Passei
muitos Janeiros da minha vida a ver o Benfica a demasiados pontos da
liderança. Tive azar no ano de nascimento, azar nas pessoas que vi
tomarem conta do clube, azar no momento, azar na História. Tivesse eu
nascido nas décadas anteriores e todo o meu crescimento e entrada na
vida adulta - embora não esteja ainda certo de que algum dia algum ser
humano o faz - teriam sido momentos à Benfica. Momentos de vitórias e
felicidades umas atrás das outras.
Como
nasci em 1981, o máximo e mais feliz que posso dizer de mim é que como
ser benfiquista - e o benfiquismo é de longe mais importante do que a
cidadania ou até, se queremos ir ao fundo da questão, da existência -
vivi uma infância feliz, pontuada, ainda que ao de leve e já na entrada
para a adolescência, por uma suspeita que nascia no meu pequeno coração
de adepto: a chusma tinha invadido o futebol português.
Lembro-me do momento preciso em
que perdi a virgindade do amor puro ao futebol: estávamos no início de
90´s, o Estádio da Luz a transbordar 120.000 almas, vermelho, branco,
loucura e desvario, sol sobre nós, um clássico contra o Porto e um
árbitro.
É importante que se fale na
forma como eu via os árbitros: uma gente estranha que não podia tocar na
bola, que se vestia de modo peculiar, que não era de nenhuma equipa e
que, por alguma razão que me transcendia, tinha o direito a pisar aquele
viçoso relvado que parecia ser acessível apenas a artistas - epíteto
que não podia ser atribuído a tais personagens já que uma vez, a meio do
aquecimento, vi um deles tentar dar toques numa bola, não passando dos
quatro e, para ser delicado, uns quatro tão trágicos . Virei-me
para o meu Pai, incrédulo: "O que faz ali aquela pessoa?" e ele deve ter
dito qualquer coisa muito pedagógica e educativa que ainda me fez mais
confusão uma vez que eu estava habituado a vê-lo atirar caralhadas ao
excelentíssimo senhor jogos, meses e anos a fio.
Para mim, o árbitro estava ali
porque não tinha outro sítio para onde ir. Talvez não tivesse casa, fosse
pobre, não tivesse família ou gente que o recebesse para uma
almoçarada. Talvez tivesse ganho o bilhete no 123 e o Carlos Cruz o
tivesse avisado: "olhe, você vai ao estádio mas, como está cheio, tem de
ir ver o jogo no relvado". Alguma razão tinha de existir para aquela
pobre alma andar feita louca varrida em correrias atrás dos meus
jogadores e até dos outros. Uma razão que, devido ao meu cérebro
mirrado, atribuí a factores além-futebol, nunca me passando pela cabeça
que aquele gordo careca tinha uma relação sensorial com o jogo.
E foi então que percebi: ele
estava ali para mandar. Não sei porquê nem quem lhe tinha dado esses
direitos mas apercebi-me de tal ignomínia quando, sentado ao lado do meu
Pai e de um amigo portista (que, neste dia, sob aquele sol imenso e de
frente para um coliseu vibrante de encarnado, terá ponderado mudar de
clube - o que acabou por não fazer e ainda hoje sente remorsos de tal
facto), o filho da puta do árbitro (estou a citar o estádio) fez uma
daquelas exibições que ficarão para os anais - literal e não
literalmente. Não me recordo totalmente de todo o manancial de
palhaçadas que o excelso executou, mas sei que saí daquele jogo pronto a
contar na escola a novidade: já não era virgem.
Tive azar na década. Pude, no
entanto, experimentar Benfica durante 12, 13 anos e esses levo colados
ao peito, orgulhoso, com aquela saudade triste das coisas que sabemos
que não podem voltar. Gostava de dá-las de presente a quem nasceu 10
anos depois de mim, entre abraços: "Tiveste ainda mais azar do que eu,
toma, fica com isto: é o Benfica".
Pior do que ter visto o Benfica
desaparecer num lodaçal de equívocos só o nunca ter visto de forma
nenhuma. Por isso me merecem tanto respeito os jovens de 20 anos que
trazem o Benfica com tanta força agarrado ao coração - como se, por
osmose, entre pais, primos, tios, amigos, conhecidos, estranhos, o
benfiquismo tivesse conseguido verter para dentro deles. Por isso quero
tanto, por eles e por mim, que o Benfica regresse.
Passei muitos Janeiros da
minha vida a ver o Benfica a demasiados pontos da liderança. Façam-me
este favor: dêem-me um Maio campeão.
Se ganharmos acho que isto é o despontar de uma era nova que aí vem, mais vitoriosa e com mais Benfica a iluminar o país.
ResponderEliminarLindo e como te compreendo!
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