Uma vez conheci Stefan Zweig, não pela carne e sangue mas por aquilo que escreveu. Apaixonei-me. Ainda hoje mantém o seu fantasma sobre a minha alma, como uma presença que absorve o tempo. No trono dos escritores, Stefan persiste na memória e dela não sai, mesmo num tempo em que o dia anterior pode ter a distância de séculos. Comi desvairadamente os seus livros sem saber mais do que aquilo que escrevia e amei-o assim, sem regras nem melancolias. Anos mais tarde, descobri a sua biografia: homem de ambivalências, entre uma primeira conjugação com um regime nacional-socialista e a posterior desonra de saber a construção pela qual foi também responsável. O que nos deixou como artista vale-me o conhecimento de um homem bom. E isso é-me suficiente.
Outra vez conheci Eusébio da Silva Ferreira, pela carne, pelo sangue e pelo osso. Abracei-o num relvado do Jamor, em dias que vivia o sonho de uma criança que queria ser jogador a tempo inteiro. Num treino específico, cruzavam da direita e nós finalizávamos. Finalizei de pé direito, não directo mas de perna cruzada, atrás do esquerdo para o canto contrário da baliza . Ouvi o Eusébio dizer: "grande golo" e desisti do treino. Fui a correr para ele e pedi-lhe uma fotografia. Ele riu e deu-ma. Ainda hoje a tenho, junto ao panteão das coisas sagradas. Anos mais tarde, ouvi estórias sobre a sua conduta. Que era um bêbado (e...?), que era um noctívago (e...?), que era um delinquente (e...?). Deixou-nos o extraordinário jogador que foi e a mim, pessoalmente, uma imagem que me traz ternura e orgulho. O que foi - ou o que dizem que foi - como homem, pouco me interessa. É e foi um génio. E isso é-me suficiente.
Há um documentário enormíssimo sobre a vida do Chico Buarque. Uns 300 dvd´s. Um deles é sobre a sua relação com o futebol, em que ele, quase enfastiado, responde à polémica que se levantou na altura do Garrincha - que era acusado de "gozar" com os adversários - de uma forma simples e eterna e que eu aqui vou passar de forma absurdamente livre e de memória mas de essência: "mas qual é o problema de gozar com o adversário? Fintá-lo é o objectivo do futebol, gozá-lo, enganá-lo, fazê-lo crer que vamos para um lado e vamos para outro, deixá-lo no chão, promiscuí-lo, o futebol é isso".
Não é coisa de Nova Gente, é coisa de ir ao Estádio e amar este desporto. É isso que é suficiente. E alimenta-nos.
Ando muito desapontado com todos vós. Uma pessoa dedica-se a esta instituição altamente digna da postagem bloguística e os resultados são escandalosos. Não há feedback, não há comentários, não há clicks na publicidade, enfim, não há nada. Parece quase que estou a escrever para mim, o que obviamente é uma heresia tremenda e um sinal de demência galopante.
Agradecia que clicassem mais vezes na publicidade - se cada um dos 700 mânfios que aqui vêm diariamente, clicarem 1000 vezes e se chamassem, cada um, mais 10 amigos por segundo, a minha conta bancár... perdão, o nosso trabalho sairia muito mais valorizado. É que isto de dispersar tempo de vida custa muito a todos os colaboradores deste espaço. Honrem o nosso compromisso com clicks atrás de clicks e comentários (produtivos) atrás de comentários. Não estamos aqui para enganar ninguém!
Por exemplo: há iphones 4 para dar no Natal. Se isto não vai lá pelo emprego, tem de ir por outro lado qualquer. E aquela manta roxa que ando há tempos a namorar na parte dos vestuários do Continente - para quando, deus do céu, para quando?
De modo que, sim, revelo-me extremamente inquietado com tudo isto. Se é para seguir nestes moldes, o blogue acaba e aí, meus caros, aí é que eu quero ver como vai ser quando ficarem privados destes textos admiráveis e desta possibilidade de verem notícias em primeiríssima mão. Por exemplo, há 2 meses atrás lancei aqui, EM PRIMEIRÍSSIMA MÃO, a informação de que o Benfica talvez renovasse com Maxi Pereira. Hoje, claro, todos sabem que isto foi verdade. E clicks na publicidade a honrar a privilegiadíssima fonte que possuímos? Ainda a semana passada, outro furo jornalístico de excelência: anunciei que os jogos da Liga Portuguesa valem 0, 1 ou 3 pontos, consoante o resultado da equipa. Viram outro órgão de comunicação escrevê-lo, deste modo isento e informado? Alguém se lembrou de vir aqui comentar (com produção), alguém chamou amigos, foi à página deste blogue no facebook carregar no "Like"? Pois é. Depois não se queixem.
Vamos lá, leitores: ainda vão a tempo - mais especificamente têm 3 dias. Queremos chegar, pelo menos, aos 2.000.000 de visualizações de página a cada 10 segundos, aos 3000 comentários por post e aos 50.000 likes por hora na página do blogue no facebook. E isto é possível! Claro, só o é se fizerem o vosso trabalho e neste momento não é isso que fazem. Este é o milionésimo centésimo quadragésimo melhor blogue do Benfica ao nível deste prédio em Queluz. Estaremos a pedir muito ou são vocês os principais culpados de eu ainda não ter na minha sala de jantar uma loiça couve das Caldas com uma águia por dentro?
Chamem os amigos, os cães (mesmo de brincar), os tapetes de Arraiolos, as aranhas da casa-de-banho, o estendal da roupa. Honrem o nosso trabalho com clicks e mais clicks na puta da publicidade, no facebook, comentem (com produtividade), falem aos vizinhos, ao Pai Natal e aos índios da Bolívia neste nosso projecto. Dignifiquem a nossa dedicação, por favor, que este é um projecto que pede muito de nós, escribas. E, se possível, enviem uns cheques chorudos para o meu NIB. Toda a informação ser-vos-á dada se me enviarem um email. Vá lá, algo contrariado o digo, mas esperançado numa boa resposta da vossa parte: Bom Natal para todos e PRÓSPERO Ano Novo.
Esta é clássica. Desde comentadores encartados, jornalistas a adeptos, é frequente ouvirmos isto como uma verdade universal. Que importa se o jogador tem 2 gajos isolados com uma baliza escancarada à frente? Qual o problema de rematar contra uma molhada de pernas, se o mais importante foi conseguido - rematou?
Para estes fiéis do remate, não importa nada. A solução mais certa é rematar. Ponto final, parágrafo. Porque, na sua visão, eles acham que, se remata, pode marcar golo. E o golo é tudo, está bom de ver. Foi corajoso, foi rápido, demonstrou que não anda ali a brincar aos passes ridículos, armado em jogador do Barcelona - que, a propósito, dá muito sono ver a jogar. O que se quer é um jogador, especialmente se for atacante, que remate de todo o lado. Que procure o golo. Que se transcenda. Quantas vezes não ouvimos a análise detalhada e muito inteligente sobre determinado avançado: "é um jogador que remata à baliza", extraordinária percepção sensorial do comentador de serviço que procura desmantelar mitos. Se remata, é bom; se não remata, é pobrezinho. Não interessa muito se o remate sai invariavelmente por cima do estádio ou se o jogador nem sequer tem a percepção de quando deve rematar. Rematou, calem-se os críticos de uma vez por todos.Já o contrário - o atleta que faz por não rematar em situação pouco esclarecida, buscando outros caminhos para a baliza - é geralmente apelidado de frouxo, de fraquito, de um ser que tem pouco faro pelo golo - não serve, no fundo.
"Este meco é bom jogador mas tem um problema: remata pouco à baliza", dizem-nos os especialistas, enquanto observam detalhadamente cada movimento do jogador. "Podia ser, podia, se rematasse mais vezes!", afirmam convictos os crentes no rematismo. "Mas como querem marcar golos se não rematam?", pergunta aos céus o comentador incrédulo, quase pedindo um poder divino e transcendental que ilumine o pobre do avançado ou do médio que parece andar a gozar com toda a gente, sempre em passes, em tabelas, à procura de uma via para a baliza que não o remate de qualquer lado.
