2. Será o prazer da vitória superior ao amor pelo jogo? Terá a “técnica da força” superado a “força da técnica”? Merecerá o “antes” e “após” maior destaque que o “durante”? Quem são hoje verdadeiramente as “estrelas” da modalidade? Onde reside, actualmente, a alegria do povo?
3. Será o futebol… ciência?
4. Uma modalidade académica, analítica: de fórmulas, calculismo e certeza? Desenhada a régua e esquadro, visando anular ao máximo a perigosidade adversária? E qual a margem deixada à imprevisibilidade? À criatividade? Ao risco? À surpresa? À capacidade para deslumbrar?
5. O que resulta de um espectáculo no qual as partes procuram, acima de tudo, anular-se?
6. O que resulta de um espectáculo passível de ser reduzido à fórmula: futebol = resultado?
7. Não sei ao certo aquilo em que se transformou o futebol. O que quer que seja, sei que não gosto. Dispenso. E ao que parece, não sou o único. O adepto, hoje, suspira pela Islândia ou por Gales na exacta medida ao que, outrora, outros fizeram pelo Portugal de 66. A Holanda da década de 70. O Brasil de 82.
8. Azar. Quem manda, olha para as estatísticas. Para a história. Para o sucesso. E, sobretudo, para o saldo da conta bancária. Olha para quem está por cima em dado momento e, limitado como é, assume ser essa é a única fórmula, procurando repeti-la: pois, assim, estará mais próximo do seu ulterior objectivo - enriquecer.
9. Que muitas outras equipas tenham já jogado bonito e alcançado, entre troféus, a glória divina do direito à imortalidade: escapa-lhes. Que muitas outras equipas tenham chegado tão longe nas competições por precisamente terem ousado, ao invés de se terem remetido ao mero papel de coitadinhos, quais extensões do treino efectuado pelos poderosos ao longo da semana: mero pormenor.
10. Na minha opinião: futebol = junk food.
11. Mais do que uma modalidade de raízes profundamente populares, o futebol é, hoje, um produto de mercado. Não muito diferente da junk food que por aí se vende: que de tão processada e transformada, já ninguém se lembra ao certo como era na sua origem.
12. Infelizmente, também aqui a tabela de valores inverteu-se. O futebol, tal como outrora o conhecemos, já lá vai. Não é um acaso o crescente interesse e popularidade pela história e heróis do futebol do passado. Mais do que em reverência pelo passado, surge principalmente da desilusão pela realidade do presente.
13. Como em muito do que de bom existiu neste mundo, o homem decidiu pegá-lo e transfigurá-lo a um ponto cada vez mais irreconhecível. E irá esticar, sugar e abusar até mais não poder. Colher os proveitos possíveis e julgados impossíveis.
14. Até, invariavelmente, aniquilá-lo. E então, abandoná-lo, quando mais nada houver a dele retirar.
15. Este ainda subsiste. Na América Central e do Sul. No futebol de Selecções (tidas como) menores. Em pequenos nichos. Longe e isolados. Que merecem ser preservados. Protegidos. Conforme é realizado com qualquer espécie em vias de extinção: ao caso, situação provocada sempre pela mesma fonte – o homem.
16. Hoje, um clube é pertença do presidente X. A equipa, joga à imagem do treinador Y. O atleta, pertence à lista de jogadores do empresário Z.
17. Os jogadores? Meros peões. Peças de xadrez perfeitamente sacrificáveis aos caprichos da mais recente divindade do futebol: o treinador.
18. Os adeptos? A sua existência somente encontra fundamento na forma como, de forma acrítica e (c)ordeira, se espera que aplaudam: e, sobretudo, paguem. Consumam.
19. Quem não o fizer, é do contra. Tem agenda própria. É, com um esgar de menosprezo e sobranceria, acusado de puritano. Lírico. Romântico. De gostar de bola (e não perceber “bola” da coisa), ao invés de ser verdadeiro entendedor e defensor do futebol “moderno”.
20. De forma particularmente desconcertante (de tão insana que é), a opinião que conta é a de quem necessita da legitimação daqueles que verdadeiramente importam e que pensam em contrário: os adeptos.
21. A legitimidade para tais apreciações? Ao que parece, advirá do facto de alguém os ter denominado de analistas. Académicos. Comentadores. Treinadores. Pensadores do futebol que, de tanto pensarem sobre o mesmo, esqueceram-se de jogá-lo e, assim, perceber o quanto estão a contribuir para aniquilá-lo.
22. Para Rosseau, o problema não residia no facto de o monarca soberano ter criado a propriedade privada e imposto aos seus súbditos o pagamento de X valor pelo seu usufruto: mas antes estes terem acreditado na sua legitimidade para tal e, assim, ido na cantiga.
23. Na cantiga do bandido. Do corrupto. Do contabilista. Do profissional de comunicação. Do técnico. Do “yes man”. Dos “copinhos de leite” a quem isto está entregue. Dos parasitas para quem o futebol é uma “indústria”, um “produto”. Um clube: uma “empresa”, uma “marca”. Um jogador: uma “peça do puzzle”, um “activo”. Tudo terminologias que, ao que parece, terão estado na origem daquilo que nos levou, desde tenra idade, a pegar numa bola.
