sábado, 5 de fevereiro de 2011

Um post sobre o Sporting

De onde eu venho, não é incomum vermos benfiquistas e sportinguistas no mesmo café a ver jogos de futebol. Aliás, a infância e adolescência foram passadas nessa mistura leonino-aquilina em que uns e outros se debatiam em grandes discussões para aferir da superioridade de um clube sobre o outro. Obviamente, por questões que pertencem ao divino, a discussão era inútil, não por não podermos chegar a alguma conclusão mas porque a conclusão era em si demasiadamente evidente para que restassem quaisquer dúvidas: o Benfica é o Benfica e tudo o resto vem atrás.
Mas havia quem persistisse, quem não se resignasse a esta verdade cósmica e, de tempos a tempos, sempre que o seu clube tinha um feito mais relevante - como ficar em segundo lugar, ganhar uma Taça de Portugal ou ter um Presidente com dois t´s no nome -, lá tínhamos de começar tudo do início, explicando devagarinho, com factos e com alguma paciência as razões pelas quais a superioridade do Benfica sobre o Sporting não podia sofrer qualquer tipo de contestação.
Mas eram teimosos, os leoninos! Umas vezes, mais criançolas, diziam-me que o avô deles tinha visto o Peyroteo jogar e que aquilo é que era, roupa engomada, palácio em Oeiras, dentes sempre branquinhos, tapeçarias belgas e loiças orientais; outras, mais borbulhentos, falavam-me, verdadeiramente emocionados, no Damas e nas aulas de etiqueta que tinha às Quartas-feiras no Salão de Beleza ali para os lados do Lumiar ou na sessões de dança clássica que frequentava nos Alunos de Apolo.
Ora, isto para um miúdo como eu, confundia e causava estranheza, habituado que estava a falar em futebol sem mencionar coisas mundanas. No máximo, podia retorquir com as idas ao Bairro Alto do Eusébio e do Simões ou as almoçaradas em Cacilhas do Bento e do Carlos Manuel. Tudo o resto soava a parvo e portanto voltava à minha argumentação básica: "Nós temos mais campeonatos, mais Taças, 9 finais europeias, 3 conquistadas", dizia, como se fosse preciso dizer alguma coisa. E eles respondiam: "mas nós sabemos falar francês, compramos a roupa à medida e somos todos filhos de um visconde". Isto para mim era ultrajante porque não estava habituado a ver descendentes de nobres calçados com ténis ritex sport a mascar gorilas de laranja. 
Mas houve um dia que mudou a minha vida: estava eu e outros 4 ou 5 benfiquistas na tasca a ver o Benfica, quando aparece um bezano aos soluços, agarrado às paredes, olhos semi-cerrados, e senta-se ao pé de nós. Encosta a cabeça no tampo de mármore, dormita uns 10 minutos e, quando acorda, grita: "Juskowiaaaaaaaaaaak". Seria possível? Um sportinguista de tão parca dignidade? Não falo do anacronismo óbvio (estávamos em 2004), difícil de ser explicado à luz da coerência, mas das vestes, do hálito, da falta de preparação educacional, da pouco cuidada higiene dentária, do cabelo mal amanhado, da falta de pose de um dos filhos do Visconde. Se era para isto que o Visconde tinha filhos, pensei, mais valia tê-los entregue directamente à Santa Casa da Misericórdia que eles rapidamente o transformariam em benfiquista! Um dos nossos, mais um, e aquele tinha tudo, mas mesmo tudo, para servir a causa.
Escusado será dizer que passou o tempo todo a dizer mal do Benfica, do árbitro, dos jogadores do Benfica, remetendo o discurso invariavelmente para uma fusão estranha no tempo em que comparava o Juskowiaaaaaaaaaaaaaaak com o Eusébio numa mescla de épocas, vinho e sodomia e concluia, com a cabeça enfiada no tampo (mas de forma nobre!), que nunca o Benfica tinha tido um jogador da classe do polaco - a que ele chamava de "polainano", palavra bem complexa de ser dita por um bezano mas isso os desígnios da capacidade alcoólica para procurar caminhos mais profundos deixemos para outras análises que esta já nos basta e já vai longa.
De modo que, desde esse dia, eu percebi que ao filho de Visconde não basta sê-lo, tem de parecê-lo. E é por isso que o Paulo Sérgio tem, mais coisa menos coisa, uma semana para voltar a Estremoz.

16 comentários:

Carlos Alberto disse...

eheheheheh parti-me todo a rir.

Nós, os CARROCEIROS, entendemos o que o Paulo Sergio diz mas os Viscondes?

lawrence disse...

Assim como compreendemos o que diz o Jorge Zazus!!!
Já os viscondes estão a abastardar-se todos, já atiram pedras de calçada etc.
Que falta de chá!!

Éter disse...

Excelente.

John Billy #37 disse...

Os ténis Ritex!!
Um clássico dos anos 80!!
Ainda existem?

Mr. Shankly disse...

O que diria o MM disto? Muito bom :)

M disse...

o MM é uma peça surreal....está à imagem do seu clube no fundo.

Ricardo disse...

John, não faço ideia. Eusébio queira que sim - não se devem perder essas referências do calçado desportivo da classe trabalhadora. Mas, a existirem, já devem ter aquelas rodinhas que deslizam tipo patins, que servem para engordar ainda mais a miudagem. Eu acho que teria sido mais feliz e mais gordo se tivesse tido a oportunidade de ter ténis com rodinhas.

É engraçado que há um chocolate que se chama Ritter Sport. Nunca percebi a ideia do gajo que pensou nisto, não faz qualquer sentido. Mas são excelentes os chocolates. Haverá alguns ténis chamados Regina ou Nestlé?

E os Pump? Aquilo é que era uma cagança!

Ricardo disse...

Shankly, provavelmente arranjaria forma de, num texto com 100.000 caracteres, discorrer sobre as qualidades inequívocas e superiores do Juskowiak ou falaria no bezano como alguém moralmente muito mais digno do que qualquer outro benfiquista. Alguma coisa serviria o intento, de certeza.

LDP disse...

...Nao sem antes recordar que a Polònia se libertou do fascismo e o Benfica nao.

JD disse...

Muito bom!!! só rir...
:)

Anónimo disse...

Boa noite.
Escreves bem, isso é inegável, mas isto está fraquito. Parece-me uma tentativa de posta à "bulhão pato" encarnado. Mas não chegaste lá. O homwm é(ra) inimitável.
Cumprimentos e saudinha.

cc

Ricardo disse...

CC, confesso que não sei quem é o homem do "bulhão pato". Se eu o imitei (sem "chegar" lá) sem saber que estava a imitar, só me trazes angústias, pá. É a velha teoria do medo do plágio. Não por plagiar o que se conhece mas precisamente pelo contrário. Mete lá aqui qualquer coisa do bulhão pato, já agora.

Saudinha para ti também.

Anónimo disse...

Ricardo,
Tu não me digas que nunca leste postas do "Mãos ao ar". O homem é sportinguista, mas escreve como Deus! (Não o teu deus Eusébio, vade retro!!)
Eu li, muitas, e fiquei fã! Não do Sporting, salvo seja, já me chega a filhota em casa a destoar do azul e branco. Mas a escrita do homem é sublime.
Cumprimentos, e saude da boa.

CC

Anónimo disse...

Esse do "Juskowiaaaaaaaaaaaaaaak" deve ser o mesmo do "Amuniiiiiiiike" eheh

Ricardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ricardo disse...

E o mesmo do "Nicolaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaai" :)