"Boa
noite! Quem é do Benfica aqui?"
Mais de metade do transfere reagiu de imediato com manifestações afirmativas à
primeira abordagem do guia.
Seguiu-se um segundo caloroso "boa noite" e, como para explicar a
questão inicial, saída de forma tão natural como dizer o seu nome, o guia
acrescentou: "em Cabo Verde há mais Benfiquistas que Cabo Verdianos, eu
sou do Benfica".
Este nativo apresentou-se primeiro como Benfiquista e só depois como Danilson.
Foi esta a recepção que eu e os turistas lusos tivemos na chegada à Ilha do
Sal, ilha que visito há 14 anos e que já não me recebe como turista mas como
mais uma filha da terra.
Quanto a mim, esta "morabeza" acrescenta um toque de inqualificável
classe a este conceito que, tal como o nosso de "saudade", não existe
em mais língua nenhuma do mundo.
Morabeza significa "bem receber", na definição mais simples.
Terra maravilhosa esta onde a felicidade é encontrada nas coisas mais simples.
O Benfica faz parte dessas "coisas".
Nos táxis, nas camisolas vestidas, num pequeno pormenor imprevisível, o Benfica
está tão presente nos cabo verdianos e nas suas vidas como a música ou como o
mar turquesa que banha o arquipélago.
Mas não se pense que apenas existe o Benfica, tal como não se pense que Cabo
Verde, em particular esta Ilha, mantém o estado inviolável ao desenvolvimento e
crescimento.
Não. Com tudo de bom e com tudo de mau que estas transformações implicam.
Até o tempo mudou de há 14 anos a esta data.
São muitos os cachecóis e camisolas azuis e brancos que se vão intrometendo
neste mar vermelho. Como a areia negra, de origem vulcânica, que se intromete
na areia dourada da superfície das praias ou como a chuva... outrora tão rara
nesta Ilha (Sal) e que agora vai dando o ar da sua graça as vezes suficientes
para já não provocar nos habitantes olhares de agradecimento aos céus de onde
caem as gotas quentes que molham as faces café com leite, sempre sarapintadas
com um sorriso.
"O Sporting não entra nas estatísticas", referiu de forma curta e
grossa o guia sem deixar de sorrir. Não é difícil perceber tal ausência. Por
vias de extinção ou omissão dos próprios, já em número tão reduzido que não se
ouve sequer o nome do Clube do Lumiar, quanto mais a visão de qualquer símbolo
relacionado com ele.
Para além de nunca ter sido o Clube de eleição destes povos, pela distância
cultural, nem sequer ganham, o que inevitavelmente vai catapultando para a
história os adeptos verdes e brancos por estas paragens. Condes, viscondes e
duques, mesmo que falidos, fazem parte dos livros. Daqueles que eles não gostam
de ler porque nada lhes dizem os "reinos" de tais personagens cuja
linguagem não compreendem.
O argumento para os adeptos portistas é simples e cru: ganham e eles gostam
dessa cultura ganhadora. Quem não gosta?.. Não fazem juízos, são poucos os que
analisam factores que não se cinjam às 4 linhas. São tão práticos e simples nas
suas análises que poriam em sentido o mais académico dos comentadores. A
maioria está a anos luz das polémicas que envolvem o clube em causa, não tendo
consequentemente noção sequer da sua extensão. Mas pergunta-se-lhes os títulos
conquistados e sabem-nos de cor e salteado. Grande parte deles, jovens na sua
maioria, nem eram nascidos quando o FC Porto conquistou a sua primeira TCCE..
O Benfica... Por influencias ancestrais e/ou por todas as razões que os levam a
suspirar enquanto pensam na resposta para o porquê do Benfica, sente-se. Não
conseguem explicar. Como tantos de nós, não conseguem traduzir por palavras o
seu Benfiquismo ou as motivações a ele inerentes. Sentem-no. Identificação e
pertença. A grandiosidade é tal que se percebe sentirem-se esmagados por ela
quando sorriem e dizem: "é o maior!"
É este o argumento imediato que atiram em resposta aos adeptos anteriores nas
cavaqueiras entre eles e num tom tão convicto e orgulhoso que consegue relegar
para segundo plano tudo o resto.
Estão verdadeiramente longe das questões que nos vão martirizando a nós... Activos,
passivos, gestão...
