sábado, 7 de julho de 2012

O pequeno genial (e o genial bigode)

A mulher do Chalana andou com o meu Pai no liceu. Parece que não era conhecida por ser adepta da monogamia; nem disso nem das pernas tapadas. Tinha outros interesses, que extravasavam a lida doméstica ou o leve e tranquilo passar das horas à lareira a fazer rendas de bilros. 
 
Havia referências pontuais a esse facto, lá por casa. Mas eu só retinha a palavra "Chalana" nas várias conversas que se mantinham sobre o assunto. Era como naquele anúncio dos Whiskas para gatos. Eles falavam, dissertavam sobre conhecidas exibições de Anabela à janela, vendo os transeuntes enquanto se formavam filas de homens na sua rectaguarda mas o que eu ouvia era "bla bla bla Chalana bla bla bla Chalana".  
 
É que eu tinha uma camisola do Chalana. Acho que cheguei a fazer um bigode farfalhudo e a colá-lo com UHU à cara e saí pelo pátio a fintar franceses imaginários. Quando os adversários eram reais, jogava num ringue da minha rua, que era o sítio de eleição para se jogar futebol em Abrantes e que era um autêntico luxo: balizas presas ao chão, redes (redes!), marcações bem delineadas a tinta, bancadas, balneários e laranjeiras no terceiro anel para quando desse a fome e a sede ao mesmo tempo. 
 
Nesse campo, os mais velhos contaram-me mais sobre Chalana. Falavam-me que, de férias, em vez de ir passear a mulher - que provavelmente estaria em horas extraordinárias, mas não propriamente em labutas de ofício -, Chalana esfalfava-se por esses ringues, apesar de as indicações do Benfica serem na exacta direcção contrária (diz que os músculos não se dão muito bem com misturadas entre relva, pelado e cimento durinho). Mas o bigode do pequeno genial não era de virar a cara a uma boa peladinha e vai daí fintava, sem discriminação, gordos, velhos, coxos, donas de casa, padeiros e até há relatos de uma vez em que Chalana, farto de fintar adversários no campo, começou a galgar degraus de bancada com a bola sempre colada aos pés. 
 
Isto faz parte de um imaginário muito meu, que provavelmente foi invadido e conspurcado ao longo dos anos por esses grãos de areia que as horas têm e que nos fazem ter da vida, como diz o Marquez, não a ideia do que ela foi mas do que nos lembramos dela. E eu lembro-me de Chalana. No campo. No relvado da Luz, entre outros 21 que tinham a óbvia vantagem de assistirem àquilo de perto e não sentados junto ao placard gigante do terceiro anel. 
 
Como dizer? O homem não era humano. Tinha coisas de louco, acreditava em impossíveis galgadas campo acima e elas aconteciam. Os jogadores pareciam aqueles modelos que fazem anúncios futebolísticos, afastando-se do protagonista para realçar e focar a luz no herói. Só que não eram modelos e não se afastavam do protagonista; eram simplesmente afastados por uma anca que mentia e um pé que falava. 
 
Devia haver uma cláusula em qualquer jogador que assinasse com o Benfica: usar bigode farfalhudo em honra de Chalana. Quem não aceitasse, podia ir para a janela observar os transeuntes.
 
 
 

7 comentários:

  1. Com 31 anos (já feitos este ano), não me consigo recordar do Chalana no Benfica. Com 8 anos, e apenas com a RTP Açores, reter esse tipo de imagens na cabecinha de um miúdo de 10 anos que vivia isolado do mundo, sem acesso a informação, e com um jogo do Benfica na TV quando o rei fazia anos, era com certeza uma tarefa difícil. Mas por tudo que já li e vi do senhor, deveria ser mesmo um regalo para os olhos benfiquistas ve-lo em campo.

    Incrível ser-se benfiquista naquele tempo, e tempos anteriores, vivendo tão isolado do mundo e com tão pouca informação. Quando ouço histórias das gentes do Benfica da minha terra, sobre os relatos do clube na rádio, rádios esses que também eram escassos, e em que se juntavam em grandes grupos para sentir "aquela" paixão, até fico com pele de galinha. Como era bonito e puro aquele amor platônico.