24. Querem-nos fazer crer de que o futebol é isto. As transferências. A posse estéril de quem não sabe mais. O betão e o cimento. A idade do Renato e o trio do meio-campo do SCP (que, aos 90’ de jogo, já não estava em jogo, na medida em que, nem o meio-campo do SCP é a última santola no oceano, nem um trio tem, só por si, a dinâmica de jogo do clube, pois, além da realidade ser outra, continuariam sempre a faltar os restantes 7).
25. Lançam-se à mesa de uma conferência de imprensa “papagaios” disfarçados de jogadores para forçá-los a dizer que, entre jogar mal e avançar na competição ou jogar bem e sair, preferem a 1.ª opção. Como veículo de transmissão da mentalidade mesquinha e medrosa que afecta quem ali os colocou.
26. Como se, nessa mesma competição, não exista quem já tivesse ido para casa mais cedo por, precisamente, jogar mal. Ou tenha avançado na competição por, precisamente, saber jogar. Ou ainda, tenha avançado na competição apesar da equipa técnica que a constitui.
27. Nada sei sobre quem criou o jogo. Quiçá Deus. Acredito contudo que, à semelhança do propósito original aquando da criação da humanidade, não seria este futebol o seu último propósito.
28. A partir do momento em que uma dada transformação implica um declínio (ao caso, no grau de prazer e espectacularidade de uma modalidade), tal não é passível de ser encarado como uma evolução: mas antes uma lamentável regressão.
29. E não tenham dúvidas: o futebol assume hoje tal dimensão não graças ao que é, mas ao que foi. Enquanto espectáculo. Enquanto prazer. Retirem-lhe isso e será uma questão de tempo até definhar, por muito que tenha evoluído física ou tacticamente.
30. Pessoalmente, não acredito que só joga numa dimensão física e táctica quem sabe: mas antes, quem não sabe mais. Quem não tem os recursos técnicos para superar os do adversário – e, por isso, recorre à táctica e à força. Mas isto sou eu.
31. Se me pedissem uma prova simples e clara para defender o futebol nos termos acima propostos, diria não conhecer nenhum troféu ou táctica que tenham ficado imortalizados na história enquanto “a alegria do povo” (Garrincha).
32. Manuel Cajuda terá dito, um dia, que recebia-se pouco no futebol (português), mas, em contrapartida, divertia-se à brava. Como as coisas mudam.
1. Será o futebol… resultado?
ResponderEliminar2. Será o prazer da vitória superior ao amor pelo jogo? Terá a “técnica da força” superado a “força da técnica”? Merecerá o “antes” e “após” maior destaque que o “durante”? Quem são hoje verdadeiramente as “estrelas” da modalidade? Onde reside, actualmente, a alegria do povo?
3. Será o futebol… ciência?
4. Uma modalidade académica, analítica: de fórmulas, calculismo e certeza? Desenhada a régua e esquadro, visando anular ao máximo a perigosidade adversária? E qual a margem deixada à imprevisibilidade? À criatividade? Ao risco? À surpresa? À capacidade para deslumbrar?
5. O que resulta de um espectáculo no qual as partes procuram, acima de tudo, anular-se?
6. O que resulta de um espectáculo passível de ser reduzido à fórmula: futebol = resultado?
7. Não sei ao certo aquilo em que se transformou o futebol. O que quer que seja, sei que não gosto. Dispenso. E ao que parece, não sou o único. O adepto, hoje, suspira pela Islândia ou por Gales na exacta medida ao que, outrora, outros fizeram pelo Portugal de 66. A Holanda da década de 70. O Brasil de 82.
8. Azar. Quem manda, olha para as estatísticas. Para a história. Para o sucesso. E, sobretudo, para o saldo da conta bancária. Olha para quem está por cima em dado momento e, limitado como é, assume ser essa é a única fórmula, procurando repeti-la: pois, assim, estará mais próximo do seu ulterior objectivo - enriquecer.
9. Que muitas outras equipas tenham já jogado bonito e alcançado, entre troféus, a glória divina do direito à imortalidade: escapa-lhes. Que muitas outras equipas tenham chegado tão longe nas competições por precisamente terem ousado, ao invés de se terem remetido ao mero papel de coitadinhos, quais extensões do treino efectuado pelos poderosos ao longo da semana: mero pormenor.
10. Na minha opinião: futebol = junk food.
11. Mais do que uma modalidade de raízes profundamente populares, o futebol é, hoje, um produto de mercado. Não muito diferente da junk food que por aí se vende: que de tão processada e transformada, já ninguém se lembra ao certo como era na sua origem.
RedMist
12. Infelizmente, também aqui a tabela de valores inverteu-se. O futebol, tal como outrora o conhecemos, já lá vai. Não é um acaso o crescente interesse e popularidade pela história e heróis do futebol do passado. Mais do que em reverência pelo passado, surge principalmente da desilusão pela realidade do presente.
ResponderEliminar13. Como em muito do que de bom existiu neste mundo, o homem decidiu pegá-lo e transfigurá-lo a um ponto cada vez mais irreconhecível. E irá esticar, sugar e abusar até mais não poder. Colher os proveitos possíveis e julgados impossíveis.