Aí vai o atacante em boa posição para o remate! Faz um compasso de espera, pode marcar. "Remata, pá!", pede o relatador, "se não rematas, o que é que andas aí a fazer?". Depois o jogador, sentindo o público em alvoroço, começando já a levantar-se um assobio monstruoso, sente a pressão e remata. À trave! Uma miséria de remate. E acrescenta o comentador: "se era para isto, era melhor não rematar", pondo ponto final naquele drama. Logo aparecerão outros sábios do rematismo: "veja-se a posição do corpo, de barriga para cima - era lógico que o remate não daria golo". Uma tristeza. Uma vergonha.
Vai Witsel pelo meio, entra na área e já estão milhares de cerebelos em fúria: "remata-me essa merda, pá, que coninhas", o estádio suspira, pede o remate, alguém do adversário lembra, no meio das bancadas, "este belga não tem jeito para o remate, podemos estar descansadinhos da silva", os relatadores vociferam, indignados, furiosos com tanto tempo perdido, tanta ocasião de remate que se desvanece. Até que... Witsel passa a bola. "O quê? O que é que estás a fazer? O que é que tu queres com isto?", e depois, quando já Joaquim Ritta preparava a sua brilhante exposição dos factos, lá se ouve do fundo da garganta: "olha, olha, é goooooooooooolo". Nolito rematou. O mundo ficou feliz.
Pelo menos era este o sentimento de 43 pessoas que votaram ali na sondagem, respondendo à pergunta: "O que esperar da época?". Mais: não só acreditavam numa gloriosa jornada europeia, como viam o Benfica vencer a Liga, a Taça de Portugal, a Taça da Liga e mais 3 troféus angolanos. Hoje, mais comedidos, certamente dispensariam a segunda prova nacional, num gesto de solidariedade com o rival da segunda circular. Entende-se o gesto simpático e o próprio clube entendeu por bem corroborar esse desejo, deixando na Madeira a possibilidade de vencer o troféu, 8 anos depois. Somos uns mãos largas.
No entanto, que não se espere do adepto qualquer outro altruísmo para além deste que já passou - talvez, se o calendário não o permitir, ainda venhamos a abdicar de algum sucesso em terras africanas mas nada, nada para além disso. A partir de agora, Champions, Campeonato e Taça da Liga são objectivos fulcrais para o resto da época.
A última, porque é nossa por direito e dever: 3 títulos em 4 possíveis é a chamada benfiquização do torneio - como nas outras competições nacionais, o Benfica lidera por números insuperáveis e assim continuará a ser.
Quanto ao campeonato, olhando o calendário e as performances adversárias - Sporting, como se previa, em direcção ao abismo (Olá, Natal) e Porto, apesar de alguns sinais de retoma, muito pouco capaz de manter uma regularidade constante até Maio -, diria que o Benfica só não será campeão pelos motivos que já anteriormente apresentei: incompetência/teimosia de Jorge Jesus. Se o treinador do Benfica souber aliar à competência táctica a flexibilidade de opinião em relação aos (excelentes) recursos que tem no plantel, muito dificilmente não andaremos todos nus pelo Marquês daqui a uns meses. Pelo Marquês e pelo Mundo, que o Benfica não vive de esporádicos lugares no planeta nem da necessidade de fazer de uma cidade uma espécie de fortaleza dos sentimentos. Amigos, sejamos simples na análise: se fizermos o nosso trabalho, seremos campeões. Se o não fizermos, também seremos. Só noutro ano qualquer.
Já em relação à Champions, a ópera é mais bufa. Há reais possibilidades de chegarmos aos quartos-de-final e ficamo-nos lucidamente por aqui. O resto que vier será sempre dependente de outros factores que não só a nossa qualidade: arbitragens (sim, na Europa também as há de muito má raiz) e, acima de tudo, da competência do adversário. É que jornadas à Porto 2004 só há para cagões. Ou acham que seria possível alguma equipa chegar até ao troféu ultrapassando Lyon, Corunha e Mónaco? Era bom, era. Mas essa sorte só calha ao Mourinho - sim, a mesma sorte que o treinador português usa para justificar a excelência do futebol do Barcelona. Mais parvo do que ele, mas mesmo muito mais parvo, só mesmo Muricy Ramalho - homem por quem tinha grande admiração e que, de repente, de um momento para o outro, passou a estar nos "2 most wanted" a abater. O outro é, claro, Jose Antonio Camacho. Há que extirpar o futebol destes cancros.
O benfiquista é um ser muito estranho. A última moda do benfiquista é a de querer o Milan como adversário nestes oitavos-de-final da Champions. Não se sabe bem porquê nem de onde lhe veio tal ideia - ele próprio hesita, reflecte sobre a afirmação, tende a negar o que diz, mas no fim afirma convicto: "se é para jogar com os maiores, venham eles!", pleno de grandiosidade e superação. O que o benfiquista esquece é que o primeiro lugar do grupo foi tão querido e tão apetecido precisamente para evitar que os "maiores" nos aparecessem pela frente logo à primeira ronda a eliminar. Temos tempo, caro benfiquista, se não for nesta será na próxima, não se preocupe tanto com isso - é que isto não é a Liga Europa, não sei se está a ver.
Depois também se esquece o benfiquista de que, em tempos de crise, os milhões aveludados que cheguem aos nossos cofres são injecções vitais de possíveis grandes contratações lá para o final de época - sem esses cifrões, não dará para trazer um ou dois artistas que decidem títulos. Não sei se está a compreender a ideia, meu caro benfiquista. Se pudermos passar esta eliminatória e amealhar dinheirinho do bom, deixemos a maluqueira de lado e pensemos mais pão pão queijo queijo. Que, se chegarmos aos quartos, já será um caríssimo, daqueles enormes, curado anos a fio em caves nebulosas e bolorentas. Temos tempo, que isto não é a Liga Europa.
Esquece o louco benfiquista ainda de outro pormenor, que não é nada de menor: a diferença emocional e psicológica entre ser eliminado nos oitavos ou ultrapassar essa barreira não só injecta, no caso de passagem na eliminatória, um coice de mula na equipa para uma possível grandiosa campanha europeia (e que falta faz uma campanha épica na maior prova de clubes ao Benfica) como inunda para a luta pelo campeonato nacional. O mesmo é dizer: Benfica nos quartos-de-final da Liga dos Campeões será sempre umBenfica mais forte a nível interno. É que isto é a maior prova de clubes do mundo, caro companheiro. Não é a Liga Europa. Acho que já começa a ver.
Prestígio, dinheiro, possibilidade de sucesso numa prova que faz parte do adn do clube, recuperação da imagem de um Benfica entre os seus pares, alavanca para o sucesso interno - tudo premissas que nos devem fazer querer encontrar logo ao final da manhã um adversário o "menos difícil" possível. Objectivo complexo, já que, entre Milan, Nápoles, Leverkusen, Marselha, Lyon, CSKA e Zenit, não há nenhum adversário que seja, à partida, substancialmente inferior ao Benfica. Há 1 relativamente inferior - o CSKA -, 4 do mesmo nível - o alemão, os franceses e o Zenit - e 2 claramente superiores - os italianos. Digamos que não será o mesmo do que esperar por um de entre Rubin Kazan, Hannover, Legia Varsóvia, Stoke City, Salzburgo, Steaua de Bucareste, Wisla Cracóvia, Lolomotiv de Moscovo, Ajax, Trabzonspor, Udinese, Alkmar ou Viktoria Plzen. O Domingos discorda de mim - acha que era só mudar os logótipos das competições e tudo parecia o mesmo. Mas o Domingos é desonesto e essencialmente muito parvo.
