terça-feira, 24 de janeiro de 2012

E se Rodrigo fossem dois?

A 4 jogos (3 deles fora - todos, por razões diferentes, de dificuldade média-alta) de receber o Porto na Luz e de reiniciar a campanha na Champions, o Benfica debate-se com alguns dilemas do ponto de vista estratégico. Deixo de lado, porque essa é outra discussão, o assunto Emerson e a imperiosa necessidade de ir ao mercado de Janeiro como forma de evitar surpresas desagradáveis - ficará para outras núpcias. Importa-me aqui reflectir sobre a abordagem em termos tácticos que Jesus usará para chegar - como queremos e devemos - ao clássico em vantagem pontual. O mesmo é dizer: como abordar estes 4 jogos para que deles saiamos com 12 pontos?

Na Luz, está mais do que visto: aproximação ao 442 do ano passado, com um médio defensivo, outro de construção, dois jogadores nas alas e dois avançados. A diferença mais óbvia entre a equipa deste ano para a caótica equipa do ano passado passa pelo movimento dos alas: não tão amarrados à ideia de ganhar profundidade, antes em movimentações para o interior, participando mais na construção. Em teoria, resulta. Principalmente, com equipas mais frágeis e de organização débil: Rio Ave e Setúbal foram bons exemplos de adversários que, na Luz, podem ser encarados desta forma. 

Já quando nos aparece uma equipa a controlar com qualidade tanto a nossa saída de bola como os homens responsáveis pelo "esticar" do jogo a meio-campo (o Gil foi um bom exemplo), parece-me uma estratégia que sofre de alguns dos males da época passada: uma saída sem soluções, lenta a mastigar o jogo entre os centrais e os laterais, pouco clarividente na forma como deve sair da pressão adversária e ficando com os alas demasiado distantes para oferecem soluções ao portador. Isto porque Javi vive essencialmente naquele espaço em frente aos defesas (baixando aquando da saída de bola), deixando Witsel numa ilha em que, não raras vezes, sobrevive sozinho num diâmetro de 20 metros, ficando logo à partida condicionado e forçado a uma circulação que não promove a progressão em combinações com os avançados e, especialmente, com os alas. A equipa asfixia e tem de recuar. 

A isto junte-se-lhe a enorme incapacidade de Emerson em largar o seu cubículo no relvado (porque não sabe mais) e um Maxi que, logo na saída de bola, procura muitas vezes o desequilíbrio em profundidade, e temos um jogo mastigado, lento e previsível que pode prolongar-se minutos a mais para aquela que deve ser a atitude do Benfica: entrar para marcar o mais cedo possível e depois, então, controlar o ritmo e a intensidade dos encontros.

O dilema, portanto, existe e é compreensível que Jesus hesite entre querer dois avançados na frente e a busca por um meio-campo que privilegie a circulação e progressão mais eficaz. Por mim, se não houvesse Rodrigo, optaria por um 433, só com Cardozo na frente, entregando as alas a Nolito e César e o miolo a Javi, Witsel e Aimar. A equipa não só se torna muito mais equilibrada como, podendo parecer paradoxal, atinge uma imprevisibilidade para os adversários que, com dois homens mais adiantados, não consegue. A razão disto é óbvia: em 433 promove melhor a qualidade e inteligência dos jogadores que tem, favorece as combinações rápidas e as desmarcações, no espaço lateral ou em movimentos interiores, surgem naturalmente. Porque há mais cérebro. Há Witsel que, ao contrário de quando jogamos em 442, tem ali por perto Aimar e não a 30 metros de distância. Tem os alas mais aptos e disponíveis a diagonais e a uma maior circulação entre eles, porque há mais gente e mais competente a compensar as movimentações uns dos outros. A equipa, no fundo, joga toda mais compacta num primeiro momento para depois soltar-se e desenvolver o jogo sem ficar presa a um único plano de saída. 

