sexta-feira, 31 de maio de 2013

Habemus Campione



Foi sempre difícil olharmo-nos olhos nos olhos durante aqueles anos. Claro que havia amor e ternura e cumplicidade entre mim e o meu Pai, claro que a vida continuava para lá daquilo que não dizíamos mas aquilo, aqueles anos, foram sempre novas mortes sobre nós. O meu Pai sentia a culpa de ter-me levado sem aviso para um Benfica apaixonante e eterno; eu pedia, sem dizer, desculpa do que o Benfica se tinha tornado. 

 Era quase um confronto de gerações nuns 400 jogos estafetas: ele tinha-me deixado na liderança com o testemunho num ângulo certo e eu - ou o Benfica que também era eu - num passo desconexo, a falhar a chamada e a tropeçar - ou o Benfica por mim - na pista.

 "Vai e mantém-nos no rumo grandioso", pareceu dizer quando, a cada jogo que me levava a ver a Catedral, eu não me dominava no amor por este clube que é tanta coisa e tão grande ao mesmo tempo e nos olhos dele brilhavam as chamas de uma esperança de eternidade. "Faz-nos maiores ainda, tens aqui a tua herança". E abraçámo-nos nos golos do Rui Águas contra o Steaua, beijámo-nos contra o Elvas, amámo-nos na mão do Vata, fui ao colo dele em Benfica Diving contra o Sporting e olhei-o com respeito, admiração e amor nos outros jogos todos que vimos juntos. O cheiro do benfiquismo do meu Pai acalmava-me os nervos ao mesmo tempo que me transbordava de emoção: era um lugar de conforto e êxtase. De vida. 




 É natural que tenhamos sentido remorsos e tristeza não um do outro mas do Benfica naqueles 11 anos que passaram entre estarmos numa tarde gloriosa na Luz a guardar pedaços de relva e a dar beijos ao Toni e a ver gente em cima das balizas a agradecer aos deuses e aquela tarde no Bessa, em 2005. Foram dias e semanas e anos em que eu e o meu Pai continuávamos a ir ao Estádio com esperança mas com o coração mais pequeno e frágil: como quando vamos ao velório um do outro; nunca sabemos a razão de alguma coisa ou pessoa ter morrido dentro de nós. Só temos pena e choramos. 

 Não sei dizer, portanto, a verdadeira loucura que se passou naquela casa quando vimos o Simão marcar o penálti contra o Boavista. Houve planetas desalinhados, vidas trocadas, pesadelos metamorfoseados em sonhos, coisas estranhas, copos no chão, gente aos gritos, cães em sobressalto, amor sincero e outro reinventado. Houve Benfica. As plantas do pátio cresceram mais rápidas e velozes, o horizonte de serras abriu-se em estátuas de sorrisos e bandeiras, o Tejo correu com mais água, os carros de repente tornaram-se buzinas com gente dentro e o povo saiu à rua dentro de nós. Abraçámo-nos num abraço tão grande que os Josés Águas e Eusébios e Colunas e Torres e Cavens e Josés Augustos e Simões e Costas Pereiras e Cruzes e Germanos e Artures Santos e Humbertos e Tonis e Nenés e Joões Alves e Vítores Baptistas e Vítores Martins e Bentos e Shéus e Josés Henriques e Álvaros e Bastos Lopes e Chalanas dele fluíram para dentro dos meus Paneiras e Isaías e Joões Pintos e Velosos e Valdos e Ruis Costas e Magnussons e Therns e Vatas e Césares Britos e Kulkovs e Mozers e Silvinos e Ricardos Gomes e Aldaires e Stefans e tornaram-se - todos e ao mesmo tempo - um corpo inteiro sem distinção nem diferença: um abraço que juntou todos os jogos que vimos, todos os golos festejados, todos os quilómetros que fizemos em busca do Benfica. 



 A 10 minutos do fim do jogo no Bessa, eu estava sentado sem unhas para roer e garrafas de cerveja na frente que ia colocando em diagonal, depois em quadrado, no fim em pirâmide, e o meu Pai dançava com a minha irmã pela sala numa dança sem possível definição - eram uns passos estranhos de uma felicidade insuspeita, abraçavam-se, dançavam, beijavam-se, amavam-se e os jogadores do Benfica iam fazendo coisas no relvado que nós não víamos porque não podíamos ver nem perceber, só queríamos o Álvaro dentro de campo de cuecas ou o Trapattoni virado para o céu. Mas aquele tempo, aqueles 7 minutos que faltavam agora, tanta coisa que podia correr mal, um asteróide cair e estragar a festa, um colectivo apagar das estrelas todas, o árbitro inventar 50000 penalites, foderem-nos o golo, matarem-nos a dança, acabarem-nos com o sonho. 

 Quando o jogo acabou, eu não sei onde estava exactamente, se na carpete da sala num abraço colectivo ou se em cima da mesa aos pontapés às garrafas a atirar golos para dentro da lareira; está tudo nublado à espera de razões que não vêm. Sei que olhei o meu Pai na confusão dos sentidos e voltámos a segurar o mesmo testemunho.