Por isso, meu querido benfiquista, vamos todos concentrar forças num primeiro objectivo: evitar os italianos - não só porque têm excelentes equipas mas porque - é sagrado - o Benfica geralmente não costuma dar-se bem com os ares transalpinos. Segundo objectivo: evitar franceses - não porque sejam melhores do que nós mas porque há coisas estranhas que poderão ocorrer, não sei se está a ver bem o filme. O Ajax sabe do que estou a falar. Por esta altura, já eu daria saltos de contentamento mas, se não fosse pedir muito, e tendo em conta a festiva época por que passamos, se o criador nos retirasse o Leverkusen do caminho eu ficaria muito agradecido e rezaria um Pai-Nosso e uma Avé-Maria com os olhos em regozijo. E depois, já no abuso total de crença, se nos desse de presente o CSKA de Moscovo era como se eu nunca tivesse abdicado daquele dia em que, pronto a prestar vassalagem ao deus maior em forma de Comunhão Solene, decidi não participar da festança dos abutres. Foi bom, porque passei a ver as igrejas como museus e isso, de certa forma, revolucionou a minha visão da arte - tudo tem o seu ângulo óptimo, é preciso é encontrar as coordenadas certas. E os russos - tinham de ser os russos - comem criancinhas ao pequeno-almoço, como é sobejamente conhecido.
Não veja, no entanto, meu querido e sempre fiel companheiro benfiquista, neste meu pedido uma ideia de facilitismo. Nada disso. Recorde o que lhe disse atrás: isto não é a Liga Europa. Mesmo os bêbados dos moscovitas far-nos-ão a cabeça em água. Mas, como por essa altura, o rio vai ser de gelo, conto com os nossos aprumados patins para deslizarmos Champions League adentro até à margem dos quartos-de-final.
Após longos debates e revisões de leis, pancadaria, garrafas pelo ar, vidros partidos e uma gritaria histérica no interior do meu cérebro, finalmente chegámos - eu e o júri que há em mim - aos nomes dos 3 sortudos que amanhã apoiarão o Benfica sem pagar um chavo. Explicando todo o processo:
O primeiro critério passava por reconhecer os que acertaram na resposta certa. Ora, neste particular só o Éter, o Diego Armés, o Helder Luis e o MM foram meninos bonitos. Aqui já havia um problema - tínhamos 4 galinhas para um poleiro, embora uma delas fosse uma galinha transgénica que, num assomo de pornografia biológica, se metamorfoseou em osga - vicissitudes da mãe natureza a que não devemos dar grande importância. Para além disso, o Éter disse que só respondeu por responder - no fundo, para humilhar todos os outros, atitude que merece todo o nosso respeito já que consideramos a fraca percentagem de respostas certas uma ultrajante e pecaminosa ausência de cultura benfiquista. Quem não conhece Cosme Damião, não conhece o Benfica. Comprem uma biografia do homem e voltem para o próximo concurso.
Portanto, um não quis o bilhete, outro é sportinguista e outro, o Diego, não quis esperar pelo concurso e, à verdadeiro tuga, desenrascou-se como pôde: roubou um RedPass a uma velha que ia a passar no Museu do Fado originando um diferendo diplomático, visto que a Dona Gertrudes, quando descobriu que lhe faltava o cartão da vida (é assim que lhe chama) pôs-se a vasculhar todos os bairros populares lisboetas, desaparecendo da mira da polícia, dos bombeiros, das autoridades higiénicas e inclusivamente da brigada do reumático que costuma encontrar-se no Princípe Real a jogar à lerpa e que, de 15 em 15 dias, roda a Gertrudes na Pensão Conforto - ali aos Anjos - numa geriatria dos sentidos a que escusamos os nossos leitores nesta hora de almoço. O problema maior disto tudo foi acontecer esperar em Dachau um julgamento à senhora benfiquista, o qual ela falhou por "motivos de ordem maior", escreverá o advogado anos mais tarde, não se percebendo se o motivo da falta de comparência terá sido o benfiquismo exacerbado da Dona Gertrudes, a promíscua e muito condenável relação entre advogado e sua cliente ou, e inclinamo-nos vagamente para esta direcção, os crimes horrendos cometidos em solo bávaro após ter lido as inenarráveis declarações de Goering em Nuremberga.
Tudo isto causou Diego Armés quando decidiu, apressado, não esperarpelo dia de hoje e o anúncio oficial dos grandes vencedores, preferindo, claro, o caminho mais fácil do crime, entregando-se ao delírio do pequeno furto numa rua esconsa de Alfama, ali perto da Taverna d´el Rey, sítio de fados, criando uma confusão sonora à entrada da tarde quando a fadista de serviço vinha de comer uma bruta feijoada e assistiu à cena pouco dignificante de o nosso escriba aos gritos para uma idosa: "dá-me o Red Pass", com uma guitarra à cabeça como arma de possível arremesso. Foram momentos tristes que preferimos deixar no silêncio das coisas passadas.
E é assim que, entre uns que acertam mas não precisam, outros que acertam mas não podem e outros ainda que acertam mas não querem, resta-nos um que acertou e quis (embora nem seja para ele!). O Helder Luis é, portanto, o nosso primeiro vencedor! Parabéns e que o Emerson faça uma grande exibição.
Por esta altura, tínhamos um problema. A quem dar os restantes dois bilhetes, se ninguém mais acertou? Passámos ao segundo critério: qualidade na resposta. E aqui penso que não restam dúvidas: o nosso caro Constantino esteve mais uma vez uns furos acima da média. Constantino, sai agora de Almancil a nado que o prémio é teu! Parabéns e que o Roberto continue a frangar por terras de nuestros hermanos.
E agora? Com algumas respostas na caixa de email, outras aqui, não era fácil. Decidi-me pelo JNF, porque, de entre as soluções apresentadas, a dele faz todo o sentido - não divulgo, obviamente; se querem saber, vão ao estádio e perguntem-lhe. Parabéns, JNF, e que o Jesus nunca rape o cabelo.
Aos outros, é não esmorecer. Acontece que muito provavelmente haverá baixas. Estão, portanto, todos os que responderam como suplentes. Caso haja alteração, avisá-los-ei, tendo de voltar ao processo moroso da revisão do código penal e das leis que eu próprio inventei. Mas há esperança.
Aos extraordinários vencedores, peço que me contactem por email para resolvermos o sítio onde eu vos darei os bilhetes em troca de uma grade de minis.
ADENDA (23:57): Como previsto, os vencedores JNF e Constantino foram chamados ao sorteio da UEFA à última da hora e não poderão dar o contributo à equipa. A partir de agora, há 2 bilhetes à disposição para os gajos mais rápidos no gatilho a enviarem um email a pedir o talão dourado. Como isto está difícil de dar bilhetes (porra, nem de borla, benfiquistas?), está aberta a sessão a todo o tipo de gente: ladrões, assassinos, pedófilos e - imaginem - também sportinguistas. Se vocês não vão, vai o MM. As coisas a que vocês me obrigam...
1) É provável que Luisão volte à equipa no próximo jogo, depois de ter estado ausente num ciclo de jogos difícil mas que a equipa, mesmo sem brilhantismo, superou bem, deixando, no entanto, cair o objectivo Taça de Portugal: Sporting (c); Marítimo (f); Otelul (c); Marítimo (f). Boas notícias para o Benfica, que se vê reforçado pelo seu líder e jogador fundamental na forma como se organiza toda o jogo a partir de trás. O erro de não ter assegurado um central de qualidade, que fosse a primeira alternativa à dupla titular, foi pago com a eliminação de uma competição que queríamos ganhar e com sustos desnecessários nos restantes jogos. Jardel esteve bem frente ao Sporting; em todos os outros, demonstrou não ter qualidade suficiente para ser jogador do Benfica. Comprar um central em Janeiro é claramente uma prioridade, se se quiser encarar o que resta da época com a necessária competitividade que as várias frentes exigirão.