Mas há Rodrigo e um Rodrigo num crescendo de forma que tem de ser aproveitado. Pelo talento que tem, pelo jogador que hoje é e não era há meses atrás, pelo entendimento do jogo que começa a ter. E, claro, pelo rasgo. O potencial de desequilíbrio que Rodrigo traz ao jogo "obriga" Jesus a uma possível nova abordagem ao sistema de jogo, embora mantendo no essencial as características que a equipa desenvolve quando em 433. Chamemos-lhe um híbrido: jogar com Rodrigo numa ala, após a perda e, em posse, soltá-lo para mais perto de Cardozo. Um contínuo balancear entre alargar em 442 ofensivo - com Witsel a procurar espaços mais próximos de Maxi - ou condensar defensivamente em 433, juntando-se o belga a Javi e baixando Rodrigo para perto do uruguaio. 

Feirense, Vitória e Académica, fora; Nacional, em casa. Tudo jogos em que este híbrido poderia fazer sentido, numa busca pela segurança e simultaneamente maior capacidade de gerar situações de golo. Os adversários são perfeitos: são organizados mas não têm, do ponto de vista da reacção e intensidade no momento da recuperação, tanta qualidade que nos fizesse temer jogar com Rodrigo numa ala em momento defensivo. 
 
Faça Jesus o que fizer, o que devemos ou queremos pedir é simples: não voltar a jogar com a equipa tão distante e pouco apta a gerir a construção de jogo, como neste último jogo se viu. Se, na cabeça do treinador do Benfica, só vivem duas formas de encarar os desafios, então pedimos aqui encarecidamente que opte pelo 433. É que, se é para jogar com Gaitán e Emerson (valha-nos deus!), há que ter gente inteligente no miolo a compensar as desmioladas e consecutivas acções do nosso Maradona dos Moinhos da Funcheira. Há que ter Pablito com a bola no pé.



11 comentários:

Pedro disse...

Ricardo,

Muito bem, claramente identificado o problema do Gil Vicente como haviamos falado!
Embora eu dê benefício da dúvida a JJ pela poupança de Aimar que poderia não estar nas melhores condições, mas no cerne da questão estamos de acordo! Veremos como o nosso treinador enfrenta já na próxima semana uma deslocação complicada, sim, o campo parece aquele teu vizinho do hóquei de Abrantes! Tem a palavra o nosso treinador!

Abraço
Pedro

PS: Ainda querias que fosse a Santa Maria da Feira, aquilo é um ROUBO!

Diego Armés disse...

E eu ainda vou acrescentar mais um elemento na equação. Mas vou ter de elaborar bem, que o assunto é delicado e não gosto de ser ofendido em caixas de comentários. Quer dizer, tanto me faz. Mas preferia guardar isso para depois.

Quanto à saída com bola, é absolutamente como dizes. Mais: há momentos em que a possibilidade de "cortar caminho" (passe a rasgar, por exemplo - e Garay é tão apto para fazê-los...) não é aproveitada. Se o Benfica tiver 30 minutos de posse de bola num jogo, uns bons 18 são a trocar a bola entre Garay, Emerson, Luisão, Garay e Emerson de novo. Não pode ser. E digo isto num tom levemente indignado.

Pedro disse...

Tão simples Ricardo que pouco mais há a dizer. Concordo em absoluto!!!!!

Anónimo disse...

A vossa embirracao com o Gaitan, lembra-me muito a embirracao com o DiMaria antes deste jogar de Branco.

Ricardo disse...

Pedro, o que aqui é escrito é numa perspectiva de termos todos os jogadores disponíveis e em condições físicas máximas. Não vejo problema em ir gerindo bem a utilização do Aimar. Mas prefiro que ele entre, ajude a equipa a construir um resultado e depois poder sair logo ao 50 minutos do que o que se passou neste último jogo - termos de usá-lo em desespero. E convém ir testando outras soluções no lugar. César, Gaitán, alguém.

É um roubo nojento. Podiam ter recebido 30.000 gajos em Aveiro, preferem aumentar os preços e só receberem 5.000. É o futebol português. Alguém há-de pagar a diferença.

