Passava pouco mais de uma semana da quarta-feira
de cinzas que havia trazido a distância para a minha vida, dando um novo
significado à lonjura, relativizando palavras como aqui ou ali. A distância.
Não a queria, nunca a desejei, elegi-a como o inimigo, como o alvo a abater. Penso,
por isso, quase obsessivamente em sair de Luanda, calcorrear metros, quilómetros,
pisar incessantemente asfalto, terra e lama das estradas deste país que é agora
meu. E, olhando para Norte, mais do que Cabinda, vejo o Soyo e a barra do
Kuanda como destinos magnéticos, como destino a atingir o mais rapidamente
possível. Falava disso nessa quinta-feira, dia oitavo da minha vida Angolana,
falava disso à mesa enquanto aguardava o Totenham-Benfica. A resposta foi
rápida e definitiva. A cidade, foi-me afiançado, era domada por uma estranha
loucura, um desespero inexplicável, uma atracção adocicada pelo abismo, pela
auto-destruição que vive entre alcoolismo e prostituição. Soou-me familiar, a
descrição. Soou-me familiar a descrição categórica que, posso jurar, já ouvi
de outras cidades situadas em fronteiras remotas, como na amazónia Brasileira ou, ainda, em situação tensas como a de Juaréz e El Paso, como tão bem retrata
a série “the bridge”. É o abismo, a
proximidade dele, a vizinhança de uma disrupção que provoca a insanidade e a
procura deliberada dos limites próprios.
Minutos mais tarde o Benfica haveria de
entrar em campo para uma noite memorável em Inglaterra, dissipando por minutos
a distância, fazendo-me imaginar, por instantes, a histeria da Luísa ao ver o
magnífico passe do seu Ruben Amorim, ao contemplar a execução perfeita de
Rodrigo. Sim, por momentos havia de me imaginar abraçado a ela, vencendo a
distância que me tocou em sorte. Tive de me recompor antes de cumprimentar, em
jeito de comemoração, Zoran Manojlovic, o adjunto do Kabuscorp , que ao meu lado via o Glorioso.
E de súbito a fronteira e o abismo, mesmo
ali à frente de Jesus que, julgando-se no Soyo, exibiu de forma categórica a
sua atracção pelo abismo, o seu gosto pela auto-destruição. Não falo do
deselegante gesto para Tim Sherwood. É futebol, caramba, temos o direito de
perder por vezes a compustura. O que não temos, em situação alguma, é o direito
é de desrepeitar um companheiro de luta, e o empurrão a Shéu não foi mais do
que isso: Um acto imperdoável de alguém com uma águia ao peito. Por momentos
desejei sinceramente que Cardozo tivesse perdido as estribeiras, que tivesse assumido,
ele mesmo, a nobre função de defesa dos valores que são os nossos dos
Benfiquistas. Controlou-se e recusou o abismo, ao contrário de Jesus.
Cardozo, estou em crer, sobreviveria no
Soyo. Jesus não. Eu, pelo sim pelo não, viro-me para Sul, para a Barra do Kwanza. Ou para o Kunene, quem sabe...
De facto não é fácil assistir a tudo o que de bom e de mau se passou à distância. Sobretudo para quem, como eu, o fez precisamente no Soyo.
ResponderEliminarUm forte abraço
ruadebelem@blogspot.com
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