2) Emerson passou a estar nas bocas do mundo pela óbvia falta de categoria para representar o Benfica. Aqui, que se identificou o problema logo de início, essa discussão parece agora pouco interessante e acima de tudo nada produtiva. O que resta ao Benfica é assumir o erro e procurar corrigi-lo, indo ao mercado em busca de alguém que não só não prejudique a equipa - como o brasileiro - mas que lhe traga algo mais de que ela necessita: fulgor ofensivo pela faixa, imprevisibilidade, desequilíbrio. Ainda sobre Emerson, confesso a minha desilusão por ver que a prospecção de um clube como o nosso descobre "talentos" como o brasileiro para a titularidade.Alguém está a fazer o seu trabalho de forma deficiente - e com isso paga o Benfica. Pagamos nós.
3) A renovação de Maxi Pereira tornou-se numa novela cansativa e um bocadinho parola. É muito simples: se o uruguaio tem vontade em ficar no Benfica deve colocar um açaime no seu empresário e resolver, a seu gosto, as negociações; se não tem, pode sair. Nunca foi um grande jogador nem nunca o será - o que lhe valeu nos últimos 2 anos foi uma capacidade física extraordinária e um empolgamento ofensivo que trouxe alma ao jogo da equipa. Tecnicamente, é banal; defensivamente, tem erros que se acumulam e se acentuam esta época, em que parece estar de volta às exibições medíocres das primeiras duas épocas de águia ao peito. Gosto dele, claro, mas não me parece que tenhamos de endeusar um jogador que, além da qualidade assim-assim, põe tantos entraves à renovação de contrato. E, mesmo que fique no clube, espero que possa ter alguém que com ele lute pela titularidade. Pode vir já em Janeiro, para que se prepare a provável saída do uruguaio no final do ano.
4) Por outro lado, Aimar. Não se sabe qual será o desfecho no final de época. Todos esperamos que renove e que nos permita vê-lo jogar por mais uns bons anos com a camisola gloriosa. No entanto, parece-me que todo o seu historial - futebolístico e humano - merece-nos a solidariedade da compreensão. Se Aimar quiser voltar à Argentina, só teremos de agradecer - estes 4 anos já ninguén nos tira. O que me preocupa é a excessiva dependência que a equipa tem do futebol do argentino. Culpa exclusivamente de Jesus, que insiste em não criar alternativas nem dar hipóteses aos que, no plantel, podem ser utilizados naquela posição - Bruno César, evidentemente, mas também David Simão. Não é muito avisado consumir todas as fichas em Aimar e depois, se ele sair, deixar a equipa sem ideias ou ter de mudar o modelo de jogo. E, já agora, mesmo ainda enquanto Pablito se mantém entre nós: na saída de bola, tem de vir atrás; não pode ficar tão distante dos lugares onde sabe construir e encontrar caminhos para o golo.
5) Bruno César não é ala, Gaitán não é ala, Matic não é trinco, Nolito merece muito mais tempo de utilização, Saviola está a ser desperdiçado - tudo evidências que o nosso treinador faz por, teimosamente, não entender e que originam perdas de forma, desmoralização de alguns jogadores, sentimento de injustiça e de que há uns mais preferidos do que outros - Jesus não sabe gerir um grupo de homens, do ponto de vista mental, e é por isso que, em vez de ser um treinador de sucesso continuado, será sempre um bipolar, entre a frustração e a glória. Espera-se agora que, vendo Bruno César de rastos (não é um ala, não é um ala), e tendo a sua aversão a colocar Nolito em campo (não se sabe bem porquê), Jesus não decida estragar outro jogador, Rodrigo, colocando-o encostado à faixa. É que tem sido notável a forma como Jesus tem esvaziado todo o talento que tem à sua disposição. Só falta ver David Simão a lateral-esquerdo ou Ruben Amorim a médio-esquerdo. Ah, espera...
6) O futebol praticado é confrangedor: não só pela falta de qualidade em termos puramente futebolísticos mas pela falta de solidariedade entre os jogadores. Na primeira parte do último jogo da Madeira, o Marítimo criou a única oportunidade clara de golo de que dispôs (que acabou, claro, com defesa de Artur) na sequência de um lance do nosso lado direito em que há um jogador que perde a bola (Rodrigo ou Cardozo), deixa-a para o lateral maritimista, com Maxi para 3 jogadores por essa faixa, e fica a gesticular, a passo, como se o que se estava a passar ali fosse algo em que não teria de participar. É um lance que resume bem as quebras de concentração e agressividade ao longo do jogo que esta equipa tem. Em bolas paradas, vêem-se dois ou três preocupados com os espaços a ocupar na área - Javi, sempre; Luisão, sempre; Garay, sempre -, com aqueles bracinhos esticados à meninos de jardim-escola, e outros perfeitamente alheados do lance, olhando para outro lado, mexendo nas meias, incapazes de ficar dentro do jogo durante o tempo que ele dura. Emerson, então, é de levar um adepto à loucura. Aqueles olhos perdidos, como alguém de 3 anos que foi deixado sozinho no meio de uma praça de touros, aqueles braços para baixo, o susto, o medo, o temor, já originaram 342 inícios de ataques cardíacos a jovens e idosos por esse Portugal profundo, sempre que a televisão decide focar o temeroso brasileiro. E isto torna-se ainda mais triste quando, um dia antes, tínhamos visto a melhor equipa de futebol do Mundo demonstrar que a vitória não é só consequência da qualidade superior dos seus atletas ou da visão táctica acima da média do seu treinador. O que aquela equipa tem, mais do que qualquer outra - e essa é também uma das razões por que tanto fascina -, é uma solidariedade e um espírito combativo que não têm paralelo nas restantes. A perda de bola não significa ir a passo para trás, sejas tu avançado ou médio ofensivo, trinco ou defesa-central. A perda tem de ser o momento imediatamente anterior a logo partirmos em busca da posse - verdade tipo lógica da batata mas que no Benfica não se vê. Aliás, o Benfica parece muitas vezes voltar aos anos 70 e 80: há uns que defendem, outros que atacam. E no meio, Aimar, tipo playmaker dessas décadas. O Jesus devia ver isso. Ou então o gajo lá de cima, aquele que está em constante "online".
7) Apesar de tudo isto, temos o quê? Oitavos da Champions, liderança do campeonato. Então tu - jovem, adulto ou idoso -, que sofres pelo Benfica, estás à espera de quê? Sexta-Feira, dia feliz de descompressão, podes ir ver o Benfica acabar com esta parca ração de futebol e golos e brindar-nos com uma noite de goleada, enquanto os artistas nos deliciam com futebol de eleição. É às 20:15, não te esqueças.
Nota sobre o concurso: afinal o anúncio dos vencedores só aparecerá amanhã. Isto porque ainda não existem. No meio de respostas erradas, más performances criativas e algumas coisinhas mais giras, vou ter de inventar um regulamento qualquer que permita encontrar os 3 felizardos. Não vai ser nada fácil. Amanhã, por volta da hora de almoço, que é a altura de ir comprar os bilhetes, já saberão as vossas sortes.
Merece isto uma explicação, antes do elogio: o blogue "A Ilíada Benfiquista" só não está aqui elogiado porque desapareceu do filme, entre películas estragadas e técnicos de som demasiadamente vocacionados para os pequenos cultos da decadência parisiense. O que JAS fez pelo Benfica é algo que ficará nas entretelas do benfiquismo e, portanto, só quem gosta de chupar a carne do osso compreende. O blogue em si morreu, pode ser que regresse um dia.
Sem mais, chegamos hoje ao elogio de um blogue que mantém não só uma regularidade assinalável (menos em dias de jogo, claro) como a certeza de estarmos perante um espaço de benfiquismo que humilha a vocação e o esforço de Himmler. Não, este rapaz, que se chama Constantino, ama tanto o nosso clube que faz dele uma via para ser mais feliz.
