Imaginemos que, por uma estranho fenómeno temporal, os últimos 30 anos do futebol português tinham sido apagados do mapa das memórias de todos os adeptos do mundo. Desapareciam os registos dos jogos, das equipas, dos vencedores de Campeonatos e Taças, desapareciam as personagens escabrosas que o representaram; desapareciam as arbitragens circenses, os golos anulados por auto-golo adversário, as defesas de guarda-redes 3 metros fora da grande-área, os sprints de uma equipa inteira atrás do árbitro, as agressões a jornalistas, desapareciam as escutas do Apito Dourado, não havia registos de café com leite, Casas da Madalena, aconselhamentos matrimoniais por parte de um Presidente a um árbitro na noite anterior a esse mesmo árbitro ir arbitrar um jogo da equipa desse mesmo Presidente.
Desaparecia tudo. O último registo, quando fôssemos procurar por vídeos, notícias, arquivos, jogos antigos, datava de 1982. Esqueçam tudo o que estes 30 anos nos deram - e se foi bonito e maravilhoso este tempo.
Agora imaginemos que um dirigente estrangeiro ou um técnico estrangeiro ou um jogador ou um adepto estrangeiro aterrava no nosso país em Agosto de 2012 e por cá tinha ficado até hoje, 27 de Novembro de 2012, a estudar o fenómeno futebolístico nacional, em busca de pistas que corroborassem o que alguns portugueses lhes tinham dito sobre os últimos 30 anos mas que, por uma estranha dinâmica cósmica, tinham sido apagadas da face da terra. No fundo, mais do que um perscrutador de sentimentos, esse agente estrangeiro seria um investigador de uma possível sequência de factos que continuassem o que tinha sido apagado. Não podia estudar os últimos 30 anos, mas podia, com os dados de 3 meses de 2012, entender o porquê de uma suspeita que as pessoas levantavam sem que as provas - por estarem apagadas - pudessem iluminar o estudo do espião além-fronteiras.
Agora ponhamos o agente estrangeiro a estudar dois fenómenos desta época: o silêncio sepulcral por parte de Fernando Gomes aquando das declarações ofensivas de Pinto da Costa sobre a Federação e a curiosa dicotomia de manifestação crítica por parte de Salvador entre o jogo de Alvalade e o jogo em Braga contra o Porto.
Chamemos ao nosso investigador Klaus Gustavsson, para nos distanciarmos ao máximo da cultura latina e para darmos ao agente uma máscara escandinava, que traz sempre aquela credibilidade da frieza e método sem mácula, da crítica justa, do estudo intensivo e parco absorver de dinheiros ilícitos e corrupções. Klaus está em Portugal há 3 meses, estuda o fenómeno do futebol português e nada nem ninguém o demoverá de levar para as altas instâncias dos estudos científicos europeus as suas assertivas conclusões sobre a podridão do futebol português.
Klaus leu todas as transcrições dos comentários jocosos e ofensivos de Pinto da Costa sobre a Federação Portuguesa de Futebol. Ouviu-os em vídeo, viu as expressões do líder portista, chamou especialistas na área da análise das expressões, do perscrutar profundo do modo como os olhos se reviram e iluminam, a forma como a boca abre e para que lado, o narizinho se encolhe ou expande, a dinâmica das orelhas, o cabelo, a maçã do rosto se altera. Tudo junto e após alguns dias sem dormir, Klaus, alicerçado nas suas teorias e nas opiniões da equipa de especialistas que trouxe de Gotemburgo, conclui: Pinto da Costa insinua sem provar coisas gravíssimas, como o enriquecimento absurdo da Federação, a mentira nos valores recebidos pelo jogo no Gabão, as escolhas do técnico estarem condicionadas por agentes e empresários. Mais: alimenta-se da ideia anti-patriótica de ser a Selecção um lugar de puro aproveitamento do trabalho dos clubes para insinuar que deve a mesma ser instrumentalizada pelos dirigentes das instituições nacionais, em especial a sua, o Futebol Clube do Porto. Klaus chega mais longe: verifica que, em resposta às ofensas gratuitas e infundadas de Pinto da Costa, o Presidente da Federação responde com o silêncio. Klaus escreve, a vermelho, num post-it que deixa agarrado à caneca de café um segundo antes de adormecer sobre os papéis: «Gravíssimo. Indício de promiscuidade».
