Em Portugal há uma enorme tendência
para se classificarem os jogadores que se procuram destacar pela qualidade
cognitiva como jogadores lentos e sem a famosa intensidade. É assim com Oliver –
que hoje é mais elogiado, apesar de jogar consideravelmente pior, só porque
corre mais; foi assim com Rúben Neves – que hoje rebenta com os “intensómetros”
dos “intensadores”, porque se destaca na liga mais mediática do mundo; foi/é
assim com André Gomes; foi com William Carvalho, mais um famigerado lento, etc.
Tudo o que não for jogador que procure condução de bola ou corra que nem um desesperado
(quem muito corre, acreditem, muito desespera) é colocado na prateleira dos “lentos”.
Mesmo sem conhecer absolutamente
nada de Gabriel, vendo os seus primeiros minutos com a camisola do Benfica, facilmente
se podia prever que seria mais um a ser arrumado na pilha de “lentos do futebol
Português” e, caso Rui Vitória se mantivesse no comando técnico, acabaria a
época com a etiqueta de “flop do ano” colada na testa.
Dizer-se que Gabriel é lento não
é que em si seja um problema (ainda que tenha dúvidas sobre se realmente corre
devagar ou não), o erro é achar-se que a velocidade de deslocamento é o que
define um jogador e o não se ter reparado na enorme injustiça que se cometia
com um jogador que passava jogos inteiros a ver a bola passar-lhe por cima da
cabeça em momentos ofensivos e a ter que cobrir manchas colossais de terreno em
momentos defensivos. Mais, não se percebeu que Gabriel nunca se iria destacar
enquanto lhe fosse exigido que galgasse metros e metros com bola, tratando-se
ele de um jogador marcadamente de passe e de critério. Sim, critério é o
conceito-chave de Gabriel e o conceito maior no jogo de futebol. Decidir bem,
em vez de decidir rápido, algo que pode resultar no mesmo em determinadas circunstâncias,
mas que na origem são conceitos que partem de premissas absolutamente opostas,
porque quem procure decidir bem vai conseguir decidir rápido quando tal se
justifique, mas quem procura decidir rápido, vai fazê-lo sem considerar as
circunstâncias.
Com a mudança no comando técnico
do Benfica, Gabriel tem emergido como uma das faces maiores da mudança, no que
diz respeito à ideia de jogo. O médio Brasileiro tem assumido um papel-chave na
dinâmica de Bruno Lage, demonstrando a todos a qualidade que sempre teve e, pasme-se,
continua a não ser particularmente rápido no deslocamento. Porém, e porque tem
qualidade técnica, porque tem qualidade na decisão, o simples facto de hoje
estar integrado numa ideia que procura muito mais um futebol conexo e
associativo, um futebol de melhores decisões, um futebol de linhas mais
próximas e de maior critério, o jogador emerge com um dos indiscutíveis no 11,
por oposição ao que acontecia há 2 meses (!!!), momento em que era um dos mais
contestados.
Por estes dias, o meu filho
perguntava-me se podia comer mais uma goma. Porque já tinha comido umas
quantas, lá lhe disse que não, porque demasiados doces fariam mal aos dentes e,
perante a sua relutância em aceitar a minha explicação, disse-lhe mesmo que,
caso continuasse a comer gomas, ficaria sem dentes. De imediato, abriu a boca e
disse: “Pai, vês, ainda tenho os dentes todos!”. Assim se comenta futebol por
cá, se ainda tem dentes é porque está bom, mesmo que seja previsível que a
continuar assim, estes venham a cair todos. E só no momento em que não sobrar
nenhum é que será permitido pensar diferente do óbvio.
Pior, quando um Gabriel desta
vida lhes tira todo e qualquer dente, serão capazes de dizer que sempre
pensaram como ele.
O problema de Gabriel nunca foi
ser Gabriel, o problema de Gabriel sempre foi ter quem não soubesse que era
Gabriel ou sequer compreendesse o que era ser Gabriel. E vou mais longe,
correndo o risco de cometer uma heresia nos critérios dessa gente, para mim, se
Bruno Lage quer mesmo um futebol de posse, Gabriel deveria assumir o papel de
médio mais recuado no momento da construção, fazendo-o acompanhar de outro
médio que não Samaris (que realmente é bastante limitado em tudo, sobretudo com
bola).
Dar opinião sem assumir qualquer
opinião, para além de um belíssimo acto de contorcionismo, é garantir que se pode
dizer tudo e o seu contrário, mesmo que não se contribua em nada para o
entendimento do jogo por parte de quem ouve ou lê.
Parabéns pelo texto. Na mouche.
ResponderEliminarA dúvida que subsiste é quem será o parceiro ideal para o Gabriel? Krovinovic? Até ver não sabemos em que condições está depois da lesão, mas o que nos encantou o ano passado poderia ser a solução.
Alguma aposta José Moreira?
Já agora,qual o outro médio ou tipo de médio?
ResponderEliminarQualquer médio com capacidade para ter bola e tomar boas decisões com ela. Pode ser Krovi, pode ser Pizzi com Zivko (que para mim jogaria sempre) por fora, pode ser a inclusão do Florentino e com Gabriel a manter-se onde está, em suma, qualquer um que saiba o que fazer com a bola, porque, para mim, boa parte dos problemas que o Benfica teve para controlar o jogo com o Sporting (por exemplo) com bola, nasceram exatamente do facto de termos um jogador como Samaris no corredor central.
ResponderEliminarprovavelmente iremos ver gabriel e gedson.
ResponderEliminargabriel é aquilo que antigamente se chamava de falso lento jogador que não tem velocidade para compensar os erros que comete mas que se estiver sempre empenhado e motivado tem inteligência para estar bem posicionado e nem precisar da velocidade.
ResponderEliminarno que se refere à mudança na composição do meio campo é verdade que samaris não dá segurança na posse de bola mas dá agressividade e recuperação de bola.
a analise de que pizzi, zivkovic ou krovinovic podem fazer dupla com gabriel só é possível quando só se analisa a fase em que se tem a bola, mas como num jogo também existem fases em que não a temos e em que é preciso que se a conquiste a maioria destes jogadores não serve.
pizzi não sabe defender, nem sequer se sabe posicionar bem ou condicionar o jogo adversário, para não falar que ele não sabe proteger a bola que será uma das características que que joga no miolo do meio campo tem.
quer zivkovic quer krovinovic não tem bom posicionamento nem características para defender, nem na minha opinião vão alguma vez ter, apenas com pensão com agressividade e velocidade.
o que temos de ter é um 6, com posse de bola, ou outro 8 que saiba defender bem e atacar bem agora adaptar dez ou médios ofensivos só porque tem boa posse de bola não resulta muito menos numa altura em que temos uma defesa em que não abunda a qualidade e muito menos a quantidade.
Mais um post certeiríssimo - parabéns!
ResponderEliminarAndo há semanas a defender Gabriel/Krovinovic para a dupla de médios-centro, para a maioria dos jogos em Portugal. E a única coisa que não me delicia no reinado Bruno Lage é dois dos talentos do top 5 do plantel (Zivkovic e Krovinovic) não jogarem. Só pode ser por problemas de aplicação no treino e profissionalismo...com RV ficavam de fora porque ele preferia os jogadores com perfil para o seu kick and rush anacrónico: burros e rápidos...mas com BL só pode ser por não estarem a treinar bem.
Top!
ResponderEliminarParabéns
ro