Alguém já leu o "A mão de Vata"? Uns dirão: "claro que já li, achas que és o primeiro?"; outros, mais preocupados com as taxas de juro, olharão primeiro para o quadro da Mona Lisa que têm em casa, dirão à mulher, entre sorrisos e desamores, "ó filha, sai da frente do televisor", e, no fim, vão perguntar ao espelho: "mas de que caralho está ele a falar?".
Falo do man que vive o Benfica conseguindo a proeza de gozar com ele e amá-lo, numa poção mágica que advém do facto de ser um cromo mais sentimental e obviamente mais inteligente do que a grande maioria dos que fazem blogues em louvores ao Benfica. Ler o Constantino é tentar traduzir as entranhas de todos nós, benfiquistas e portugueses, enquanto comemos mais um pastel de bacalhau e achamos que, sim, este é que foi como devia ser.
Eu falo por mim: se o Benfica fosse liderado por gente como o Constantino, de certeza que não haveria João Gabriel. É que até para a farpada é preciso ter classe. E o "A mão de Vata" tem uma classe que não vive no Cagalhão para a Comunicação e não sobrevive à incapacidade dos benfiquistas rirem de si próprios. É uma coisa que vem de dentro, não sei explicar, é instintivo e damiano.
Mas o que eu quero mesmo dizer é que o Constantino é dos gajos mais bonitos da blogosfera benfiquista. E nem sequer tem de fazer por isso. Ama de tal forma o clube que abdica de levá-lo tão a sério que lhe crie cabelos brancos. Se me permitem: Carrega, Constantino!
Exceptuando o resultado - que vale muito mas que por si só não garante nada, antes adia a hecatombe -, tudo o resto foi miserável, especialmente a segunda parte, em que, em superioridade numérica durante quarenta minutos, só nos últimos cinco o Benfica conseguiu a primeira ocasião de golo digna desse nome - um penso rápido que não estanca a hemorragia que se adivinha.
Felizmente os rivais estão também em estado decrépito. Pode ser que chegue. Mas não acredito.
Amanhã disseca-se este sofrimento. Por hoje, mais 3 pontos. Aproveitemos a beleza da ilusão. O barco ainda não foi ao fundo.
Em momentos de crise, solidariedade e soluções alternativas - este podia ser o meu lema, se eu tivesse lema. Como não tenho e ando muito magoado com os benfiquistas que ficam em casa, decidi dar bilhetes. Assim, simples, sem explicações de maior: dão-se 3 bilhetes para o Benfica x Rio Ave (um para sócio, dois para acompanhantes) em troca de uma resposta certeira e de uma frase originalíssima.
A pergunta a que os meus caros terão de responder requer historiografia benfiquista (trabalhem lá um bocadinho, é fácil); a frase é muito simples: têm de justificar por que razão, em vez de comprarem bilhete, andam à mama pelos blogues do Benfica. Simples, não é? Os 3 marmelos vencedores serão os que responderem acertadamente à questão e convencerem este que vos fala da vossa urgente e merecedora ida ao Estádio à custa da minha conta bancária. Ora então cá vai:
- Para além dos variadíssimos cargos que Cosme Damião exerceu no Benfica - e no desporto português -, que outra função de extrema importância teve o fundador do Glorioso?
Aceitam-se subornos, desde que criteriosamente clandestinos.
O Benfica está em fase descendente, a caminho do precipício que deverá ocorrer já este fim-de-semana no regresso à Madeira. A partir daí, seguir-se-ão pontos perdidos que farão com que, por Fevereiro, a hipótese de revalidar o título seja meramente matemática. Restará a Champions que - se o sorteio não for à moda lusitana, em que o Benfica tem quase sempre os mais difíceis desafios - poderá servir de última paragem para as alegrias dos benfiquistas. Claro que será sol de pouca dura. Aos quartos-de-final é possível chegar; mais que isso, não. Talvez chegue então - embora o grupo seja, surpresa!, o mais difícil - mais uma Taça da Liga - a quarta consecutiva. Talvez. E, nesse caso, a Direcção tomará as medidas certas para alegrar o povo: camisola pensada propositadamente para o feito extraordinário e a frase panfletária: "Já são 4!".
Quem é Emerson e o que faz no Benfica? Como é que um mero curioso como eu percebe em Agosto que faltam laterais e central ao Benfica e a estrutura dirigente não? Em que parte do guião está escrito que é possível vencer o que quer que seja com um cepo como titular indiscutível? Sonho, ilusão, esperança? É mais demência, alucinação, estupidez.
Mas Jesus está bem e recomenda-se. Próximo objectivo: ir à final da Champions com o Barcelona.E, quase de certeza, golear.
Numa fase em que 90 por cento dos adeptos benfiquistas quer Saviola fora do clube e 9 por cento admite a sua permanência no Benfica, desde que numa figura meramente decorativa, compete-me dar voz aos 140.000 restantes que vêem no argentino uma clara mais-valia desportiva.
Não pretendo evangelizar ninguém, convencer os insatisfeitos e muito menos impor-lhes a minha versão da história. Ela é, como quase tudo no futebol, passível de uma subjectividade que ultrapassa as linhas visíveis do conto matemático. Concorde quem quiser, interrogue-se quem ache importante, critique o que não achar nesta narrativa lógica ou sentido alguns. O que peço é que, entre diálogos e argumentos, não se caia na banalidade das visões facciosas e dos insultos gratuitos. Se não se julgarem capazes, não comentem. Simples, prático, barato e altamente recomendável à saudinha de todos nós.
Perguntar-me-ão: ainda é Saviola um elemento fundamental neste Benfica, merecedor de ser aposta recorrente, seja a titular ou como opção vinda do banco?
Responderei: sem margem para dúvida.
De todos os elementos do plantel do Benfica, é-me muito claro que o argentino faz parte do núcleo duro daqueles que, se se pretende um futebol alicerçado na qualidade estética e simultaneamente eficaz e ganhador, têm obrigatoriamente de jogar a maioria dos jogos.
Ponho-o no patamar de Artur, Maxi, Luisão, Garay, Javi, Witsel, Aimar, Gaitán e Cardozo como os jogadores que, salvo raras excepções, deverão entrar em campo logo de início. Cada um deles com as suas características e importâncias específicas em determinado momento do jogo e em certa fase da época, mas todos eles indiscutíveis - na qualidade que podem trazer à equipa e na importância de estarem no relvado.
Saviola não representa só - embora fosse suficiente - uma qualidade acima da média, fundamentada na invulgar inteligência com que constrói e compreende os movimentos de desequilíbrio aliada à presença intimidante que o seu nome representa para os adversários; há um extra, que é toda uma mais-valia que não é aproveitada quando Saviola não joga: a relação profundamente umbilical que, em campo, tem com Pablo Aimar - uma sucessão de caminhos para a baliza, através de linhas e espaços invisíveis que só eles antecipam e posteriormente exploram e que, por não serem transparentes aos olhos dos adversários, constituem um lado do golo que ninguém conhece.
Perder Saviola - por aquilo que é por si só mas também por ter no plantel Pablo Aimar - é, portanto, ignorar as várias chaves que eles oferecem em direcção à vitória. Que o pequeno argentino seja desaproveitado naquilo que pode dar à equipa não será certamente por defeito próprio mas por parca visão de quem o treina.
Mas aproximemo-nos das críticas que lhe são dirigidas: fraca condição física, ausência de golos, displicência.
Quanto à primeira, é, quanto a mim, uma falsa questão: Saviola não necessita de uma extraordinária forma atlética para fazer o que faz bem. Aceito que se diga que perdeu algum do pique com que nos brindou no princípio da sua carreira - é verdade que sim, todos os seus movimentos evoluíram para outros espaços e outras formas de encontrar soluções, que não passam, hoje, pela iniciativa puramente individual, de rasgo, de confronto em drible. Mas essa evolução (a que muitos chamarão de putrefacção), embora faça dele um alvo fácil de abater pela crítica - quem não gosta de ver uma lebre em desenfreadas correrias? -, nada diz do seu jogo nem, muito menos, o prejudica; pelo contrário, consciente de ter perdido parte da chama do sprint, Saviola é hoje um jogador que entende melhor o conceito de, em vez dele, girar a bola. Não lhe peçam que se desunhe a correr atrás da bola; dêem-lhe antes uma equipa que saiba controlar os tempos e rodá-la em busca dos seus movimentos. E, para isso, Javier Pedro tem condição física mais do que suficiente.