Na manhã seguinte, Gustavsson tenta entender o silêncio de Fernando Gomes. Como é possível um Presidente não defender a sua Federação após ataque tão torpe e indiciador de um poder desmesurado por parte de um líder de um clube? Klaus não tem arquivos que lhe demonstrem o óbvio: Fernando Gomes é portista, Fernando Gomes fez parte do Apito Dourado, Fernando Gomes quer ser Presidente do Porto. Mas Klaus tem, como têm os outros especialistas que o acompanham, pernas para ir ao encontro de alguns portugueses que se encontram a beber vinho e abafadinho numa tasca junto à Rua Augusta e tem, como têm os outros especialistas, uma boca para fazer perguntas. Klaus ouve histórias, junta peças, começa a entender o estranho silêncio, completa o puzzle: Fernando Gomes é um peão nas mãos do Presidente do Futebol Clube do Porto. Na página 39 do seu relatório, Klaus disserta assim:
«Após longos dias a tentar entender o silêncio do Presidente da Federação Portuguesa de Futebol sobre as graves, insultuosas e de fraco teor humorístico (é conhecido e bajulado no país por ter uma fina ironia do mais alto alcance intelectual) declarações de Pinto da Costa, uma ideia iluminava-me o estudo: tentar compreender a relação entre os dois. Sem dados que mo comprovassem, estudei as dinâmicas entre os dois nos últimos três meses - declarações, silêncios, respostas, modos de actuar - juntamente com sondagens feitas por todo o país junto de adeptos de futebol e de clubes distintos. Sem arquivos, a memória desses adeptos e os relatos contados (alguns apontando para uma óbvia acção criminosa que corroboram todas as suspeitas que, de Gotemburgo, fomos ouvindo mas nunca conhecendo a fundo) foram essenciais para a descoberta de uma rede de interesses entre os dois Presidentes que explica tanto o dislate fácil por parte do líder de um clube como a ausência de resposta e defesa da sua Federação por parte do Presidente da mesma. Em Portugal, passam-se coisas estranhíssimas, sendo a influência do Presidente do Porto nos órgãos de poder do futebol português a mais evidente. Há indícios muito fortes - quase inesgotáveis e irrefutáveis - de que os últimos 30 anos foram arrasadoramente criminosos em benefício do Futebol Clube do Porto».
Esta página 39 do relatório de Klaus Gustavsson é apenas uma parte de um longo dissertar sobre as idiossincrasias do futebol luso e nem sequer a mais profícua no que a denúncias claras sobre o modo de actuação de Pinto da Costa diz respeito. Basta ler a página 73 do mesmo relatório, na qual Klaus aborda a temática da promiscuidade entre clubes:
«Estudei com cuidado interesse a relação do Futebol Clube do Porto com os restantes clubes da Primeira Liga. O que me pareceu ao princípio uma saudável ligação consubtanciada numa permuta de atletas e comunhão de interesses rapidamente se me revelou não um encontro de ideias mas uma relação de subserviência dos referidos clubes ao clube-mor, a qual se encontra bem explicada pelas constantes declarações por parte dos agentes desses clubes no final dos jogos: contra o Porto, atletas, técnicos e dirigentes adversários tecem loas à organização fabulosa da equipa portista, aceitando a derrota com a inevitabilidade do poder do clube maior, mesmo quando são prejudicados em termos arbitrais. Contra as outras equipas - especialmente contra o rival do Porto, o Benfica - são vários os exemplos de declarações injuriosas, algumas ofensivas, outras caindo facilmente no campo das insinuações, sobre o modo de actuar dos árbitros, mesmo quando nada no jogo e na arbitragem o justificasse.