14. Até, invariavelmente, aniquilá-lo. E então, abandoná-lo, quando mais nada houver a dele retirar.
15. Este ainda subsiste. Na América Central e do Sul. No futebol de Selecções (tidas como) menores. Em pequenos nichos. Longe e isolados. Que merecem ser preservados. Protegidos. Conforme é realizado com qualquer espécie em vias de extinção: ao caso, situação provocada sempre pela mesma fonte – o homem.
16. Hoje, um clube é pertença do presidente X. A equipa, joga à imagem do treinador Y. O atleta, pertence à lista de jogadores do empresário Z.
17. Os jogadores? Meros peões. Peças de xadrez perfeitamente sacrificáveis aos caprichos da mais recente divindade do futebol: o treinador.
18. Os adeptos? A sua existência somente encontra fundamento na forma como, de forma acrítica e (c)ordeira, se espera que aplaudam: e, sobretudo, paguem. Consumam.
19. Quem não o fizer, é do contra. Tem agenda própria. É, com um esgar de menosprezo e sobranceria, acusado de puritano. Lírico. Romântico. De gostar de bola (e não perceber “bola” da coisa), ao invés de ser verdadeiro entendedor e defensor do futebol “moderno”.
20. De forma particularmente desconcertante (de tão insana que é), a opinião que conta é a de quem necessita da legitimação daqueles que verdadeiramente importam e que pensam em contrário: os adeptos.
21. A legitimidade para tais apreciações? Ao que parece, advirá do facto de alguém os ter denominado de analistas. Académicos. Comentadores. Treinadores. Pensadores do futebol que, de tanto pensarem sobre o mesmo, esqueceram-se de jogá-lo e, assim, perceber o quanto estão a contribuir para aniquilá-lo.
22. Para Rosseau, o problema não residia no facto de o monarca soberano ter criado a propriedade privada e imposto aos seus súbditos o pagamento de X valor pelo seu usufruto: mas antes estes terem acreditado na sua legitimidade para tal e, assim, ido na cantiga.
RedMist
23. Na cantiga do bandido. Do corrupto. Do contabilista. Do profissional de comunicação. Do técnico. Do “yes man”. Dos “copinhos de leite” a quem isto está entregue. Dos parasitas para quem o futebol é uma “indústria”, um “produto”. Um clube: uma “empresa”, uma “marca”. Um jogador: uma “peça do puzzle”, um “activo”. Tudo terminologias que, ao que parece, terão estado na origem daquilo que nos levou, desde tenra idade, a pegar numa bola.
ResponderEliminar24. Querem-nos fazer crer de que o futebol é isto. As transferências. A posse estéril de quem não sabe mais. O betão e o cimento. A idade do Renato e o trio do meio-campo do SCP (que, aos 90’ de jogo, já não estava em jogo, na medida em que, nem o meio-campo do SCP é a última santola no oceano, nem um trio tem, só por si, a dinâmica de jogo do clube, pois, além da realidade ser outra, continuariam sempre a faltar os restantes 7).
25. Lançam-se à mesa de uma conferência de imprensa “papagaios” disfarçados de jogadores para forçá-los a dizer que, entre jogar mal e avançar na competição ou jogar bem e sair, preferem a 1.ª opção. Como veículo de transmissão da mentalidade mesquinha e medrosa que afecta quem ali os colocou.
26. Como se, nessa mesma competição, não exista quem já tivesse ido para casa mais cedo por, precisamente, jogar mal. Ou tenha avançado na competição por, precisamente, saber jogar. Ou ainda, tenha avançado na competição apesar da equipa técnica que a constitui.
27. Nada sei sobre quem criou o jogo. Quiçá Deus. Acredito contudo que, à semelhança do propósito original aquando da criação da humanidade, não seria este futebol o seu último propósito.
28. A partir do momento em que uma dada transformação implica um declínio (ao caso, no grau de prazer e espectacularidade de uma modalidade), tal não é passível de ser encarado como uma evolução: mas antes uma lamentável regressão.
29. E não tenham dúvidas: o futebol assume hoje tal dimensão não graças ao que é, mas ao que foi. Enquanto espectáculo. Enquanto prazer. Retirem-lhe isso e será uma questão de tempo até definhar, por muito que tenha evoluído física ou tacticamente.
30. Pessoalmente, não acredito que só joga numa dimensão física e táctica quem sabe: mas antes, quem não sabe mais. Quem não tem os recursos técnicos para superar os do adversário – e, por isso, recorre à táctica e à força. Mas isto sou eu.
31. Se me pedissem uma prova simples e clara para defender o futebol nos termos acima propostos, diria não conhecer nenhum troféu ou táctica que tenham ficado imortalizados na história enquanto “a alegria do povo” (Garrincha).
32. Manuel Cajuda terá dito, um dia, que recebia-se pouco no futebol (português), mas, em contrapartida, divertia-se à brava. Como as coisas mudam.
RedMist
Este blogue será sempre útil enquanto receber coisas destas. Obrigado.
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