Quando o Isaías se meteu ao saltos com as mãos a fazer corninhos em
Alvalade, eu acho que já era uma pessoa. Não ainda completa, porque
faltava o Helder e a sua evocação papal para o público. Era assim: uma
passada larga, tranquila, e as mãos cheias de golos. O Helder fez de
papa para a plateia e os adeptos rezaram sob a chuva. Imagem que nem os
mais católicos podem alguma vez ter visto em Fátima, porque em Fátima
não há golos nem este nível de religiosidade divina.
Na confusão
dos mitos sobre remates para o terceiro anel, o Isaías foi passando
entre os pingos e quase que é mais um. O Isaías não é, não pode ser,
mais um. Aquele toque de bola, a recepção para a frente - hoje pelos
intelectuais considerada "orientada" -, o cavalgar pelo meio-campo feito
um Tsubasa sem relvado Himalaia, a finta curta e curva, sem circo - só,
como os grandes, um bamboleio de anca e olhos enganadores. O Isaías
fintava como o Camarón de la Isla cantava: era só ilusão de machismo; na
verdade, era um sentimentalão. Punha a chuteira sobre a bola, o dorso
de toiro virava primeiro para a esquerda e depois avançava os olhos, os
pés e o coração pela direita enquanto o adversário, por despeito, ficava
a escrever enormes tratados contra as touradas.
Tenho o Isaías
na alma. Levo-o quando lembro um golo no último minuto. A Luz estava
desesperada, desesperavam os adeptos, as pessoas já não acreditavam,
havia gente descendo as escadas desde o Terceiro Anel, pessoas passando
pelo túnel, quando o Isaías marcou o golo do empate contra o Leverkusen.
Houve um grande grito orgástico de todo o estádio e a demência dos que
perderam aquilo. Não sei, porque não percebo como pode alguém abdicar de
um segundo sequer de Benfica no relvado, mas imagino um Pai a tentar
explicar ao seu pequeno benfiquista que tinha cometido um erro, enquanto
o meu Pai e eu nos levantávamos sobre o estádio, quase flutuando, com
aquele golo que, diziam os deuses, haveria de ser a nossa salvação.
Nesses anos, era assim: empatávamos no último minuto e acreditávamos
naquela gente. Sabíamos que eles iriam aproveitar aquele golo para um
orgulho estrangeiro e dar-nos mais uma eternidade. O Isaías não morre
porque foi um homem que era homem e toiro. Tudo o que fazia tinha arte e
força; coragem e elegância; vontade e compromisso. Tinha um sinal na
cara que de certeza nasceu quando vestiu pela primeira vez a camisola do
Benfica. A gente olhava o Isaías e dizia: és dos nossos. E ele
respondia sem palavras, correndo pelo campo, não muito mas bem, dando
rotas aos passes ou perseguindo, como se a vida dele disso dependesse,
os adversários. Era carraça e sombra e fantasma. A bola se não estava
nos pés dos que levavam uma águia ao peito tinha de sentir a vergonha e
desistir. O Isaías galgava terreno não como um estafeta mas como um
prestidigitador: pés e mãos a adivinhar o próximo passo, o próximo
passe. Levantava a cabeça como um garboso miura, subia as golas da
camisola e ia recolher bolas que estavam perdidas. Dava-as macias e
voltava a correr para ir marcar golo.
Sou suspeito: gosto muito
do Isaías. Fez-me feliz tantas vezes que ainda hoje levanto um sorriso
no meio de um dia qualquer e sinto que parte dele é uma mistura de golos
e passes e corridas e afectos que o Isaías me deu. Também aprendi a
chorar com o Isaías: choro mais e mais intenso. E ainda hoje sinto que
aquele golo em curva pelo chão na lama levantando o pé para as redes é
aquilo que eu sou e quero do Benfica.
Obrigado pelo texto.
ResponderEliminarSaudações Benfiquistas,
Ricardo Silva
Fod*_**!!!! Grande Isaías! Ou melhor, Ganda Isaías! O meu ídolo de infância. Os golos com que mais vibrei, no estádio ou tv, foram deste homem. E tenho sempre presentes as palavras de Gabriel Alves, depois de Isaías inaugurar o marcador fora com o União da Madeira,....."só Isaías!"
ResponderEliminarOs corninhos, ahah! Já não me lembrava dessa, obrigado por recordares!
ResponderEliminarO grande Isaías jamais será mais um!
Nas futeboladas de rua todos queriam ser o Isaías!
ResponderEliminarGrande homenagem!