Diego, ser ofendido em caixa de comentários é como respirar. A certa altura já se apagam comentários enquanto se está a atar os sapatos. É natural.

Concordo com o que dizes. Esses passes verticais acontecem pouco e há condições para aparecerem mais vezes. O lance que desembrulhou o último jogo foi assim: Aimar não lateraliza, não mete atrás, descobre o Rodrigo uns metros à frente e mete-lha redonda. São passes que, em termos de desequilíbrio, são muito mais eficazes.

Pedro, insulta, discorda, chama nomes, diz que há aqui alguma agenda. Porra, isso assim deixa uma pessoa desarmada. Não estamos habituados.

Ora cá está o Anónimo a trazer-nos novas teorias. Embirração. Eu chamar-lhe-ia exigência. Mas também pode ser: embirramos em querer ter no Benfica gente que respeite a camisola que enverga. E não pedimos desculpa.

A'guia de Santo Tirso disse...

O que eu gostava de ver era o Benfica jogar num 352 , com um médio esq. que fizesse o corredor todo , e o Máxi na direita ,3 centrais e um triangulo com Javi , Witsel e AIMAGO .
Na frente Cardozo e Rodrigo .
Para alguns jogos claro , e de preferência em casa , algo entusiasmante e avassalador , à Benfica .
Sou leigo em tática , mas futebol e o Benfica tem que ser espetáculo vibrante .

Unknown disse...

Não concordo Ricardo, já aqui o disse varias vezes, que considero o 442 losango a melhor forma do Benfica jogar. O problema é que o Rodrigo com todos os seus méritos e vantagens sobre o Saviola, não é capaz de dar à equipa o que este dá, nomeadamente baixar para dar linhas, seja à lateral seja na zona central e para construir, nomeadamente saíndo a jogar em tabelas com jogadores como Aimar/Nolito ou Witsel. Rodrigo dá uma maior capacidade de transporte, à semelhança de Bruno César, pela aceleração. Tendo em conta o momento de forma de Rodrigo, não faz sentido pô-lo no banco para jogar Saviola, talvez o faça quando o Rodrigo esteja tocado, mas a entrada do Gaitán para o 11, visto que precisa de mimo, traz sérios problemas ao Benfica. Em primeiro lugar implica ter menos 1 jogador na fase de construção inicial. ou seja, com a baixa do Javi para o meio dos centrais e o recuo de Witsel para o meio campo, diminuem as linhas de passe, porque se por 1 lado à esquerda temos o Emerson que não é solução para passar a bola em situações de saída de pressão, perdemos outra linha à direita porque o Gaitán raras vezes baixa e pior que isso quando baixa opta pela solução individual perdendo bolas em zonas muito perigosas para a equipa, contra o Gil voltou a acontecer.
O problema aqui é gerir a motivação do Gaitán versus o prejuízo à equipa. O gaitán tem que estar a top para os jogos da Champions e contra os tripas e vassalos em casa, mas para atingir esse nível precisa de minutos de jogo a sério, não sendo assobiado pela massa associativa. Mas tacticamente o Benfica perde com a entrada dele em campo, em especial porque as equipas acham que jogando o Benfica como menos 1, o emerson (no sentido que se fôr pressionado ou perde a bola ou faz um mau passe e portanto nunca é solução para a saída de pressão), se jogar o gaitán, então são menos 2 e torna-se mais fácil de pressionar uma equipa que na reposição joga com menos. A solução passa por baixarem o nolito para junto do emerson e o rodrigo para o círculo central para aumentar o número de linhas de passe. sempre que o Benfica consegue sair com facilidade da pressão, as equipas adversárias ficam sempre à beira de sofrer, mas o problema é mesmo a saída.

Unknown disse...

