quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Jogos Olímpicos I

Bem sei que os leitores aqui do gostam mais é do pontapé na chincha, mas para mim o Benfica não se resume a isso. Talvez porque quando era novo aprendi com o meu pai a praticar vários desportos e me habituei a ver ao vivo várias modalidades. Lembro-me bem das tardes de verão passadas no Jamor a ver os campeonatos de atletismo rijamente disputados com a lagartada, prova a prova, ponto a ponto, fosse nos nacionais ou nos regionais. Quem da nossa geração não se lembra das grandes noites europeias do basquete com o Lisboa, Vieira (depois o Pedro Miguel), Guimarães, Jean Jacques e Mike, ou das do hóquei com o José Carlos, Luís Ferreira, Paulo Almeida, Vítor Fortunato e Garção? Esta introdução serve para dizer que os Jogos Olímpicos são para mim algo de verdadeiramente apaixonante. Ver atletas de todo o mundo competir, incluindo aqueles de pouca valia desportiva, quer individual quer colectivamente pelo orgulho de representar as cores nacionais. 

Os atletas, qualquer que seja a modalidade em que compitam, levam aos seus ombros os sonhos, esperanças de todo um povo que naqueles quinze ou vinte dias olham para qualquer modalidade desde que tenha a participação de um atleta a representar as suas cores. Os primeiros Jogos Olímpicos dos quais tenho uma recordação viva são os de Los Angeles 84. Dos de Moscovo 80 só me lembro dos desenhos animados do Misha. Mas os de 1984 marcaram definitivamente a minha ligação aos jogos. Claro que temos que ter em conta as 8 horas de diferença, pelo que a maioria das transmissões eram diferidos, mas devido a uma intoxicação alimentar passei várias noites acordado a ver os directos com a justificação da maleita não me deixar dormir. 

Foram várias as modalidades que descobri, por exemplo hóquei em campo ou esgrima, de umas gostei, de outras nem por isso (já vem de longe o facto de não gostar de luta grego-romana ou halterofilia). Além disso 2 músicas ficaram-me gravadas na cabeça, quer a música que anunciava os pódios, quer o hino dos Estados Unidos, pois penso que nunca antes nem depois um país conquistou tantas medalhas de ouro. Depois de algumas edições que não acompanhei de perto, felizmente que este ano voltei a ter oportunidade de acompanhar detalhadamente os jogos. Apesar de ver uma participação portuguesa que não mostrou praticamente qualquer evolução face a edições anteriores, foi com relativa desilusão que me apercebi da enorme falta de cultura desportiva nacional quando comparada com a de outros países. 

É óbvio que não faz sentido compararmo-nos com o país anfitrião, pois foi nesse país que surgiram muitas modalidades que hoje são praticadas, mas basta a comparação com os nossos vizinhos para nos apercebermos como desde 1984 perdemos as oportunidades e consequentemente a corrida no desporto, um pouco à semelhança de tudo o resto. Não há em Portugal trabalho de base, nem técnicos qualificados em quantidade para assegurar o desenvolvimento das modalidades que não o futebol, pois nessa há muito tempo, desde 96 em termos europeus e desde 2002 a nível mundial, que nos mostramos relativamente competentes no escalão maior do futebol masculino. 

Para agravar as insuficiências da inexistência de um trabalho de base, não há qualquer incentivo a desenvolver o gosto pela actividade física das crianças em idades precoces, por exemplo ao nível da pré-escola por forma a desenvolver as suas capacidades motoras. Na escola, a educação física continua a ser uma oportunidade perdida. Não por responsabilidade dos professores, mas pela falta de visão das nossas classes dirigentes que à semelhança de não cultivar o gosto pelas artes, também não faz com que as crianças cedo desenvolvam a regular prática de exercício físico. Hábitos que a serem criados nas nossas crianças poderão originar um povo mais saudável e mais inteligente, mas talvez isso seja algo que os nossos políticos não queiram pois correm o risco de começar a ter gerações mais exigentes no que respeita à qualidade dos seus representantes e das políticas que levam a cabo. Dada a insuficiência, que é para não dizer total ausência do Estado, os clubes têm vindo a fazer o papel deste no que respeita à formação desportiva dos jovens. No entanto, e depende de modalidade para modalidade, um reduzido grupo de técnicos vai remando contra a maré em locais específicos do país e vão criando centros de competência que permitem que caso algum talento extraordinário apareça que determinada modalidade consiga o feito extraordinário de chegar aos Jogos Olímpicos. 