7 comentários:

  1. Este campeonato ganho pelo BENFICA ocorreu num ano em que o caso APITO DOURADO estava em força na imprensa.

    Os árbitros tiveram MEDO de agir de acordo com os PROCEDIMENTOS HABITUAIS.
    Bastou isso para o Porto perder. Não foi preciso um grande plantel, e o presidente era o medíocre LFV.

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  2. Exato! Agora para chegarem a internacionais têm de fazer fretes patéticos como esse hugo miguel que marcou um penalty cómico para o porco ganhar.

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  3. Eu estava atrás daquele baliza da primeira foto, no piso de cima, bem a meio. Chorei de alegria.

    Bom post

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  4. Nesse dea eu estava no bar do clube onde o meu filho jogava, rodeado da minha familia, num sitio pejado de sportinguistas, e confesso-dei tantos pulos que os meus filhos pensaram que endoideci de vez.Hoje, quase 10 anos mais tarde o meu mais velho ligou-me logo de manha a caminho da faculdade com a pergunta-Pai, viste os jornais?O JJ vai ficar, o que achas?, fiquei mais uma vez descansado por lhe ter incutido que um verdadeiro benfiquista, mesmo nas horas más nunca se alheia da vida do Clube.E tem opinião, e a dele é comum á minha-vamos vencer com o JJ!Assim a dita estrutura o saiba coadjuvar melhor.
    Viva o Benfica!

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  5. Lindo.

    Obrigada

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  6. Estive lá, foi lindo, festejar um título na minha cidade foi épico!

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  7. O último grande treinador que passou pelo Benfica, na minha modesta opinião.
    Sabia mais de futebol a dormir do que Jesus acordado… mas este é que é bom!
    Comparem os recursos ao dispor de um e do outro, depois falem.

    «Jesus fica para não trair Vieira»

    É só mais musica para a quem a quer ouvir… e siga a banda, mais do mesmo.
    Não percebo esse endeusamento de tal figura, sinceramente é algo que me faz muita confusão. Olha sempre para o seu umbigo, com a arrogância e a fanfarrice que o caracteriza, não aprende com os erros do passado… mas… vem o medo… ele pode ir para norte… notícias essas, suspeito, são originárias por esse SRº ou então engendradas mais a norte!… Num caso como trunfo negocial, no outro como factor desestabilizador….
    Jorge Jesus depois do que se passou na Taça, só tinha de colocar o lugar à disposição! Assim mostrou que está agarrado ao tacho e mais uma vez dá a conhecer a sua insensibilidade para lidar com a realidade, revela-nos a sua pequenez e mostra-nos uma ausência de valores e uma falta de caracter atroz! Nas entrelinhas deste processo via-se que ele estava a negociar o contrato… é constrangedor ver como tentam omitir essas técnicas de negociação. Só não vê quem não quer - antes da taça e o depois da taça-vejam as declarações do Sr. Jesus e tirem as ilações…
    Se o presidente defende tanto o homem e o quer manter, só tinha um caminho: punha o lugar à disposição e candidatava-se com Jesus a seu lado! Assim, vamos manter um treinador que massacra os pequenos (quando massacra…), mas com os rivais da mesma estaleca claudica sempre. Como referência, nunca nenhum treinador do Benfica, teve ao seu dispor orçamentos que este pseudo treinador teve ao seu dispor… NUNCA! É de lamentar, porque as condições estavam criadas, foram 4 anos de estabilidade. Estabilidade essa, que nunca nenhum treinador do Benfica teve ao seu dispor.
    Resumindo, eram só questões de pormenor e deitamos tudo a perder… ao confirmar-se, mais dois anos e um de opção, digo “Eu é que não sou parvo” para sustentar tanta incompetência junta… para minha tristeza. O futuro, espero estar enganado, mas será mais do mesmo, só falta acusarem, como “esses” Passos cá do burgo, fizeram com os portugueses… e acusarem os sócios da crise instalada… porque é assim que vamos começar a época 2013/14… DIVIDIDOS! É só passear pela blogosfera ou ter ouvido Bagão Felix, Rui Gomes da Silva, Manuel dos Santos, Toni e outros tantos e ver a preocupação com que eles abordam este assunto e o olhar cinzento com que eles veem o futuro. Penso que não é preciso ser vidente para perceber o que para aí vêm… só os cegos é que persistem na doença… assim eliminava-se os fantasmas… era uma questão de visão e de caracter.
    Ps:
    Aconselho a todos a ler a sugestão de restruturação dada pelo Rui Sérgio Guerra no blog geracaobenfica a 31 Maio, 16:35 de 2013… está lá tudo, com uma transparência que, nos interrogamos porque não se coloca em prática? Depois caímos na realidade… e lembramo-nos das palavras do CATEDRÁTICO na universidade… «se querem alguém para fazer parte da estrutura, então não contem comigo… porque eu estou acima da estrutura»... e caímos numa amargura em forma de remoinho em que é difícil de lá sair. Infelizmente tornou-se num estado de espirito constante… prevejo um ano difícil… espero estar enganado.

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Vai ao Estádio, larga a internet.