    Desculpa o off-topic, mas este post fez-me lembrar estas coisas, nem sei bem porquê.

    Abraço

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  2. com treze anos quando o pedreiro vendeu o chalana foi o meu primeiro desgosto nessa altura não se vendiam jogadores ponto final, só se mandavam embora aqueles que não queríamos, e muito excepcionalmente vendíamos um estrangeiro fiquei com um ódio ao homem.
    Mais tarde soube por um membro da direcção dessa altura, que anos mais tarde viria a ser meu chefe e colega numa empresa em que eu trabalhei, que chalana foi vendido porque por um lado a informação dada pelo corpo medico era que os músculos do chalana já estavam nas ultimas, muito possivelmente pelo que referes no post, depois pela própria anabela que fazia uma grande confusão nos treinos e metia-se em tudo e finalmente junta-lhe uns milhões e o pedreiro não viu mais nada, e se não estou em erro ele se não fosse para o bordéus tinha assinado pelo boavista que lhe dava mais dinheiro que o Benfica.

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  3. Olha Ricardo! Tirando a parte da vida pessoal do Chalana cujo episódio que relatas é mais ou menos verdade - Anabela por essa altura já era separada do primeiro marido e Chalana já tinha desertado da sua primeira mulher e do seu filho que eu conheci - a vida desportiva no Benfica é realmente ímpar, só digna de um génio!
    Tenho pena, muita pena de quem não viu jogar o génio, o artista!
    Costumava e ainda hoje retenho essa ideia, compará-lo com um cavalo garboso, elegante e altivo que dança ao som da música.
    Chalana dançava, boleava as ancas e ia sentando adversário atrás de adversário até que algum menos generoso o resolvia ceifar!
    Foi assim em muitos jogos até que um rabo de saia (ou seria rabo sem saia?) o fez perder e acabar apressadamente uma carreira que merecia mais longa e consistente!
    Vi Eusébio e companhia jogarem, mas Chalana, em frente de quem Futre joelhou, foi mesmo GENIAL!

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  4. Bela homenagem, Ricardo.

    Assim como infelizmente não tive a honra de ver jogar ao vivo Mário Coluna (outra bela homenagem que o vosso blogue lhe faz, nesta foto da final contra o Milan) ou José Águas, entre outros, tive a honra de ver jogar o Chalana muitas vezes, nas tardes de domingo e nas quartas-feiras europeias, na Catedral.

    Aqueles dois passes para os golos (assistências, como se diz agora...), que o Jordão marcou, contra a França no Euro 84... sublimes. Grande Chalana.

    Abraço.

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  5. “Temos uma equipa que está a ser construída para que possa competir com qualquer clube. Não é o FC Porto que nos preocupa. Preocupa-nos é, se formos à Champions, o Barcelona e o Real Madrid, para também podermos competir. Porque, daqui a um ano, um ano e tal, o FC Porto já não fará parte do nosso campeonato. O campeonato do Sporting daqui a um ano ou dois será o Barcelona, o Ajax, o Real Madrid. Isso para nós é que vai ser importante.”

    “O problema do Sporting é de sobrevivência. Quando o clube vive 30 milhões acima das possibilidades não tem hipótese. Temos de começar de novo e apostar nos miúdos da formação. Temos de andar alguns anos em 4.º, 5.º ou 6.º, mas os sócios têm de ter paciência porque, assim, qualquer dia o Sporting acaba”.

    Ricardo, acho que isto merecia um post...

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  6. O meu primeiro grande ídolo... infelizmente não vi jogar Eusébio!

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  7. Porreiro :)

    gostei de ler este artigo...

    e qual nao é a minha surpresa, e honra,por teres usado o video que eu fiz e meti no youtube...
    Precisamente por haver poucos, e o Chalana, a par do Bento ser um dos meus primeiros herois no Benfica


    ps=é mesmo verdade que fui eu que fiz o video...podes contactar me por lá via pm :)

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Vai ao Estádio, larga a internet.