Conseguida essa primeira vitória, com a persistência de atletas, técnicos e clubes, consegue-se progressivamente alargar a base de talentos e conseguir em edições subsequentes qualificar mais atletas para os Jogos. Claro que para isto acontecer, normalmente há apuramentos e bons resultados em Europeus e Mundiais da respectiva modalidade, mas esses resultados raramente merecem mais que um destaque nas páginas das modalidade dos diários desportivos, ou das secções desportivas dos jornais generalistas. No entanto, há vários clubes que raramente conseguem esse merecido destaque, pois o trabalho que levam a cabo, muitas vezes sem qualquer reconhecimento, é ignorado sendo que o foco das atenções se acaba por centrar no atleta e por vezes no técnico, em especial quando consegue algo de destaque, por exemplo um diploma olímpico (lugar entre os 8 primeiros). 

A falta de cultura é tanta que para a generalidade da população, e os maiores responsáveis por isto são os meios de comunicação social, a não obtenção de uma medalha significa o insucesso, esquecendo-se que poucos são os aspectos da nossa vida em que conseguimos estar entre os 8 ou 16 melhores do mundo, quanto mais nos 3 melhores. A mudança neste quadro passa por vários vectores, nomeadamente a tentativa de criação de cultura desportiva, sendo que os meios de comunicação social serão os maiores responsáveis por esse desígnio, pois as pessoas precisam de compreender que nem sempre é possível chegar às medalhas, mesmo que os atletas tenham todas as condições para isso (o que não acontece actualmente na generalidade dos casos), pois por vezes basta uma fracção de segundo em que o atleta se sente mal e todo o trabalho de 4 anos vai pelo cano abaixo.

Mas mais, o povo necessita compreender que as modalidades não aparecem e desaparecem de 4 em 4 anos, que há vários desportos em que os atletas apreciariam a atenção do público em geral nas suas competições nacionais e internacionais que disputam. Claro que dificilmente isto acontecerá se não for promovida pelo Estado, através das instituições de ensino, a prática de desporto como forma de vida saudável, em especial às novas gerações. As crianças têm maior capacidade de aprendizagem nos anos iniciais e se desenvolverem as suas capacidades motoras estarão mais aptas a praticar com sucesso qualquer que seja o desporto. O ensino do desporto não se deve limitar às corridas, futeboladas e exercícios de ginástica como era feito no meu tempo. Às crianças deve ser dada a oportunidade de aprenderem e experimentarem várias modalidades desde tenra idade por forma a aumentar-lhes a cultura desportiva e a alargar a base de praticantes das diversas modalidades. 

A existir uma falta de técnicos suficientes para levar a cabo um plano destes, deve-se aprender com as melhores escolas e importar técnicos de países em que a prática de determinada modalidade seja reconhecidamente bem sucedida, pois isso implica que dominam os fundamentos dessa modalidade. Este governo mostra toda a sua falta de visão ao mais uma vez desvalorizar a Educação Física no currículo escolar. Não discuto se a nota deve ou não contar para a média, mas 2 aulas semanais de 45 minutos sendo que parte do tempo se perde com o equipar não me parece que possa contribuir em nada para alterar o actual estado de pobreza desportiva do país. O aumento dos gastos públicos com o sector da saúde poderia ser atacado caso se criasse uma geração de pessoas mais saudáveis com hábitos de prática desportiva. 