Do que mais recorrentemente se fala é dos golos que (não) marca - como se alguma vez tivesse sido um matador. Mas nunca se fala dos golos que marca, não marcando. Daqueles que, por aquilo que faz em campo, surgem naturalmente. Com Saviola no relvado, é mais fácil fazer golos, disso não restam grandes dúvidas. Se a equipa não está moldada de acordo com o que deve ser um conceito colectivo - adequar às características dos jogadores uma filosofia que os potencie ao máximo -, e o Benfica de Jesus não o está, que não caiam as críticas sobre quem as não merece. Dêem a Saviola um avançado complementar (como Cardozo é), um meio-campo equilibrado, composto por jogadores com um nível cerebral e técnico acima da média, e podem crer que verão Saviola não só dar, directa e indirectamente, muitos golos como ele próprio os marcará, embora não seja isso - marcar golos - o que deve ser-lhe pedido, porque é um jogador que, pela excelência que tem da compreensão dos apoios que deve dar, dos espaços que deve ocupar e da solidariedade colectiva que possui, estará muitas vezes longe das zonas de finalização. Ainda assim, bem integrado numa equipa potenciada ao máximo (e o Benfica tem jogadores para isso), marcará sempre 15 a 20 golos por época, que foram os seus números há dois anos atrás.
A última das críticas, então, é quase pornográfica, na injustiça de tal afirmação. Se há jogador que compreende - e são poucos na equipa de Jesus - a noção de pressing colectivo, esse jogador é Javier Saviola. O que dificultará esta percepção é a forma como o faz: não necessita de andar atrelado a um jogador, pressionando individualmente, distante de todo o movimento do resto da equipa (como o fazem, por exemplo, Cardozo e Gaitán); fá-lo de duas formas: ou antecipando o espaço onde a bola cai ou, maioritariamente, condicionado o passe do adversário para zonas laterais onde sabe que a equipa é forte a chegar. Basta ver os jogos com atenção para descobrir na movimentação do argentino uma muito maior valia táctica do que em qualquer outro avançado do plantel. Por outro lado, Saviola raramente executa displicentemente (que é o que lhe criticam) passes absurdos ou em busca do gesto artístico pelo gesto artístico - em que Gaitán é rei. O que acontece recorrentemente é que a sua velocidade de raciocínio e execução não é acompanhada pelos colegas - um exemplo claro é a forma como, com espaço, Saviola executa para a frente do colega, indicando-lhe quase as coordenadas do resto da jogada e permitindo a fluidez da mesma e, não raras vezes, a bola acaba pela linha lateral ou nos pés de um adversário porque o colega parou, querendo-a nos pés. Outras vezes, faz um passe de ruptura que ninguém está à espera, aparecendo o colega em fora-de-jogo ou sem reacção ao lance, porque o não anteviu.
Tudo isto é frequente nos jogos em que Saviola está em campo e tudo isto contribui para uma percepção errada, a meu ver, daqueles que são os atributos reais do argentino. Com Ramires ficava mais fácil, com Di Maria, do último ano, ficava mais fácil, com Coentrão, ficava mais fácil. Com Gaitán, por aquilo que não entende ainda do jogo e por, esse sim, muita displicência, torna-se monstruosamente mais difícil. Com Aimar, foi sempre como respirar.
A tarde estava triste. Não chorava mas envolvia-nos com aquele bafo frio de nuvens densas, a que é costume chamar-se de "um dia de merda". As pessoas, no entanto, pareciam não estar preocupadas. Afinal, o dia era de Debate quinzenal!
Logo muito cedo começaram a chegar à Praça de São Bento os costumeiros vendedores de cachecóis com as famosas imagens da Assembleia e as bandeiras a vermelho, com a cara do melhor jogador da casa: José Sócrates, exímio driblador de questões incómodas e maestro na arte de, no semi-círculo de discussão, falar mais no que as equipas adversárias não fizeram no passado do que debater os assuntos da sua própria equipa - um génio com a gravata ao colarinho.
Confesso que estava nervoso. Era a minha primeira experiência na "Casa da Democracia" e tinha sérias dúvidas sobre as prestações de António Pereira Coelho e de Ribeiro Cristóvão. Sobre o primeiro, a minha inquietação maior residia em saber se seria capaz de servir de tampão às transições económicas a que, muito provavelmente, estaria sujeito por parte da bancada adversária; já sobre o segundo, questionava-me se seria homem capaz de funcionar, em apoio, com profundidade na hora de assistir o nosso grande goleador.
Para acabar com o nervosismo, eu e uns amigos, empolgados pela multidão eufórica e por uma sede indesmentível, estacionámos ao pé de uma barraca de cerveja e ali ficámos, em alegre cavaqueira, até perto do início da contenda. Estava um ambiente algo conturbado: viam-se, ao longe, os primeiros adeptos socialistas e, não fosse a imediata intervenção da autoridade, teríamos saído dali todos à batatada - continuo a dizer que as Juventudes em nada dignificam a Política, são bandos de delinquentes sempre em busca de motivos para a violência. É certo que apoiam, que gritam muito, que têm barba e que têm megafones, é certo também que, na arte da demagogia e ignorância mais suja e mais baixa, eles são peritos - afinal, estão bem instruídos desde muito novos, logo que entram nas faculdades. Por mim, deixava a política entregue aos adeptos, apenas e tão-somente aos adeptos apaixonados pelas causas; os que se sentam nas tribunas do Parlamento, não gritam e são civilizados.
Quando faltava meia-hora para o debate, acabámos a cerveja de um trago e dirigimo-nos para a entrada. Como tínhamos bilhete, estávamos tranquilos e não havia motivos para preocupações, certo? Errado. Hoje em dia, já não se pode ir à política sem que sejamos apalpados por todos os lados e olhados com descrença por energúmenos de coletes fluorescentes, como se fôssemos alguns criminosos que decidiram ir ver política, sem outro intuito que a violência gratuita. Senti-me indignado! Para além da normal apalpadela, ainda me retiraram dos bolsos um isqueiro que o PSD de Abrantes me tinha dado há mais de 10 anos, o mp3 que tinha uma música cubana sobre o "Comandante" e a fita no cabelo por revelar - nas palavras do energúmeno e cito - "razões suficientes para uma batalha campal, devido à cor alaranjada". Bom, lá entrei sem isqueiro, sem mp3 e com o cabelo desgrenhado, na esperança, porém, de que o debate valesse a pena e pudesse esquecer mais uma atribulada entrada no semi-círculo do poder.
Chegados, o mesmo de sempre: alguém estava sentado na minha cadeira. Blá, blá, blá, "o seu lugar é na tribuna em cima do Luís Fazenda", "não é nada, é perto do Portas", "é sim, veja, A 22, lugar 18, tribuna bloquista". Lá saiu o barbudo, com cara de quem não comia, não dormia e não f... ingia há uns bons meses e eu, finalmente, pude encostar-me e esperar o espectáculo. Meus amigos, e que deprimente foi! Sócrates, na zona central, felizmente não fez um único passe a rasgar a bancada da direita; sempre em movimentos circulares, atirava para trás, grunhia para a frente, voltava a meter a bola no passado, chegava-se à entrada do semi-círculo direito mas logo recuava e voltava a empatar o jogo. Do lado da nossa equipa, um jogo de cintura assinalável; muita táctica, muito empolgamento, muito sorriso irónico, mas política... nem vê-la. Parecia que nenhuma das duas equipas queria ganhar. Absurdo!