Parece claro que há uma acção orquestrada por parte dos agentes dos clubes submissos ao poder portista de, semana a semana, esconder os benefícios arbitrais ao Porto, vangloriando a sua excelente qualidade, ao mesmo tempo que, sem fundamento, semana a semana, os agentes desses clubes criam na opinião pública a ideia de um benefício ao Benfica - pelo estudo executado, totalmente inexistente; se há clube prejudicado pelas arbitragens nestes primeiros 3 meses de competição, é sem qualquer dúvida o Benfica, que, nos dois jogos em que perdeu pontos (dois empates contra Braga e Académica), foi de forma evidente prejudicado pelo árbitro.
Como exemplo maior desta estranha forma de actuar por parte dos agentes dos clubes submissos ao poder portista, destaco a actuação de António Salvador, Presidente do Sporting Clube de Braga, que em apenas uma semana denotou um comportamento errante e altamente supeito. Em Alvalade, sentindo-se, bem, prejudicado pela arbitragem, o Presidente do Braga lançou no final do jogo duras críticas ao árbitro acrescentando uma informação privilegiada sobre uma suposta ida de Godinho Lopes, Presidente do Sporting, antes desse jogo à sede da Federação Portuguesa de Futebol. Declarações fortíssimas que, tendo fundamento na crítica à arbitragem, pareceram desmesuradas e tiradas de contexto na forma como insinuaram que o árbitro estaria condicionado pela acção do Presidente do Sporting. No entanto, e admitindo a extrapolação nas suas declarações, entendi as mesmas como a defesa acérrima dos direitos do seu clube, pelo que esperei pelo jogo do último fim-de-semana para uma comparação mais realista e justa.
Não tive de esperar muito tempo, já que uma semana depois o Braga recebeu o Porto na Pedreira, perdendo nos últimos minutos um jogo que, logo aos 20 minutos, teve um penálti evidente a favor do Braga que não foi marcado. Durante o jogo de Braga, reli as declarações de António Salvador sobre o jogo de Alvalade e esperei com interesse o que diria no final do mesmo, visto que se o lance de golo anulado ao Braga no jogo contra o Sporting podia ainda ser alvo de alguma interpretação dúbia, o lance na Pedreira era de todas as formas claro e objectivo: penálti óbvio não assinalado. Para espanto meu e de toda a minha equipa, António Salvador nada disse no final do jogo. E facilmente compreendi e lembrei os vários relatos ouvidos ao longo destes meses: o Braga é um dos clubes submissos ao poder portista e serve os interesses do clube-mor de uma forma evidente. Como clube com maior projecção de entre os vários da Primeira Liga com ligações ao Porto, transmite de forma perfeita à Comunicação Social a ideia essencial:Porto é mais forte e não é beneficiado pelos árbitros; os outros não são tão fortes e são beneficiados. É este jogo de declarações, meticulosa e metodicamente explorado semana após semana, que cria a falsa ideia de uma superioridade evidente do Porto em relação aos outros clubes, quando na verdade, apesar de ser uma grande equipa, o clube beneficia constantemente de arbitragens favoráveis e jogos de interesses nos órgãos de poder nacional que favorecem a sua hegemonia em território luso e as boas prestações europeias.»
Muito curioso, este relatório de Klaus Gustavsson. E uma demonstração de uma qualidade de análise de que dramaticamente precisávamos há anos a fio. Pena não poder - por estarem apagados - aceder aos arquivos dos últimos 30 anos. Como seria interessante que Klaus pudesse ouvir as escutas do Apito Dourado, perscrutá-las a fundo e retirar conclusões que levasse posteriormente às altas esferas políticas e desportivas europeias. Talvez os títulos comprados no Supermercado por parte do Porto de que Ferguson falou mais do que uma vez deixassem de ser apenas umas frases imberbes e passassem a ser motivo de aprisionamento de certos agentes beatos do nosso futebol e de justa descida de divisão a clubes que, controlados por corruptos, têm conspurcado as nossas competições.
