quinta-feira, 26 de abril de 2012

É um futebol que dá sono

Acho de uma tremenda falta de respeito os jogadores do Barcelona não cruzarem quando todo o café lhes pede que o façam. É tão óbvio: bola na ala, finta um gajo e cruza. Será assim tão difícil de entender isto?

Cheguei atrasado: o relógio marcava 01:34, as cadeiras estavam todas ocupadas, a empregada do "Na Desportiva" cortava folhas de louro para o futuro e eu sem bebida na mão. A televisão flutuava em cima de uma arrecadação com papo-secos, maionese, leite e coisas do dia-a-dia que um café de um bairro sem supermercados nem barbeiro nem papelaria (afinal isto é um bairro?) faz o favor de oferecer aos seus moradores. Ao meio do plasma, na linha do meio-campo, um rasgão de protões faz uma sombra sobre o Busquets. "A ver se ainda esta semana trato disto", "Deixe estar, Dona Ivete, dê-me só uma média".

Sou o único branco, incluindo o staff proprietário, no "Na Desportiva". Os pretos sentados e eu em pé, ao balcão - pergunto-me se isto é justo. Andámos nós a transportar gajos de uns continentes para outros - tão solícitos na nosso altruísmo de mostrar mundo aos outros-, a inventar guerras coloniais e a resgatar jogadores fabulosos e é assim que nos agradecem? Nem uma cadeira. Ao balcão, de pé, à homem. A casa-de-banho era para todos.

A bola cai na linha: "cruza, cruza". Alexis Sánchez não cruza, mete para dentro, atrasa, faz um passe estúpido para o meio. Que futebol é este, caralho? Atrás, a bola nunca é atirada para o conflito, à Luisão; no meio, fazem-se combinações arriscadíssimas, gente que aparece a resgatar o espaço, parece uma brincadeira de crianças. Os jogadores do Chelsea correm e enlouquecem. Freitas Lobo fala ao café: "excelente sentido posicional dos londrinos!" e muitos concordam, sim senhor, defendem como poucos, fosse assim o Benfica. 

Arranjo amigos, pelo olhar. Discordamos do comentador. O Barcelona dá um festival de gestos e coisas ensandecidas e nós, os que achamos Freitas Lobo um gajo que nos últimos 2 anos perdeu o cérebro (ou ganhou dinheiro a mais, escolhem vocês), bebemos e regozijamos. Não é possível não amar este jogo parvo destes catalães. Procurar o meio para encontrar espaços? Recusarem-se teimosamente a cruzar a puta da bola? Ficarem-se em passes curtos entre 6 gajos do Chelsea e saírem de lá felizes e contentes como se o futebol fosse motivo de alegria e exaltação? O mundo está decidida e inexoravelmente perdido.

Golo de Busquets. Não consigo, apesar de em território hostil, conter o grito de amor. Não pelo clube - sou do Benfica, desculpem -, mas pela estupidez da jogada. Ridículo, quase. Alguém grita: "assim também eu, estava sozinho, foda-se". De facto, estava. Patético, mesmo. A seguir mais gajos a não cruzarem bolas. O café inunda-se de um desespero: será possível que não veremos uma merda de um cruzamento decente? Porque, como se sabe, os cruzamentos decentes são muito importantes no futebol, mesmo que para uma área cheia de moscas. No fundo, não interessa tanto o resultado do cruzamento, importa sim livrar a bola. O chamado jogo Fátima Felgueiras: quem vier atrás, que feche a porta.

Um desconhecido olha-me de modo estranho. Quem sou eu e o que quero com aquela felicidade toda que transbordo, entre cervejas e agradecimento aos deuses de ver um futebol tão imbecil? Outro aperta-me a mão: "estes gajos jogam muito, não jogam?". Neste momento, tornei-me o guru do futebol pornográfico. Lanço frases explicativas que atiro do balcão para as mesas, como tremoços: "é tão lindo ele não cruzar"; "o gajo foi para cima de outros 4 e depois passou a bola e ainda a foi receber"; "viram quando ele passou, recebeu, passou e recebeu do mesmo gajo, na linha lateral?". Tudo coisas ofensivas. Do plasma que anda a tapar a área do Chelsea há 40 minutos, oiço qualquer coisa como "o Barcelona está a ter dificuldades em encontrar espaços". Peço um uísque para esquecer.

E, de repente, o "Na Desportiva" inunda-se de uma felicidade transbordante. Ramires marca um golão. Cabeças reviram-se na minha direcção. Eu só noto dois segundos e 34 coisos depois, visto que estou maravilhado com o gesto técnico do queniano de Belo Horizonte. E afirmo, convicto: o que é que este homem está a fazer que não tem a camisola blaugrana vestida? Uma surpresa contagiante, afinal também gosto de futebol e sei gostar de um golo do Chelsea, quem diria? Ganho respeito entre as gentes. O meu novo amigo olha-me com admiração. Quase podia ter direito a sentar-me numa cadeira. 

Também como em Portugal, em Angola e na Guiné o Mourinho é que é.

6 comentários:

  1. É isso e o "mete na frente" e a variante "para trás mija a burra"...LOLOL

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  2. Muito bom RIcardo... fugiu-se-me o sangue todo quando falas-te nos cruzamentos [he he he he he he]... é que eu com o Cardozo na área pedia aí 3 ou 4 por cada parte, só para variar o jogo... não sou fanático de cruzamentos... e sim o futebol do Barcelona arrepia... que até chateia... mas o futebol está vivo, com esta final Bayern-Chelsea... voltou a incerteza?

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  3. caro ricardo,
    reconheço todo o merito a este barcelona. E extraordinario aquilo que eles fazem e ainda mais quando nao esta a sair bem e eles se recusam a jogar de outra forma. De facto sao unicos.
    Mas nao diga que e impossivel nao gostar. O futebol e para ser disputado entre duas equipas. Os jogos mais espectaculares sao os mal jogados, tipo os do benfica, em que a temporizaçao e coisa de meninos. Pegamos na bola e vamos sempre ate a baliza, futebol directo e vertical, a seguir permitimos que o adversairio faça o mesmo e nisto passa-se um bom bocado a ver um jogo rasgadinho.
    Ja o barcelona joga sozinho durante quase todo o jogo. Andam ali a jogar ao meiinho ate se lembrarem que lhes apetece marcar. Jogam andebol com os pes e fazem jogo passivo.

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  4. O Barça de anteontem precisava era de um Cardozo. Só isso. Aquele jogo pedia um Cardozo.

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  5. Com um Cardozo, não seria o Barcelona.

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Vai ao Estádio, larga a internet.