Foi em 2007, numa viagem ao coração da Europa, que conheci o senhor F.. Por entre lagos, paisagens de cortar a respiração, cidades e vilas belíssimas e enquanto gozava de um merecido descanso após um ano de bastante trabalho, o Benfica preparava-se para desmantelar um excelente plantel e construir uma coisa qualquer que acabaria o campeonato em 4º lugar, atrás do recém-promovido Vitória de Guimarães.
Num dos jantares de grupo, salvo erro na Áustria, por coincidência, a minha família ficou na mesma mesa da família do senhor F.. Duas famílias tipicamente portuguesas, com pai, mãe e casalinho de filhos. Oito benfiquistas à mesa. Uns por simpatia familiar, outros por convicção, outros quase por doença, mas todos benfiquistas. O senhor F. pertencia ao grupo dos "doentes pelo Benfica". Sócio, pois claro, com lugar cativo na bancada Coca-Cola, recordava todos os jogos, todos lances e todos os pormenores, descrevendo-os como se tivesse memória fotográfica e sempre com enorme fervor, como se os estivesse a viver e a ver pela primeira vez.
E se os visse, seria por ventura pela primeira vez. Não obstante toda a precisão descritiva do senhor F., a verdade é que ele nunca vira nada do que relatava. O senhor F. era cego. E não era isso que o impedia de ir viajar com a família pela Europa fora, nem de ir religiosamente ao Estádio da Luz todos os domingos para, não diria ver, mas sim sentir as vitórias do seu Benfica.
1 de Abril de 2010. O Benfica recebia o Liverpool na primeira mão dos quartos-de-final da Liga Europa. Não sei porque motivo, mas naquele dia eu e o meu pai entrámos no Estádio da Luz pela Praça Cosme Damião em vez de passarmos, como sempre, por entre as roullotes do Alto dos Moinhos. E por entre aquele mar vermelho que se formava à passagem pela primeira revista de bilhetes, lá estava o senhor F., com o seu filho, o Paulo. Cumprimentámo-nos, trocámos umas breves palavras, recordámos a viagem e demos os habituais bitaites da praxe, sendo que o do senhor F. acabaria por se revelar profético: 2-1.
O jogo, como devem estar recordados (pelo menos se tiverem uma memória tão boa quanto a do senhor F.) começou da pior maneira para o Benfica, com um golo de Agger nos minutos iniciais. No entanto, após muita pressão e na sequência de uma avalanche ofensiva encarnada, surgiu o primeiro penalty. Cardozo, que tinha falhado dois castigos máximos pouco tempo antes, em Setúbal e na Choupana, era chamado à marcação. E ali, naquele momento, descrente nas capacidades do paraguaio, não quis ver o que se iria passar. Voltei costas ao relvado e fixei-me nas centenas, milhares de faces de apreensão, nervosismo e expectativa que estavam voltadas para o palco principal. Cardozo marcou. Duas vezes. Ambas de penalty. Testemunhei a explosão de alegria no Estádio da Luz em duas ocasiões, ambas de costas para o relvado, sempre a olhar para as faces dos adeptos. E naquele dia, vivi uma vitória do Benfica tal como o senhor F. as vive: sem as ver, mas a senti-las.
Desta história se extrai uma verdade indesmentível: mesmo quando não vemos o Benfica, ele não deixa de estar lá. Porque o Benfica não é quem o representa em campo, quem o treina a partir do banco, quem o dirige a partir dos gabinetes ou cada adepto individualmente no seu sofá ou no seu lugar cativo. O Benfica somos nós. Todos nós.
Desta história se extrai uma verdade indesmentível: mesmo quando não vemos o Benfica, ele não deixa de estar lá. Porque o Benfica não é quem o representa em campo, quem o treina a partir do banco, quem o dirige a partir dos gabinetes ou cada adepto individualmente no seu sofá ou no seu lugar cativo. O Benfica somos nós. Todos nós.
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