezes sou brindado em sonhos demasiado absurdos para dizer. Lágrimas verdes, pesadelos verdes, sonhos verdes. E dois homens que resistem à boçalidade dos cânticos inimigos.

Eu ser do Benfica é uma consequência de várias coisas, uma delas, a mais importante, a de o meu Pai me ter levado ao Estádio da Luz e eu ter visto naquele clube, naquela gente, naqueles jogadores, uma razão. Absurda ou circular, tensa, divina ou apenas real, uma condição para a minha vida. Mas não sou o melhor adepto do mundo. Não somos os melhores adeptos do mundo. Somos do Benfica e isso como existência chega-me bem. Só não quero que vejam nisto uma decadência religiosa como noutros perfis. Vivo bem com a minha noção de mundo. Deixem-me ser do Benfica porque sim. Sem rezas nem missas de sétimo dia.









7 comentários:

  1. Gosto de ler este cantinho. Talvez porque exista algo que nos aproxima ou sabe-se lá porquê!?
    Também eu sou dos lados de Abrantes. E não o meu avô, mas o meu pai era sportinguista! Porque sou do Benfica? Sei lá! Não, não é para contrariar o meu pai. Nunca me levou ao futebol, antes fui eu que o levei e logo ao Estádio da Luz, ao velhinho Estádio da Luz!
    E prometi levá-lo à inauguração do novo Estádio o que o entusiasmou. Infelizmente, o coração traiu-o e um mês antes partiu.
    São assim as voltas da vida, que muitas vezes não tem explicação ou justificação! E ainda bem porque assim as realidades são bem mais saborosas.

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  2. Ninguém aqui consegue fazer chegar isto à direcção do Benfica? Nomeadamente ao presidente? É que este miúdo deveria estar amanhã na tribuna presidencial do Benfica!!! Isto sim era sinal de Benfiquismo!!

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=330364390355366&set=a.121490501242757.17161.120511874673953&type=1&ref=nf

    PS1: desculpa-me o teor do meus post! Não tem que ver com o teu tópico.

    PS2: Esse som é maravilhoso. Se fosse jogador, acho que o ouviria antes de entrar em campo, sempre!!

    PS3: Mais um grande texto. Abração!

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  3. Ricardo, homem, o que te deu?

    O texto é bonito, embora não compreenda o porquê, a necessidade do mesmo nem o momento.

    Nasci no Porto, aproximava-se do fim o ano de 1965, numa família portista, onde as duas mulheres eram ferrenhas e o Pai um adepto pouco interessado no futebol. Vivi os primeiros seis anos, algures, fora deste jardim à beira mar plantado e quando regressei não tinha clube português, embora já o vermelho mexesse comigo, exceto a certeza que não seria o clube das muito amadas mulheres lá de casa, era uma indefinível qualquer coisa.

    Tinha um vizinho, boavisteiro, diretor de qualquer coisa e ele começou a levar-me ao velho Bessa. Foi a minha estação de trânsito, era boavisteiro, gozado mas orgulhoso, freguês dominical dos jogos do Boavista na região. Lembro-me, vagamente, do campo do Bessa, pelado, a transformar-se em estádio relvado e com bancadas a sério. E então vi o Benfica, ao vivo e a cores. Conheço a minha companheira desde que me lembro, daí que o Benfica seja o mais próximo que consigo imaginar de uma paixão à primeira vista e para toda a vida.

    Fiz uma escolha natural, o amor ao jogo, o inexplicável prazer de correr atrás da bola, a dolorosa aprendizagem da coordenação motora. O irracional, a escolha clubista, decorre desse amor donde tudo deriva: primeiro o jogo, o futebol. Admito que a prioridade possa fazer de mim um tipo esquisito.

    PS. Desculpa, Ricardo, não gosto muito de Pavarotti. A genialidade de Mozart não obscurece o facto de ter sido um individuo detestável, um oportunista mesquinho, mais preocupado com o dinheiro e o reconhecimento mundano da corte. Daí que tenha acabado numa ignorada vala comum. O castigo até pode ter sido excessivo, o facto existe. Felizmente, Pavarotti conseguiu mais que Mozart, outros tempos. Mozart deixou-nos a imortalidade da sua obra, pena que não tenha conseguido amigos que lhe pagassem um funeral decente.

