Para jogar matraquilhos, mais do que dominar nuances técnicas de pulso, é necessário ter indumentária a preceito. Uma pessoa não pode - não deve! - aproximar-se de uma mesa de fato, por exemplo. O jogo exige de nós a devoção solidária de um respeito tabernal - calças surradas, camisola rasgada, sapatos gastos, manchas de vinho na pele. Resquícios de vida. O que deve acontecer: cada matraquilhador com a sua camisola: de um lado, os do Benfica; do outro, os do Sporting. Cada par de jogadores com a sua camisola gasta de anos a fio. Imaginemos: do lado dos benfiquistas, dois bípedes com as camisolas do Valdo e do Paneira; os sportinguistas vestidos nas costas com nomes estranhos como Juskowiak e Lemajic.
Todos gritam com as cervejas encostadas ao ábaco que leva roldanas de um lado para o outro consoante as bolas que batem no fundo da madeira, levantam um som oco e criam gozo entre os atletas. Uns definham na vergonha daquela má defesa, em que a mão esquerda prendeu os nós e não soube ver aquele engano diagonal do pé pintado a preto e branco de uma chuteira cheia de ângulos; outros festejam, quase bêbados, aproveitando o som das bolas que vão caindo do lado contrário, para dois, três, quatro goles directos para a garganta onde se fazem outros jogos de matraquilhos entre a goela, a língua e o céu da boca. O palato tem coisas que a razão desconhece.
Os bonecos acordam, vivem, jogam e adormecem sempre da mesma forma: hirtos no seu abraço de metal, uns com os outros, quase tocando o relvado. Há-de ser intrigante, sufocante até, estar ali uma vida inteira tão perto do terreno de jogo e nunca poder tocá-lo, como se os tivessem transportado para uma vida de semi-enforcados, não mortos mas quase, atirados para uma prisão de horizontais por onde vão respirando, chegando-se às vezes à direita, outras à esquerda. E o coração do jogador? Palpitando por dentro de uma tinta com 30 anos, uma tinta que não cobre os sentimentos do benfiquista que vive dentro de uma plataforma crua de esmalte e químicos.
Quem é, afinal, aquele médio direito que, se for bem orientado, cobre toda a baliza, recupera bolas na dúvida da gravidade ou de um tampo menos capaz, que lança contra-ataques venenosos para uma bola que quase vai entrar não fosse bater no poste pintado a branco junto à madeira? Quem quer saber deste homem que vive atrelado a outros uma vida inteira, com o corpo percorrido por um metal que lhe fere o fígado, os pulmões, os rins, as dores, os amores, as saudades? Lançado lateralmente de um lado para o outro, vai vendo o cérebro desalmadamente horizontar e mesmo quando quer rematar, porque vê o golo ali tão perto, é subjugado a uma mão que o direcciona para a defesa ou passe lateral que ele naturalmente questiona porque já antecipava (com melhor visão) a jogada final. Quem é este boneco?
Vai para os matrecos de forma humilde, companheiro. Entende quem conhece o ofício: sempre em 2-5-3, sistema e modelo que atacam o futebol calculista. Veste-te com respeito. Bebe muito, como devoção. E, nos intervalos dos golos, dá de beber aos bonecos.
Matrecos...um vício. Adoro!!!!
ResponderEliminarnão quero contrariar, mas já joguei muita matrecada de fato e gravata, com a gravata por cima dos ombros para não ficar cheia de óleo (massa)
ResponderEliminarOs lagartos bateram de tal modo no fundo que já nem nos matraquilhos aparecem!
ResponderEliminarSei que este comentário não vai ser publicado, mas alguém vai ler, esperando que sejas tu, poeta Ricardo.
ResponderEliminarFinalmente, deste à costa aqui neste boteco. Andavas caladinho, que nem um rato, desde que o meu glorioso clube se destacou no campeonato e seguiu em frente na Europa.
E deste à costa com um texto tão importante como este dos...matrecos! Impressionante a cachola com que tu andas. Estás tristonho, não vais poder maravilhar-te, babado, ou bêbado?!, de admiração pelos corruptos das antas, como te gabaste, aqui, há uns tempos.
Filosofar sobre os quatro pontos, os quartos de final, as meias da taça e, acima de tudo, sobre o enorme JJ, isso, meu caro, dá-te náuseas.
Enfim, o teu verdadeiro clube parece que foi a votos, espero, muito sinceramente, que o resultado final tenha sido a teu contento.
Abraço
Pedro B.
O meu comentário de há minutos vem com seis dias de atraso, penitencio-me pelo que escrevi.
ResponderEliminarHá um comentário do dia 18, que não vira antes, pelo que não faz total sentido.
Se quiserem publicar ambos os comentários, assumo o meu erro.
Abraço
Pedro B.
Pedro B, nem pena consigo sentir de ti. Que existência miserável, essa. É curioso como ainda consigo surpreender-me com o nível de imbecilidade que algumas pessoas conseguem atingir. Tu estás certamente no topo da pirâmide.
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