Queria que este texto fosse o
menos fracturante possível. Deve ser um texto que ofenda o menos possível a
sensibilidade de qualquer que seja o benfiquista. Vocês já conhecem os nossos
argumentos (estão brilhantemente elencados no post anterior do Ricardo), mas eu
vou retirá-los todos da mesa e ficar apenas com o que Vieira nos diz:
Vieira é do Benfica. Todos os
funcionários e dirigentes que ele colocou no Benfica são e defendem o Benfica.
O apoio que endossou a determinadas figuras na Liga e Federação tem
justificação e defendem os interesses – vá lá, empresariais – do Benfica no
panorama das competições nacionais. E por aí fora…
Agora começando de novo:
porquê o Vieira, novamente?
Tenho pensado no recorde de
anos na presidência que o Vieira atingirá se for reeleito. Porque será que
outros ilustres Presidentes da nossa história não ficaram mais tempo?
A minha teoria é que um
Presidente é, acima de tudo, um embaixador, um máximo representante da identidade
e valores do clube; pode-se comparar com o que deverá ser um Presidente da
República. Um Presidente não é um ditador, não é um cacique que interfere em
toda a orgânica, constituição e dia-a-dia de um clube. O Presidente é um
guardião da identidade e tradição do clube. Porque se não o for, passará ele
próprio a fazer parte da identidade do clube, como hoje já acontece (“a
televisão do Vieira”). O clube nunca deve ser confundido com o seu Presidente,
e deve surgir sempre à frente do seu Presidente. Este é, repito, apenas um
embaixador.
Faço-vos um desafio: Digam nomes de Presidentes de clubes europeus que o adepto comum saiba de memória, e
que não sejam corruptos ou caciques, ou ambos. Eu começo. Em Inglaterra não há
nenhum, excepto sheiks ou mafiosos russos do petróleo (que são donos). A
família Glazer nunca a ouvi falar no MU, ou mesmo aparecer a propósito do clube
(mesmo sendo donos). Em França houve o Tapie. Em Espanha o Florentino Perez, mas
já não é qualquer um que se vai lembrar do Rossell (aqui é importante compreender
qual dos clubes é mais dependente do Presidente; qual tem mais força apenas por
si mesmo). Em Itália o Berlusconi ou o Moratti (porque são donos, mas não
deixam de ser mafiosos). Na Alemanha só o Kaiser, porque é o Kaiser, e mesmo
esse é um pouco mafioso. Esta para mim seria razão suficiente para votar contra
o Vieira. Para garantir que o clube é nosso e não de um homem ou dos seus
séquitos. O Porto é o pinto da costa, para o bem e para o mal. Eu não quero
isso para o meu clube. A maior crítica que faço ao Vieira – repito, a MAIOR – é
ele não promover a alternância na Presidência, a proximidade, o diálogo
construtivo entre os benfiquistas que querem fazer parte do futuro do clube. É
disso que tenho mais medo. Do que isso poderá significar. O segredo do sucesso
do Benfica será quando o seu caminho, a sua identidade residir em si próprio e
não em quem o dirigir - vejam o Barcelona - e verdadeiramente salvador o Presidente que
trabalhar nessa direcção. Penso que no Benfica se está a passar o contrário.
Por outro lado, se admitirmos
“for argument’s sake” que o Presidente, nesta particular conjuntura, deverá ser
mais do que referi, ficamos com o quê?
O Vieira foi reconhecidamente
bom na vertente empresarial do clube. Mas, a marca Benfica é já sustentável?
Esse sucesso empresarial é já, por si mesmo, sólido? O trabalho está ou não
feito?
Eu quero que o Benfica tenha
credibilidade e capacidade de rentabilizar a sua marca. Não quero que seja o
Presidente X a ter a credibilidade ou a capacidade negocial. Se assim for esse
Presidente falhou. Quero acreditar que nesse capitulo LFV não falhou, e que
qualquer Presidente que entre vai encontrar um clube estável, credível e
auto-sustentável.
No capítulo desportivo,
parece inequívoco que ninguém atribui grandes qualidades a LFV. Acho razoável
admitir que não é o forte dele. Mas se assim é, porquê a ideia do mandato
desportivo (outra vez)? Com que razoabilidade se apregoa o dito plano do 3+1+50?
