Acordou em Julho com saudades do Estádio da Luz. Na torrada viu a cara de um jogador do Benfica, na chávena de café o reflexo de um golo de Enzo Pérez. Ligou a televisão e viu o resumo da meia-final do Mundial, um tal Argentina-Holanda sem golos, decisão nos penalties, lembrou-se de Turim, entristeceu, desligou, desligou-se. No banho, olhava a água escorrendo pelos braços e fazia jogadas na pele em transições ofensivas: «Matic, bola para Enzo, dá na ala em Gaitán, sobe, finta um, entra para o meio, mete em Rodrigo que dá em Lima, golo!». E a bola seguia pela mão até cair em abismo no ralo que logo rodopiava, qual golo quase-golo, bate-no-poste e entra.
Ao espelho, olhava-se por dentro e via 65.000 pessoas atrás, como se estivessem todas empoleiradas dentro da banheira. Cantava: «Nascido na Farmácia Francoooooooo...» e os benfiquistas que se engalfinhavam todos uns nos outros saltavam para as suas costas. Correu pela casa, transportando-os. Ouvia ao longe o bater de uma águia que esvoaçava pela janela em círculos e logo enfiava o bico pela sala como se estivesse esperando o som do apito inicial. Saiu para a rua.
Enquanto caminhava, pareceu-lhe ver umas rulotes naquele descampado por onde passava todos os dias e que todos os dias era um descampado sem rulotes, sem Benfica, sem golo, sem nada. Mas hoje estavam ali todas - Zeca Diabo, Manelito, Nunes, Caçamba, Zé das Bifanas, Litos, Pontapé na Bola. Aproximou-se de uma, pediu uma cerveja e uma entremeada. Enquanto esperava, viu chegar os amigos, abraçou-os com aquele abraço cúmplice que só os benfiquistas têm quando abraçam os outros amigos benfiquistas. Havia um sorriso, uma espécie de comunhão eterna de afectos, sem ser preciso abrir a boca ou levantar os lábios. À Benfica.
Encharcado de golos, seguiu pelo caminho de cachecol ao pescoço, camisola vestida, cartão de sócio no bolso. Passou por um viaduto e fingiu para si mesmo que era a ponte que do outro lado via deparar-se-lhe o Estádio. No ucraniano que lhe pedia moedas imaginou ver a senhora que vendia cachecóis e gritava «Cinco euros, freguês, é a 5 euros!» e acabou, por saudades, comprando um cachecol cinzento ao homem que estava encostado à paragem à espera do 53. Sentado no autocarro, viu o motorista começar uma onda que se alastrava pela senhora da frente, passava pela menina que ouvia música, pelo estudante que lia um livro e se preparava para exame, pelo senhor engravatado que fingia ver no telemóvel a ausência de solidão. Quando a onda se aproximou, primeiro fez «oooooooooooooooooooooooooooooh» e depois levantou-se e abriu os braços e disse «ooooooooooolé» e bateu compassadamente com os pés no chão, enquanto sorria de puro prazer.
Saído do autocarro, caminhou para o emprego e já sentia a adrenalina do jogo subir-lhe pelas veias. Entrou no prédio, imaginava a equipa: «Oblak, Maxi, Luisão, Garay, Siqueira, Fejsa, Enzo, Markovic, Gaitán, Rodrigo e Lima». Depois questionava-se, enquanto saía no 2º andar aquela morena que todos os dias via mas não sabia ou não podia ou sabe-se lá o quê que o impedia de dizer mais do que um «Bom dia» ou um «Boa Tarde»: «se calhar hoje não joga o Rodrigo, mete-se o Cardozo que é jogo para o Tacuara». Ficou nisto até o elevador fazer um «plim» e abrir a porta para o corredor que o levava ao emprego.
Quase chegado à entrada, viu a Águia sobrevoar-lhe a cabeça em círculos. Deixou-a rodopiar e pousar, suave, em cima do cinzeiro alto junto à máquina do café. Sabia que quando a águia pousava assim, tão suave e perfeita, o Benfica só podia ganhar. Caminhou triunfante pela porta, cumprimentou os seus colegas de sector e gritou, agarrado ao cachecol: «BENFICA, BENFICA, BENFICA!».
Ta giro sim sr, mas pensei que falavas do velhinho ...
ResponderEliminarSaudades, sonhos , silêncios , sacanagens , sarraduras...sádicos são !!!
ResponderEliminarOh camarada nem uma ciclovia se atravessou na tua caixa das recordações... Nos caminhos à volta do estádio há muitas pistas encarnadas até à mata ;)
Benfica Todos Tempos
O Benfica faz-nos sonhar,
ResponderEliminarBelos sonhos de encantar...
E em cada página de jornal a desfolhar,
imaginamos o MAIOR a marcar...
De águia ao peito,
Erguemos a bandeira!
Qual moura enamorada,
Benfica, ansiamos pela tua chegada...
Stromberg