Um plano para mudar os resultados do país não deveria visar os Jogos Olímpicos do Rio em 2016, mas antes criar uma geração de atletas para os Jogos de 2032 ou 2036 cujo início na prática desportiva aconteça aos 3 ou 4 anos de idade.

7 comentários:

  1. Excelente reflexão, Bcool.

    Terminas de uma forma que resume bem a falta de estratégia:e o que podia ser pensado, se ela existisse:

    "O aumento dos gastos públicos com o sector da saúde poderia ser atacado caso se criasse uma geração de pessoas mais saudáveis com hábitos de prática desportiva."

    Ora, nem mais: em vez de gastarem milhões e milhões a contrariarem hábitos solidificados nas mentes das pessoas - que acho um trabalho louvável, mas que tem uma taxa de sucesso reduzidíssima - deviam, como qualquer povo ou governo inteligente - prevenir e antecipar. O que se passa em Portugal em termos de Educação Física é bizarro - no meu tempo era como dizes: futeboladas, um ou outro dia no ano todo em que fazíamos uma modalidade diferente; hoje em dia, retiram-se horas à actividade física. E ninguém percebe o mal que isto faz a curto, médio e longo prazo

    Não é este ou aquele governo, têm sido os governos todos nas últimas décadas. Ainda me lembro de como o professor de EF era visto: um lambão que andava por ali a ir ao bar comer sandes de chouriço e engatava umas professoras. Não sei como será hoje, mas acho que a imagem, apesar de poder ter melhorado, não evoluiu por aí além. E se lhes dás menos trabalho, mais contribuis para que a EF seja vista como uma actividade pouco importante, quase ridícula até. O que é absurdo, visto que os problemas de saúde relacionados com a falta de exercícico físico e má alimentação são cada vez mais e em proporções perigosíssimas.

    Uma palavra de elogio aos clubes portugueses, que sempre fizeram um trabalho louvável nesta matéria. Seria interessante perceber o que seria deste país sem os clubes. Vivemos num país desorganizado, sem visão, pequeno, mesquinho, cheio de medo. Não creio que o futuro passe por apostar num plano estatal, embora o desejasse. Só os clubes conseguirão voltar a meter gente nos 8 primeiros ou mesmo nas medalhas. Sempre eles a carregarem o fardo que o Estado devia ter na formação dos seus cidadãos.

    ResponderEliminar
  2. Eu acho que posso falar um pouco mais deste assunto porque finalizei o 12º no ano lectivo transacto. O que vos posso dizer é que isso das futeboladas está a mudar. Durante as minhas aulas de educação fisíca realizadas nos anos do secundário nunca aconteceu que as aulas fossem só correr e jogar futebol, aliás eu tive um stor que para os rapazes jogarem futebol implorávamos para ficar um pouco depois das aulas a jogar ao invés de descer logo à cabine. Posso vos dizer que pratiquei todo o tipo de desportos. Até Baseball, hóquei em campo, natação (que muitas escolas não têm condições para promover a sua prática). A minha escola tinha um protocolo com o complexo de piscinas municipal e durante o 12º tive 6 aulas de EF única e exclusivamente de natação. Posso vos garantir que os professores muito se esforçam para incutir gosto pelo exercicío físico nos alunos. Os dois professores que tive durante os anos do secundário ambos foram ou eram federados em algum desporto. O meu professor do 10º/11º tinha sido jogador de andebol e tinha jogado pela selecção. A minha professora do 12º durante o ano lectivo ainda jogava pela equipa feminina de Voleibol do clube "Os Belenenses", tendo se retirado depois porque estava em final de carreira e porque tinha engravidado. Como podem ver havia incentivo ao desporto e a muitas outras coisas, nem todos os professores são assim mas os meus eram. Tinham sempre como objectivo que os alunos período a período treinassem pontos especifícos da sua condição fisíca e o meu professor do 10º/11º coordenava ainda actividades ao fim de semana de actividades relacionadas com a escalada, btt, etc... Por vezes a ideia que é passada cá para fora é errada mas as escolas tudo fazem para melhorar a cultura desportiva dos alunos. Cumprimentos e gostei do vosso post.