Quanto à troca de bola atrás que tanta impressão faz à malta, eu tenho opinião diferente. Acho que o Jesus quer pôr o Benfica a jogar à Barcelona com muita posse e menos transição. O problema neste momento é que dado que os avançados estão longe e alguns médios não baixam o suficiente, acabamos por fazer a troca de bola perto da baliza até surgir uma linha de passe que assegure a ruptura em vez de fazer a troca de bola no meio campo do adversário perto da baliza deles.
é certo que os passes verticais dão balanço, quer os do garay, quer os do luisão, o problema é que muitas vezes não há movimentação suficiente para conseguir esses passes e ou o maxi leva a bola para a frente, ou os médios têm que baixar para vir buscar a bola para começar a transição. Se do lado esquerdo tivéssemos outro lateral com capacidade de transporte da bola, seria muito mais difícil ver as equipas adversárias a quererem fazer pressão junto da defesa do Benfica.

Unknown disse...

Quanto ao jogo do Gil Vicente pareceu-me que a capacidade física do Gil Vicente foi muito superior à maioria das equipas e por isso não estoiraram tipo castanha na segunda parte. Mais ainda, inicialmente não me pareceram fazer a pressão a todo o campo, pelo que se desgastaram menos que os outros, o que estranhei foi a disponibilidade física para estender essa pressão até à nossa área na segunda parte. Veremos como se comportam com os tripeiros.

Ricardo disse...

Bcool, claro que com Saviola o 442 losango funciona melhor mas não conto com essa ideia por parte do Jesus - menos ainda fora de casa.

No resto do primeiro comentário, concordamos - e foi sobre isso que escrevi. Não vejo em que é que discordamos.

Sobre a troca de bola atrás, não tenho problema se ela for consequente e parte de uma estratégia. O que se viu este fim-de-semana foi bem diferente disso: foi uma equipa amordaçada. Precisamente por não ter nem linhas de passe nem capacidade para fazer sair a bola de outra forma que não a clássica pelas alas.

O Gil é uma equipa muito bem orientada, o que me espanta, porque nunca reconheci ao Paulo Alves grande qualidade. Mas o que é certo é que a equipa sabe gerir muito bem os períodos em que pressiona mais à frente ou fica mais compacta. Troca bem a bola, nota-se que tem mecanismos estudados, na forma como sai após a recuperação. Do melhrozinho que vi este ano na Luz. Melhor do que o Sporting, por exemplo, em termos de organização colectiva.

pitons na boca disse...

Tenho a ideia que o 433 de que falas vai ser o usado pelo menos em 2 dos jogos fora que nos esperam, ficando a duvida em quem vai actuar a ala direito. E aqui podemos ter o Gaitan (muito provável, mas esperemos que desta vez com mais atitude), o Bruno Cesar ou mesmo o Rodrigo como fez depois de fazermos o 3-1 com o Gil Vicente até ser substituído (para quem não reparou, nesse intervalo de tempo tivemos o Witsel a médio defensivo, Nolito à esquerda, Aimar e Bruno Cesar claramente no centro e Rodrigo a fechar a direita).
Parece-me claro também que nesse 433 o Witsel terá sempre a tendência para fechar um pouco mais à direita, e Aimar um pouco mais perto do Cardozo, fazendo variar a equipa entre o 433 e o 442.

O grande problema contra o Gil Vicente nem acho que tenha sido propriamente táctico. Foi a velocidade que não se impôs no jogo e aliado a isso a pouca movimentação de alguns jogadores para abrir espaços - muito mérito também das marcações dos gilistas. Muito poucas vezes se tentou esticar o jogo, fomos muito previsíveis e por vezes seria preciso variar a saída de bola para tentar dificultar o trabalho adversário. Se não se conseguia sair a jogar com a bola pelo chão, havia que apostar mais no Cardozo por alto, para aparecerem nas sobras Gaitan e Nolito nas alas e mesmo Rodrigo mais perto ou Witsel atrás. E isso foi coisa que não notei muito, tirando uma ou outra bola longa para Nolito ou as que saíram mal para o lado do Gaitan (e estas não foram por culpa dele). Mastigou-se em demasia o jogo.

É a minha opinião. Mas concordo em quase tudo com o que está escrito.
São doze pontos obrigatórios, nestes 4 jogos.