No que ao Benfica se refere, é intrigante o final da página 92 do relatório de Klaus Gustavsson. Intrigante e motivo de grande preocupação para nós, benfiquistas:
«Após a descoberta de uma teia de interesses a favor do Porto - entre clubes, órgãos de poder e comunicação social - interessei-me pela actuação dos dirigentes do clube que mais tem sido prejudicado pela corrupção portista: o Sport Lisboa e Benfica. E os resultados são dúbios e estranhos. Em resposta à constante desvalorização por parte de Salvador de prejuízos frente ao Porto e de uma política de ataque cerrado ao Benfica (a equipa lisboeta e os seus adeptos já foram várias vezes recebidos com pedras, insultos, agressões, provocações, ameaças na Pedreira), o Presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, sempre que há um episódio nefasto ao clube que preside, vem afirmar que é amigo pessoal de António Salvador, tendo inclusivamente levado a sua equipa a estagiar na Pedreira dias depois de o Benfica ter sido recebido de forma vergonhosa em Braga sem que o Presidente Salvador tenha demonstrado qualquer tipo de repúdio pelas acções dos seus adeptos. É uma actuação estranha e que merece novo estudo, visto que não parece haver a mesma defesa acérrima do clube por parte de Luís Filipe Vieira que, por exemplo, Pinto da Costa e António Salvador executam sempre que, mesmo sem motivos, se sentem prejudicados.
No estudo, procurei também compreender a forma como o Benfica se relaciona com as instituições de poder que têm estado aprisionadas pelo Futebol Clube do Porto. Também aqui estranhos indícios de uma actuação bizarra: aos constantes prejuízos arbitrais, aos constantes benefícios ao Porto, aos silêncios comprometedores de Fernando Gomes sobre declarações ofensivas de Pinto da Costa (a que fizemos referência mais atrás), descobri, incrédulo, que Luís Filipe Vieira apoiou a candidatura do actual Presidente da Federação à Presidência da Liga e que, anos mais tarde e abandonando o mandato para que fora eleito na Liga, quando Fernando Gomes se candidatou à Presidência da Federação Portuguesa de Futebol, o Presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, não só patrocinou a sua candidatura ao cargo como veio a público afirmá-lo e de forma assertiva, usando da frase "o Benfica apoia INEQUIVOCAMENTE Fernando Gomes para a Presidência da Federação Portuguesa de Futebol".»
De facto, Klaus Gustavsson parece ter percebido mais do futebol português do que muitos jornalistas, agentes desportivos e adeptos, especialmente os do Benfica, sobre a realidade desportiva nacional. Talvez possamos voltar a saber de Klaus Gustavsson quando este apresentar novo relatório, no final da época. Por ora, fiquemos com a sua conclusão definitiva:
«Com o poder nas mãos, o Porto cria hegemonia de duas formas: controla, de forma corrupta, o futebol português ao mesmo tempo que cria condições para construir grandes equipas de futebol. Mais poder, melhores jogadores; mais benefícios, melhores equipas; mais promiscuidade com outros clubes, mais jogos facilitados. O ciclo é interminável e só acabará quando um dos outros grandes clubes se dispuser a dar-lhe um final. Especificamente o Benfica, que é o único clube actualmente que pode criar condições para a extinção do chamado "sistema do futebol português". O problema, no entanto, é evidente: a incompetência evidente de quem dirige o clube juntamente com a falta de visão e estratégia, apoiando quem patrocina todo o benefício estrutural ao Futebol Clube do Porto, apenas promove e sustenta que o ciclo hegemónico do clube presidido por Pinto da Costa se perpetue por tempo indefinido. Bastaria metade da defesa intransigente que o Presidente do Porto faz do seu clube a Luís Filipe Vieira; bastaria metade da competência de decisões que o Presidente do Porto tem enquanto líder do seu clube a Luís Filipe Vieira; bastaria metade da inteligência de saber escolher os seus dirigentes que o Presidente do Porto tem enquanto líder do seu clube a Luís Filipe Vieira. E o Benfica ganharia o triplo do que ganha o Porto.»