sábado, 15 de março de 2014

a fronteira

Passava pouco mais de uma semana da quarta-feira de cinzas que havia trazido a distância para a minha vida, dando um novo significado à lonjura, relativizando palavras como aqui ou ali. A distância. Não a queria, nunca a desejei, elegi-a como o inimigo, como o alvo a abater. Penso, por isso, quase obsessivamente em sair de Luanda, calcorrear metros, quilómetros, pisar incessantemente asfalto, terra e lama das estradas deste país que é agora meu. E, olhando para Norte, mais do que Cabinda, vejo o Soyo e a barra do Kuanda como destinos magnéticos, como destino a atingir o mais rapidamente possível. Falava disso nessa quinta-feira, dia oitavo da minha vida Angolana, falava disso à mesa enquanto aguardava o Totenham-Benfica. A resposta foi rápida e definitiva. A cidade, foi-me afiançado, era domada por uma estranha loucura, um desespero inexplicável, uma atracção adocicada pelo abismo, pela auto-destruição que vive entre alcoolismo e prostituição. Soou-me familiar, a descrição. Soou-me familiar a descrição categórica que, posso jurar, já ouvi de outras cidades situadas em fronteiras remotas, como na amazónia Brasileira ou, ainda, em situação tensas como a de Juaréz e El Paso, como tão bem retrata a série “the bridge”. É o abismo, a proximidade dele, a vizinhança de uma disrupção que provoca a insanidade e a procura deliberada dos limites próprios.
Minutos mais tarde o Benfica haveria de entrar em campo para uma noite memorável em Inglaterra, dissipando por minutos a distância, fazendo-me imaginar, por instantes, a histeria da Luísa ao ver o magnífico passe do seu Ruben Amorim, ao contemplar a execução perfeita de Rodrigo. Sim, por momentos havia de me imaginar abraçado a ela, vencendo a distância que me tocou em sorte. Tive de me recompor antes de cumprimentar, em jeito de comemoração, Zoran Manojlovic, o adjunto do Kabuscorp , que ao meu lado via o Glorioso.
E de súbito a fronteira e o abismo, mesmo ali à frente de Jesus que, julgando-se no Soyo, exibiu de forma categórica a sua atracção pelo abismo, o seu gosto pela auto-destruição. Não falo do deselegante gesto para Tim Sherwood. É futebol, caramba, temos o direito de perder por vezes a compustura. O que não temos, em situação alguma, é o direito é de desrepeitar um companheiro de luta, e o empurrão a Shéu não foi mais do que isso: Um acto imperdoável de alguém com uma águia ao peito. Por momentos desejei sinceramente que Cardozo tivesse perdido as estribeiras, que tivesse assumido, ele mesmo, a nobre função de defesa dos valores que são os nossos dos Benfiquistas. Controlou-se e recusou o abismo, ao contrário de Jesus.
Cardozo, estou em crer, sobreviveria no Soyo. Jesus não. Eu, pelo sim pelo não, viro-me para Sul, para a Barra do Kwanza. Ou para o Kunene, quem sabe...

2 comentários:

  1. De facto não é fácil assistir a tudo o que de bom e de mau se passou à distância. Sobretudo para quem, como eu, o fez precisamente no Soyo.

    Um forte abraço

    ruadebelem@blogspot.com

    ResponderEliminar

Vai ao Estádio, larga a internet.