    ResponderEliminar
  3. A questão João Miguel é que falas do 10.º,11.º e 12.º e os 9 anos antes de escolaridade ? E a pré-escola ? O que advogo é uma prática desportiva escolar desde a infância, nomeadamente ao nível do pré-escolar, assim como advogo uma prática cultural, pois já diz o provérbio, mente sã em corpo são.

    Felizmente que constato pelas tuas palavras que já se abandonou a educação física das corridas e das futeboladas, também era melhor já se passaram 38 anos da revolução e as escolas têm hoje em dia melhores infra-estruturas que tinham há 20 ou 30 anos, mas tenho pena que esse tipo de educação física só seja feita nos últimos anos do secundário.

    ResponderEliminar
  4. Este tipo de educação física é praticado desde o 3º ciclo pelo menos, claro que a exigência muda e o tipo de exercicíos também. Na pré-escola também há incentivo ao exercicío fisíco também. A minha irmã é educadora e em todas as instituições em que ela trabalhou havia um dia uma vez por semana em que durante uma hora salvo erro há um professor de actividade física dirigida para aquelas idades em que faz pequenos exercicíos com os miúdos, não sei dizer que tipo de exercicíos são. Mas eu próprio me lembro que na primária eu tinha um professor de EF que também ia uma vez por semana à escola e ensinava-nos várias coisas, lembro-me por exemplo de uma vez estar a jogar basket. Portugal tem-se desenvolvido bastante durante os últimos anos neste campo e hoje em dia a maioria dos alunos já vai ao ginásio (a maioria nem sequer é para se tornar num monstro da musculação mas muitas vezes para se manter em forma), já joga ténis que é um desporto em crescimento em Portugal, já faz natação x vezes por semana, já joga futebol com os amigos regularmente (falo por mim) e já vai correr x vezes por semana.

    ResponderEliminar
  5. Bom texto. É óbvio que se tem de começar a planear desde muito cedo e não se lembrar dos atletas apenas de 4 em 4 anos. E já agora melhorar as condições para a prática de desporto além do futebol. Posso-te dar o exemplo aqui de Queluz, que como deves saber é uma terra de basquetebol muito à custa de um dos clubes: na minha adolescência aqui jogava-se muito provavelmente tanto basquetebol como futebol, porque havia tabelas no campo exterior do Queluz e mais algumas espalhadas pela cidade (naquele tempo ainda vila). Posso-te dizer que o campo tinha balizas e tabelas e jogava-se lá mais basquete que futebol. Entretanto no resto da cidade as tabelas degradaram-se e não foram substituidas (só há uma tabela actualmente na cidade) e o campo do Queluz já não existe porque o clube está de há uns (vários) anos Às portas da morte.
    De resto a EF penso que dependerá muito do professor que se apanha... se for como na minha altura ele é capaz de ser federado nalgum desporto e por isso conseguirá investir nesse desporto para além das intermináveis aulas de ginástica, corrida e futebol (aqui por ser uma região de basquetebol também se investia aí em EF).

    ResponderEliminar
  6. Hanzo, o Queluz Atlético Clube é um dos históricos da modalidade e sempre foi uma referência na formação. Tenho pena que actualmente passe essa fase negra que descreves, mas acho ue é comum a muitos pequenos clubes que durrante anos carregaram sobre si o peso de formar jovens atletas em diversas modalidades mas que acharam que poderiam ser clubes profissionais de topo e ultrapassaram as capacidades que tinham de se financiar.

    ResponderEliminar
  7. Posso dizer o mesmo aqui do clube da terra, o União Desportiva VilaFranquense, que chegou a jogar com o Futebol Clube do Porto na Taça de Portugal e hoje está afogado em dívidas e que apesar de ter plantel para subir de divisão faz tudo para não subir porque sabe que se subir as despesas serão maiores e não tem dinheiro para as colmatar...

    ResponderEliminar

Vai ao Estádio, larga a internet.