Bom, nem um Presidente pode
prometer tal coisa, nem devia ser da sua responsabilidade. A meu ver, se o
trabalho tivesse sido realmente bem feito (plantel, treinador, director
desportivo, restante estrutura) não seria necessário um Presidente para o
garantir. Estas coisas vêm de trás, demoram a construir. Se o Benfica está
prestes a entrar num ciclo de vitórias nacionais e de pujança internacional
isso deverá acontecer independentemente do Presidente, tal deverá acontecer
mesmo que seja Rangel nesse cargo. Ou não? A venda do Javi e do Witsel no timing
em que o foram já faz parte do 3+1+50? Ou isso acabou, e o 3+1+50 virá agora? O
jogo contra o Spartak na Luz sem Matic (sem meio campo testado) já faz parte do
3+1+50, ou ainda não?
LFV diz que só com ele há
Benfica e só com ele há 3+1+50. Chegamos ao busílis da questão. Todos os
candidatos que surgem, incluindo os benfiquistas que os secundam, são
potenciais Vale e Azevedo. O panorama do Benfica está dividido da seguinte
forma: Benfiquistas do lado do Presidente e maus Benfiquistas na oposição.
Muito pouco democrático. Mesmo muito pouco democrático! Parece-me mais correcto
assumir que todos os que tentam fazer parte dos destinos do clube são
Benfiquistas, não? Nos blogues, no estádio e nos cafés: à partida somos todos
do Benfica. Tenho a sensação que isso foi o que de mais valioso a besta do Vale
e Azevedo nos roubou. A liberdade e a fraternidade entre benfiquistas. Esta
cultura do medo é o cancro da democracia; aliás, está quase sempre associada
a ditaduras e caciques. Sabem quem é que devia defender ao máximo a liberdade,
fraternidade – no fundo o benfiquismo – entre benfiquistas? O presidente, claro
está!
O Benfica é nosso, e sempre
foi. Esse é o grande logro. Sempre votámos em quem queríamos. Eu sei, e
sei que todos sabemos, que a maioria dos benfiquistas queriam naquela altura o
Vale e Azevedo. Sim, sim, queriam sim senhor; só não era para roubar o próprio clube.
O Vale e Azevedo não foi eleito para dar credibilidade e bom nome, foi eleito
para ser rato e trafulha na sequência de um Damásio que era um frouxo. Esse foi
pensamento colectivo que elegeu o Vale e Azevedo - saiu pela culatra, foi só
isso.
Por isso, não tenham medo de potenciais Vale e
Azevedo – ou de potenciais Luis Filipe Vieira, já agora – se não os desejaram,
eles não serão eleitos. Agora se os elegerem, bom, aí é porque os escolheram!
Afinal, quem vota num
Presidente que promete aquilo que já prometeu três vezes e não cumpriu, é
porque sabe que não o vai cumprir agora, certo? Essa será a escolha, a vontade
expressa dos benfiquistas.
Em suma, entre benfiquistas
não devemos ter medo do desconhecido, esse medo só nos vai enfraquecer. Neste
momento esse desconhecido é a melhor opção para defender a identidade e
história do clube, ainda que tenha defeitos apontados. Tal como a democracia, é
talvez o pior dos candidatos, exceptuando todos os outros. Hoje é isso que
temos - o mal menor - para permitir amanhã um bem maior. Ou têm dúvidas que um
candidato forte tem mais condições de aparecer num Benfica de Rangel do que no
de Vieira?
13 comentários:
Bom texto para variar. Foi boa a "tua contratação" para este blog.
Penso que o principal problema é que o medo do que não se conhece (não discuto se poderá ser bom ou mau)faz com que como reacção muitos acabem por votar nos que estão lá, mesmo que não acreditem nele. E não falo no Benfica, mas numa maneira geral... Se se fosse fazer um apanhado aposto que quem está no poder e se recandidatou acabou por ganhar muito mais do que 5% das vezes.
Só uma correcção (e desculpa por estar a ser picuinhas): "Em França houve o Tapie" e não "Em França ouve o Tapie"
Ao votar em branco porque não se revêm em nenhuma das candidaturas?
Mas, afirmam que não podem com Vieira… não façam como Pilatos e lavam as mãos… vote Rui Rangel porque de Vieira já sabemos o que vale. Não se esqueçam… são mais 4 anos do mesmo, depois digam que a culpa é do outro… mas num momento decisivo preferiram votar em branco e assim dando oportunidade a Vieira para se manter no cargo e legitima-lo, mas não se iludam porque serão sempre cúmplices do que para ai vêm.