O mais interessante da contenda foi observar como anda o "Sistema" por estes dias em Portugal. Meus amigos, a arbitragem foi escandalosa, do princípio ao fim! Jaime Gama, que já me estava atravessado desde aquela ida a um mercado, em que não beijou nenhuma das peixeiras, foi igual a si mesmo: gritante desigualdade de critérios, autoritário em demasia com os nossos e caseirinho como sempre. Há um lance no debate que não deixa dúvidas a ninguém: quando Pedro Santana Lopes se preparava para rematar contra a baliza de Manuel Pinho, atirando-lhe com um remate em "os portugueses não têm dinheiro para comer", aparece Pedro Silva Pereira, já na primeira bancada à entrada para o átrio, que ceifa o nosso líder parlamentar com um "não diga mentiras, pá!". Punições? Nada! Nem um "Ministro da Presidência, estamos na Assembleia da República", quanto mais um "Pedro Silva Pereira, faça o favor de abandonar o Parlamento e ir tomar banho mais cedo". Escandaloso!
Mais tarde no debate, já perto do fim, outro lance em que Jaime Gama, arguido no processo "Apito socrático", mostrou toda a sua tendência para a equipa da casa: estava Alberto Martins a gastar tempo, tecendo loas infinitas ao goleador José Sócrates, quando do seu lado direito um seu companheiro de bancada se vira e diz: "muito bem, muito bem", aplaudindo, meus amigos, aplaudindo! O que fez Jaime Gama? Fingiu não ouvir nada e foi complacente: "faça o favor de terminar, deputado Alberto Martins". Se isto não é um roubo de Parlamento, então não sei o que é! Muito triste. Assim não vale a pena vir à política. Se é para isto que sofremos e gastamos dinheiro, quando podíamos ter ficado em casa, confortavelmente a ver o debate pela televisão, então não vale a pena.
Quando acabou o debate, ficámos algum tempo a olhar no vazio - com aquela cara anestesiada de quem acaba de ver um debate de merda e não ganhou - e à espera que os adeptos da casa saíssem. Para meu espanto vejo, no interior do semi-círculo, Sócrates e Santos Silva numa galhofeira pegada sacarem de um cigarro e começarem a fumar em pleno terreno de debate. Eu, que tinha ficado sem isqueiro e farto de andar a fumar ao frio, sempre que me decido a sair de casa e quero - veja-se a heresia - ir comer fora, questionei o segurança que, com um ar sábio e algo arrogante, me respondeu: "Devem ter fretado a Assembleia". E eu tudo bem.
[Texto recuperado de um outro blogue onde escrevo - "Um Homem não Chora"-, de 30 de Maio de 2008, que infelizmente mantém toda a actualidade]
1) Dois laterais de qualidade superior(e um central) -Penso que é hoje óbvio para todos que Emerson não serve como primeira opção - nem sequer, opinião pessoal, como alternativa. Uma falha grave no planeamento da época que pode ter repercussões dramáticas, se não se encontrarem formas de admitir o erro e o colmatar com um jogador de qualidade acima de qualquer suspeita. A meu ver, é muito simples: se Emerson for o titular até final de época, todos os objectivos da equipa estão seriamente em risco. Esperemos que, por parte de quem pensa o futebol no Benfica - dirigentes e equipa técnica -, haja a humildade suficiente para deixar cair a primeira aposta do Verão e a sabedoria necessária para encontrar uma solução indiscutível.
Do lado direito, o cenário é menos grave, embora exista também um problema: falta um jogador que não só seja alternativa a Maxi como lute com o uruguaio pela titularidade. O lateral-direito tem qualidades que todos apreciamos - intensidade, agressividade, dinâmica ofensiva, garra, querer "à Benfica" - mas está longe de constituir a melhor solução, ainda para mais numa fase em que parece estar a voltar aos primeiros tempos no clube. Os erros sucedem-se, como na época em que chegou: perdas de bola inadmissíveis, desposicionamento constante da linha defensiva (são vários os lances em que deixa o adversário em jogo), incapacidade para acompanhar o atacante do seu lado, quando a bola é cruzada da ala oposta, distracções, forma física deficiente. Maxi Pereira, por tudo o que tem feito nos últimos anos, merece ser uma aposta firme nesta equipa mas só teria a ganhar (e, por consequência, a equipa, que é o que mais importa) se tivesse competição séria dentro do plantel.
Menos premente do que nas laterais - mas que obriga a uma reflexão -, surge a questão do central que seja alternativa à dupla titular. Jardel não é suficientemente bom para o Benfica e Miguel Vítor poderá ser pouco, no caso de uma lesão prolongada de Luisão ou Garay. De contactos anteriores com o Vasco (clube no qual temos dois jogadores emprestados, o que serve como arma favorável à negociação) e pela qualidade indiscutível que tem, Dedé seria uma tremenda mais-valia em Janeiro.
Todas estas questões foram aqui identificadas em Agosto. E, se não têm sido motivo de preocupação maior, à regularidade dos titulares e à capacidade colectiva da equipa muito devemos. Mas isso não invalida que tenha havido uma deficiente abordagem à planificação do plantel. Que os erros sejam admitidos e superados, é o que se espera de uma Direcção que diz querer uma época desportiva de glória. Caso contrário, a frustração - à imagem da época passada - será um cenário facilmente adivinhável.
2) Preparação mental/orientação disciplinar - Aexpulsão de Cardozo no último fim-de-semana deverá servir como estudo sobre a falta de uma orientação clara por parte de quem gere o futebol no clube. É evidente a injustiça da decisão do árbitro, tal como evidentes têm sido várias injustiças arbitrais ao longo da época. Sobre esta premissa - que se alastrará e provavelmente se intensificará nos próximos meses -, deverá assentar a pedagogia feita aos jogadores. Se temos a noção de que, a qualquer acto mais "espontâneo" dos nossos atletas, surgirão medidas drásticas por parte de quem arbitra os nossos jogos, a única resposta - porque é a que podemos controlar - passa por condicionar os nossos a um comportamento exemplar dentro do relvado, fazendo-os compreender que da capacidade de disciplina e auto-controle dependerá o sucesso do colectivo.
A expulsão do Cardozo não só prejudicou a estratégia num jogo importantíssimo - que felizmente superámos, mas que poderia ter criado consequências nefastas - como nos retirou uma solução, a mais efectiva, para o jogo na Madeira. Como este caso, outros houve em que os nossos jogadores foram admoestados, justa ou injustamente, sem razão para tal; apenas e só porque não souberam reagir mentalmente a uma decisão arbitral - Aimar, especialmente, torna-se repetitivo na recolha de amarelos idiotas.
Compete a quem lida com os jogadores que estas situações aconteçam muito raramente e em momentos impossíveis de contrariar o sentimento de injustiça. Tudo o resto, deverá desaparecer. Também passa por aqui a diferença entre uma equipa adulta e um equipa incapaz de gerir emocionalmente os vários momentos de um jogo.
3) Qualidade nas bolas paradasofensivas- Há um paradoxo na forma como a equipa aproveita as suas qualidades: se, por um lado, pelo tipo de jogo que apresenta, as situações de bola parada são em grande número e, pelas características dos próprios jogadores, há uma vantagem clara em relação a quase todas as outras formações ao nível da estatura física e dos movimentos, bem treinados, que o colectivo desenvolve neste tipo de situação específica de jogo, por outro, e isto é que causa perplexidade, são em dose industrial as vezes em que a bola é mal pontapeada.
Seja em cantos, livres laterais, livres à entrada do meio-campo, a percentagem de lances em que a equipa deixa de aproveitar as qualidades que tem por deficiente arremesso é sinal de preocupação e deverá ser seriamente estudado e melhorado. Não se admite que jogadores da qualidade de Aimar, Gaitán, Bruno César, Amorim marquem cantos e livres quase como infantis, batendo ou muito por cima ou tão fraco que a bola cai imediatamente nos pés do primeiro defesa adversário.