A maioria sabe quem é o Presidente do Benfica ponto final. Nem Carraças nem
Oliveiras, nem coisa que os valha. Nem querem saber. Os poucos mais bem
informados não perdem muito tempo a debater assuntos extra futebol. Para quê?
Rui Costa é lembrado e falado com carinho e admiração. Sabem bem quem é o
Maestro. Enquanto jogador. É comum ouvir-se: "um dia vai ser o Presidente
do Benfica".
Não deixam de orgulhosamente lembrar que Nelson é cabo verdiano, (de Palmeira,
uma pequena vila da Ilha) e, como toda a sua família, benfiquista dos 7
costados!
A importância de qualquer um dos jogadores que envergam ou envergaram o Manto é
tal que não deixam espaço para mais ninguém nas suas perspectivas e atenções.
Eusébio ocupa, indubitavelmente, "o" lugar de Deus ou algo parecido
se houver. Seja pelos mais velhos, seja pelos mais jovens, sejam de que cor
forem, é a referência que jamais poderá ser substituída. É um deles, e não
apenas pela cor da pele.
De certa forma invejo-os.. São mais felizes na ignorância de não saberem o que
nós sabemos. São mais puros na sua forma de viver o Clube. Nem sequer lhes
passa pela cabeça olharem para o Benfica como uma SAD. Que é isso afinal de
contas?...
É isso mesmo, uma questão de contas. E o futebol não é uma questão de contas..
Ou não devia ser.
No Sal existe um monte chamado de Monte Leão. Árido, seco. O Guia, divertido e em tom de provocação, explica que se este local tivesse vida chamar-se-ía Monte Águia ou Monte Benfica. No final da frase suspira orgulhosamente e com um sorriso maroto pisca-me o olho. Já me conhece há uns anitos, sabe que o percebo bem.
O Benfica é vida sim, aqui ou em qualquer parte do mundo. Porque está
directamente ligado ao coração e à alma.
Amanhã lá estarei no Monte Leão português, levando comigo o Danilson e todos os
cabo verdianos no coração que gostariam de poder estar presentes, a acompanhar
a vida que lá se deslocará, que veste o Manto do Benfica.
P.S: à excepção do último parágrafo escrevi este texto em pleno mês de Setembro, na Ilha do Sal. Não sei porque não o publiquei antes mas sei porque o publico hoje.
Dedico-o em particular ao Danilson e a todos os "Danilsons" espalhados por aquele arquipélago que amanhã estarão colados à tv a seguir.. a vida.
ResponderEliminarParabéns, Marta!Grande texto.
Amanhâ todos seremos UM, a dar ânimo, a dar força, a distribuir vida num qualquer ponto deste planeta.
Iremos deixar o 'Monte do Leão', ainda mais árido...
dos 3 pontos que é o que é óbvio mais interessa.
Fantástico. Muitos parabéns cara Marta. Muitos parabéns.
ResponderEliminarGostava de ter a capacidade de escrever algo assim.
Estou estasiado. Esse benfiquismo puro e inocente é tão saudável que limpa a alma.
ResponderEliminarMarta, sua malandra, não nos ocultes mais pérolas destas.
Parabéns Marta, que inspiração fantástica.
ResponderEliminarInfelizmente não vou poder ver a 1ª parte do jogo...
Boa tarde,
ResponderEliminarPelos vistos a crise ainda não chegou a todos (para não dizer que neste tempo é até acintoso esta desfaçatez).
Os portugueses acham que viajar para o exterior é contribuir para o desenvolvimento deste país, onde está viaje cá dentro.
VG pode e deve aumentar o IVA para viagens ao exterior.
Pergunta o que podes fazer pelo teu país é contribuir para o equilíbrio da balança de pagamentos.
Se calhar quem escreve este post é um dos que crítica o VG.
O povo cabo-verdiano é fantástico!
ResponderEliminarMarta, as tuas palavras foram um gole de benfiquismo em estado puro que me limpou a alma. Obrigada, muito obrigada mesmo!!!
Incrível o que certas pessoas escrevem. Nada sabem da vida dos outros, mas acham-se no direito de passar julgamentos. Sobre o essencial do post nada, apenas se limitam a ser juízes em causas alheias.
ResponderEliminarObrigada a todos!
ResponderEliminarE a Si também Silva Pereira. Não fosse a existência de pessoas como o sr e a humanidade teria passado ao lado da genialidade de um sr chamado Freud.
E então e análise ao Sporting-Benfica estamos á espera amiga.
ResponderEliminarAndré Jorge