Entendo todos os argumentos, a favor e contra cada uma das listas. No entanto continuo na dúvida...
Vou tentar ser optimista e pensar (ou desejar) que seja qual for o vencedor o Benfica fica bem servido.
Extraordinário texto!
Gon não sejas ingénuo.
Hattori e MoJo,
Obrigado pelo elogio.
Hattori,
Quero deixar bem claro que, para mim, o medo no Benfica, entre benfiquistas, não se justifica.
Acho esta cultura do medo nociva para o Benfica, e acho que é o maior dos símbolos do esgotamento do Vieira. Acima de tudo, e mais do que o criticar, a minha opinião é (e no fundo muitos concordarão comigo): o Vieira não tem mais a dar ao Benfica. Ora, dá a vez a outro!
(vou corrigir a gralha)
Gon,
Não é assim tão simples...
RN13,
Eu deixei bem claro o voto contra(a sublinhado) o vieira.
Para quem vota e acredita no sistema eleitoral... votar Rangel é a única saída... ou então votar em branco... para quem se respeita... humanamente falando...
Apareces pouco mas quando o fazes rebentas com tudo. Está óptimo, excelente reflexão.
Há uns dias escrevi que, se por absurdo Vieira tivesse feito tudo bem nestes 10 anos, não votaria nele se se recusasse ao debate. O mesmo serve para o que aqui falas: em vez de defender o Benfica de uma guerra fratricida, promove-a. Pior: foi ele que a potenciou.
Para além de tudo o que é sinal de incompetência desportiva e financeira, a falência moral do Benfica de Vieira é uma evidência. Pena que ainda só alguns o tenham percebido e tenhamos de levar com mais 4 anos desesperantes em cima.
Excelente texto Sérgio. Parabéns
eheh, mais uma vez obrigado pelo carinho.
Mas é isso, andei vários dias à procura do argumento mais forte: desportivo, financeiro, mas optei pelo moral, pela questão de valores. Acho muito relevante que seja tão frequente em democracia o limite de número de mandatos.
Num clube isso tem ainda mais sentido; estando todos do mesmo lado, faz sentido trabalhar para dar lugar aos outros, porque simplesmente há muitos benfiquistas com valor e a merecer dar um contributo. A presidência do LFV seria muito mais compreensível, teria muito mais valor se tivesse feito o trabalho que fez e após os primeiros desaires desportivos tivesse procurado soluções, diálogo, fomentado alternativas dentro do próprio clube. Não consigo encontrar muitas razões para um verdadeiro Presidente Benfiquista se perpetuar no clube. Como analogia, a mesma de sempre - o Barcelona. Não é o presidente nem o treinador, é o clube. Esse é o céu!
O texto é musica daquela que eu gosto!
Quando a reflexão tende para a "oposição que temos" é que a coisa se complica.
Existem (quanto a mim) alguns "pecados originais" seja na forma como no conteúdo da candidatura que me deixam descrente.
Olhando para os nomes que de uma ou outra maneira fazem parte da "entourage" da lista B, encontro alguns mais consensuais e com mais provas dadas em termos de militância Benfiquista que Rui Rangel.
Porque não avançou um desses nomes que supostamente criaria menos "pele de galinha"que o meretíssimo?
Parabéns pelo excelente texto Sérgio. Com essa qualidade, apenas pergunto porque não participas mais ? O blog ficaria muito mais rico.
E sim a perda de valores é pior que a incompetência desportiva. A limitação de mandatos e a alternância são características que evitam perpetuações e a corrupção dos valores democráticos.
Infelizmente caminhamos para o Sport Lisboa e Vieira ou o Sport Vieira e Benfica, conforme queirem , onde ou é o presidente ou o caos.
lawrence, pertinente essa questão, que me parece estar a limitar muito benfiquista...
Eu tento ser prático:
estamos a escolher entre um fiat uno (em quarta mão e que já nos deixou apeados várias vezes) e um clio (sem conhecer o dono). Há bmw's e audi's? Talvez, mas não estão disponíveis. Quanto a voto em branco ou abstenção, não me parece muito útil, já que vamos ter que sair daqui de carro, seja ele qual for!
(não me confundam com o Assis - eu até gosto de fiats e clios e coiso e tal :)
B Cool, obrigado - vou tentar escrever mais :) Quanto ao resto, bom é isso! infelizmente...
Muito, muito bom, Sérgio. É isso tudo.
Abraço
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