A juntar a isto, que é consequência do mau arremesso, surge o mau posicionamento dos que ficam mais atrás em campo e da lenta reacção à perda de bola, gerando vários contra-ataques perigosos que, em vários jogos, poderiam ter definido as partidas de modo comprometedor. Vemos Jesus gesticular bravamente do banco, nessas situações. Mas o problema, como é óbvio, é dele e é a ele que devem ser pedidas responsabilidades: tudo advém do treino.
E, se o treinador do Benfica é capaz de treinar eficaz e por vezes brilhantemente a movimentação dos seus jogadores dentro da área adversária, terá de saber igualmente como colocar a equipa de modo a que, primeiro, as bolas cheguem ao destino e, segundo, caso não cheguem, como deverá reagir o colectivo aquando da perda. Erros destes - que temos visto ao longo dos jogos desta época -, contra equipas de maior qualidade, serão letais. Para o jogo e, a médio prazo, para os objectivos até final do ano. Mais uma vez, a mesma linha quase invisível entre frustração e glória. Os detalhes que decidem épocas.
4) Saída de bola - No final do último encontro com o Sporting, Jesus, na sua bazófia habitual, defendia que a equipa está preparada para lidar com uma pressão agressiva e alta por parte dos adversários. Não está. Ou melhor: está, só que não da forma que possibilite a melhor estratégia para o jogo que queremos implementar.
A resposta que está programada a um pressing agressivo (como o que o Sporting usou em grande parte do jogo do passado fim-de-semana), passa por criar, em jogo directo, duas zonas preferenciais de destinatários: o avançado, geralmente Cardozo, e a direitado meio-campo, geralmente Witsel ou Gaitán. É uma solução que permite menos risco mas que "entope" o jogar do Benfica, porque na altura da recepção o jogador está rodeado de adversários e porque muitas vezes não tem apoios para manter a posse.
Esta solução serviria os interesses de muitas equipas mas defendo que ao Benfica, pela qualidade que tem, este é um tipo de solução que não interessa e, pior, prejudica gravemente a ideia de jogo que Jesus quer para os seus jogadores. Mais interessante, embora mais arriscado e que requer outro tipo de treino e aperfeiçoamento, seria solucionar o problema passando a jogar, mesmo contra equipas muito pressionantes, em posse de bola corrida e sempre rente ao relvado, usando preferencialmente o passe vertical em detrimento do jogo directo ou do passe em largura (neste particular, tendo uma peça como Emerson, é suicídio procurar a lateral como fuga).
Como fazer isto, sem arriscar em demasia? Não baixar tanto Javi - mantendo-o no seu espaço da linha do meio-campo, criando um apoio alternativo e fixando um jogador adversário - mas baixar, em simultâneo, Aimar e Witsel, cada um do seu lado. Assim, o central que tivesse a bola tinha quatro apoios directos (o guarda-redes, o lateral, o outro central e o médio do seu lado) e um apoio indirecto (o pivot defensivo, que serviria não só de apoio ao apoio, caso a equipa criasse progressão, como de "tampão" às investidas do adversário, se este quisesse subir mais no terreno). Nesta configuração, que obviamente requer uma dinâmica mais trabalhada e uma maior certeza de passe, o posicionamento dos extremos seria fundamental: não abertos nas linhas, mas interiores, à frente de Javi.
Num desenho, teríamos um dado com o número 5: Aimar e Witsel em baixo, Javi ao centro e César (Nolito) e Gaitán em cima. Espaços curtos, vários apoios, prioridade para as as combinações e a equipa mais junta, sem pontapés para a frente pelo ar e com várias alternativas para progredir, com bola, até ao meio-campo adversário.
Claro que para os jogos com o Feirense até o jogo directo serve. Mas o Benfica entrará nos próximos meses numa espiral de jogos fundamentais contra equipas de grande qualidade e organização, em que o pressing à nossa saída de bola será uma constante (mesmo as equipas pequenas já perceberam que devem forçar, mesmo que com menos jogadores, a nossa posse logo no início, como forma de condicionar a dinâmica do nosso jogo). Encontrar uma solução que aniquile essa pressão alta adversária, sem que por isso percamos a nossa identidade, é, pois, fundamental para o sucesso a médio e longo prazo. Para a glória e não para a frustração.
5) Ter um Gaitán ao nível do seu talento - Das coisas que me custa mais ver neste Benfica é o desperdício criminoso das características únicas do argentino. Há ano e meio que falo em colocá-lo numa posição de menor dimensão física e de maior aproveitamento das suas qualidades - a segundo avançado. Gostava que um dia o Jesus o fizesse mas deixei de ter esperanças: Jesus quer interpretá-lo como um jogador de ala, com movimentos interiores, buscando a sua capacidade de desequilíbrio e de passes de ruptura.
Assim seja: Gaitán numa das alas. Mas então há que moldá-lo à posição onde joga. Se Gaitán neste Benfica será sempre um ala, convém que tenha adquiridos os fundamentos básicos para que o colectivo não sofra com as displicências frequentes do argentino. Chamo-lhe displicência, porque não é uma questão de não entender o jogo. Gaitán simplesmente não quer fazer mais. Isso fica evidente nos jogos da Champions ou contra os rivais nacionais, em que se vê um jogador completamente diferente: apoia o lateral, dando apoios (não só ajuda fisicamente, como sabe ocupar os espaços), recua em sintonia com o adversário, fecha ao meio, dobrando colegas que se desposicionaram momentaneamente.
Se um jogador faz isto em certos jogos, e fá-lo bem, é porque entende o que deve fazer a cada momento de um jogo. Se o não faz sempre (ou quase sempre), a culpa é do treinador, que permite que, em determinados jogos (a grande maioria), Gaitán se arraste pelo relvado, apenas esperando que a equipa conquiste a bola para finalmente acordar e começar a jogar futebol. Começa aqui a conquista de um Gaitán diferente: obrigá-lo a uma consciência defensiva colectiva para lá dos jogos de maior visibilidade. Se isto for conseguido, não só o argentino aumenta os níveis de concentração e intensidade - melhorando o seu jogo - como, por arrasto, toda a equipa se desenvolve em campo de forma mais eficaz - porque aproveita a qualidade inegável do jogador e deixa de estar condicionada à ideia de que deve compensar os adormecimentos de Gaitán, emperrando a própria dinâmica.
Lembrem-se das vossas peladinhas de Quinta à noite. Recordem-se de quando sabem que têm lá um gajo que só fica à mama. O que é que acontece? Para lá de o chamarem de tudo e de acabarem à porrada com ele, em campo há sempre aquela ideia que vos martirza o espírito, sempre que vêem o adversário a cavalgar contra vocês: foda-se, recuo mais ou vou mais à direita para compensar a ausência daquele filho da puta que está a fumar encostado ao outro poste?
No meio desta dúvida, nem vão à direita, nem recuam, nem pressionam, o cérebro pára ali por um segundo e quando vocês voltam à realidade já andam a correr feitos tontos sem saberem para que lado devem ir. Numa equipa profissional, em dimensões diferentes, isto também funciona assim: a confiança/desconfiança que temos em relação aos colegas de equipa faz toda a diferença não só no sucesso/insucesso mas individualmente na forma como tomamos decisões. Limpar o espaço de dúvida, garantir que cada um dos onze que estão em campo se concentrem nas suas aptidões e responsabilidades (não propriamente funções, porque o futebol deve caminhar para um jogo em que não haja propriamente funções em campo, mas uma osmose entre dinâmicas individuais), promover a solidariedade entre cada dois, entre cada três, no limite, entre cada 11, será sempre a melhor resposta à necessidade colectiva e a ao bem-jogar.
Ter um Gaitán ao nível do seu talento não só traz à equipa a extraordinária capacidade criativa e original do argentino - que gera incerteza no adversário e dúvida sobre as soluções que lhe aparecerão pela frente - como solta todos os outros jogadores para, também eles, potenciarem ao máximo as suas virtudes. E quem ganha é o Benfica.