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  4. Armando, tudo o que tinha a dizer sobre a realidade actual foi escrita antes dela acontecer. Já não me apetece mais. Há uma boçalidade benfiquista - na gente que nos governa e treina e nos adeptos - que me não interessa mais explorar. Já foi exaustivamente dito.

    Não compreendes o porquê nem a necessidade? Perdoa: então não compreendes nada. Este blogue desde o princípio apareceu para trazer outro ângulo. É este o ângulo. Já que estávamos fartos da merda que vive no Benfica mostrámos a merda que vive no Benfica mas o nosso sangue é isto, textos sobre bola, pura e simplesmente. Compreendo que não percebas.

    O mundo é simples. E o Mozart um génio. Vala comum é um pormenor que nada diz do talento. É isto que é quase impossível de entender.

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  5. João! Enviei a missiva para o Clube - gabpresidente@slbenfica.pt - à hora do almoço. Só não farão nada se não quiserem. Mas pela (in)sensibilidade de Vieira para estas questões, não me cheira a que aconteça algo! Ele só tem olhos para os amigos...

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  6. eupensopelaminhacabeçaeusoulivre30 de março de 2012 às 22:43

    Existe no nosso mundo um não sei quê estranho na nossa humanidade... doi-me tudo o que não é ..."puro"... eu benfiquista me confesso do coração... tudo o que foge à alegria do coração soa-me a estranho... é por isso também que muitos dos meus comentários serão estranhos para aqueles que optam não pela alegria mas pelo seguidismo acéfalo...
    Este de todos os blogs por onde passei é aquele com o qual mais me identifico... porque aqui vejo coração/paixão/verdadeiro amor e é por acreditar nessa paixão que continuo ainda sócio mas possuído de uma "dor maior" porque observo dentro do clube e fora dele coisas "parvas" que indignificam a pureza natural da vida e neste caso o puro deleite que é viver o jogo com a pueril alegria eterna a que todos temos direito...
    Aprendi a amar o jogo quando nos meus 7 anitos me levaram ao campo do Piedade a ver os putos, as cores dos equipamentos a alegria dos petizes marcaram-me para sempre... quando penso no jogo penso nos equipamentos, aquela luz e alegria dos equipamentos... e depois logo a seguir... o Chalana, tenho uma memória enorme do Chalana e do Nené (que não sujava os calções...eh eh eh o adepto é tão engraçado)... e do Alves (as luvas pretas davam-lhe um ar misterioso...)... hoje vejo negócio e mais negócio e naqueles que servem o clube observo uma certa falta de amor ao clube e mesmo os jogadores , certamente profissionais de ganhar mais e mais dinheiro, quando páro... sinto-me "cansado" porque não têm aquilo a que chamávamos amor à camisola (amor ao clube), mas alguns amam claramente o jogo (Aimar é um desses que ama o jogo)... sinto fome de pureza, de paixão e alegria pelo clube e pelo jogo... devolver a formação ao clube é a única salvação do jogo... aqui e noutros clubes... vencer é giro claro que é, mas é possível vencer com pouco dinheiro, é possível viver com pouco dinheiro... a paixão é tudo!
    Nós todos somos corresponsáveis pelo estado actual do mundo porque deixámo-nos vender... vendemo-nos ao dinheiro... senão todos, a grande maioria... e depois temos isto que observamos à nossa volta...
    É possível uma inversão do rumo, para que a alegria regresse aos nossos corações - está nas nossas mãos, no nosso coração...

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  7. Ricardo, a sério, continuo a não compreender, embora entenda. Contradição? Talvez, a questão, a interrogativa pretendia ser uma forma de afeto, ainda que com alguma provocação, bem-disposta. É uma forma de estar, benfiquista e não só: dou, sempre, o benefício da dúvida a realidades que não domino.

    E tens razão, não foras tu, nem sequer saberia da existência deste espaço.
    E o benfiquismo não é um campeonato que queira ganhar, basta-me a diversidade. Daí uma provocação, esta verdadeira: qual o projeto, alternativo, ao Benfica atual, de LFV? Não duvido que tenhas ideias, porque não partilhar as mesmas?

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Vai ao Estádio, larga a internet.