sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Um orgulho muito meu


Implica contextualizar. Uma pequena cidade do interior, um clube dessa cidade, uma equipa de futsal desse clube, um evento desportivo, a possibilidade de defrontar o Benfica. Ponte de Sor, Eléctrico Futebol Clube, “Ponte Sport”. No passado domingo, entre as demais efemérides, a equipa de futsal do EFC jogou contra o Benfica.
Epílogo lançado, na qualidade de suposto blogger deste tasco (designação comum adoptada, sobre a qual não tenho responsabilidades, mas com a qual simpatizo) e respondendo ao desafio do verdadeiro dono do espaço, venho partilhar uma singela experiência recentemente vivenciada. O espaço é-me familiar, apesar de nunca ter sido um competente e assíduo escriba, visito-o diariamente, qual mirone enamorado. Espreito-o pela janela e muito raramente solto um tímido comentário. Mas interessam-me as dissertações aqui vertidas, os comentários mais ou menos eloquentes, interessantes ou não, estúpidos ou não, oportunos ou simplesmente parvos. Podia agora desfazer-me em razões para não participar activamente, mas seriam desculpas para a pura e simples inépcia. Pois bem, contrariando-a, sou hoje a aborrecer os leitores com a minha estória sobre o dia em que joguei contra o Benfica.
O pavilhão estava cheio, os nativos tinham acudido ao chamamento mágico que um evento com a presença do Benfica invariavelmente encerra. Adivinhavam-se as previsões entre confrades, a goleada seria inevitável, restava adivinhar quantos golos iria a equipa local encaixar dos profissionais. Os mais atentos à modalidade sabiam que o Benfica não contava com os internacionais portugueses (em estágio para o campeonato da Europa) e que o Eléctrico, apesar de infinitamente mais modesto, contava com jogadores experientes, que militantes num disputado campeonato da 3ª divisão nacional, já haviam defrontado noutras ocasiões, equipas de craveira nacional e jogadores de renome. Esses aventariam previsões de vitória menos folgada do Benfica.
Um natural da cidade, atleta do clube há muitos anos, capitão de equipa, adepto atento, mas também fervoroso adepto benfiquista é óbvio que experimenta sensações estranhas numa ocasião destas. Piso o rectângulo, dirijo-me ao círculo central e quem lá me espera não é o capitão do Leiria, da Benedita ou dos Patos do Rossio de Abrantes, não. É o César Paulo, envergando a vermelha, de águia ao peito. O meu, cheio de ar, inchado de orgulho, de barquinho (símbolo do EFC). O árbitro, pouco habituado a tão ilustres visitas, atrapalhou-se no ritual da escolha do campo, pondo a nu os tremores que a situação lhe emprestava às pernas. Já eu debatia-me por conseguir apresentar um semblante sério e competente, mas dava por mim com um sorriso infantil, a absorver cada instante, sem sequer prestar atenção ao sorteio. A ideia era desvalorizar a coisa, era só mais um jogo e o gajo tinha duas pernas como eu. “Toma lá o cachecol, que galhardetes não temos”. Aperto de mão firme e“põe-te a pau, porque se quiseres ganhar aqui, tens que suar as estopinhas” Mas só me saiu um: “Obrigado por terem vindo, é uma honra, aceita esta lembrança.” “Valeu!”,Respondeu ele.
A bola já não sei se saiu nossa ou deles. Sei que percebi finalmente como se sentem as equipas que defrontam o Benfica. Percebi que há uma qualquer força mística que os eleva, os agiganta. Percebi que o Benfica tem de ser melhor que os seus adversários e ainda melhor do que o melhor que os seus adversários conseguem ser. Porque contra o Benfica é isso que eles vão sempre apresentar: o seu melhor! (Isto às tantas está confuso, não?!) E foi isso que se passou connosco.
Assim, a meio do jogo, o grande Eléctrico empatava com o SLB 1-1. Importa aqui referir que o nosso golo foi qualquer coisa de abissal. Não é exagero. Quem nos defronta habitualmente já sabe que temos jogadores que fazem a diferença. Nós estávamos naturalmente avisados para os Dieces, Davis ou Césares Paulos desta vida, mas eles não conheciam os nossos humildes craques. Vai daí, (vai daí fica bem aqui, parece-me), o Paulinho, na cobrança de um livre à entrada da área, perante uma cerrada barreira à qual se juntava Marcão (o guarda-redes) faz a bola (não me perguntem como, seria incapaz de reproduzir o gesto, explicar fisicamente o fenómeno ou pintá-lo em palavras), sobrevoar a barreira, embater suavemente na trave junto ao ângulo e ultrapassar pacificamente a linha de golo. O pavilhão exultou como nunca, vivia-se o momento mais alto da história da modalidade no clube e na cidade. Benfiquistas e outros, todos do Eléctrico, comemoravam como se de um golo do Benfica na final da Champions se tratasse.
Depois o Paulo Fernandes pediu um minuto de desconto, não voltou a jogar com juniores e o Benfica cumpriu a sua obrigação, vencendo, com assinalável dificuldade, mas com inteira justiça, por 4-1.
Tínhamos cumprido um sonho, cumprimentávamos agora, com naturalidade conquistada, alguns dos melhores praticantes do mundo da modalidade. Sentíamos que tínhamos mostrado qualquer coisa de positivo. Eles, simpaticamente, iam-nos felicitando pela boa réplica e nós, orgulhosos, bebíamos os aplausos do nosso público, também orgulhoso. O Benfica visitou-nos, bafejou-nos com a sua magia e colocou-nos num pedestal sem que déssemos por nada. Foi bonito! A todos ia repetindo, enquanto lhes apertava a mão: “Epah, este ano é para sermos campeões!”

12 comentários:

Danilo Oliveira disse...

Belissima história.
Mais um belo momento ilustrando o que é o Benfica para este povo.

Não há lugar para mais um na tua equipa? Pode ser que o Benfica ai vá novamente...

Anónimo disse...

Quem é que marcou um golo ao Benfica? Quem é o gajo? Quem é o gajo?

JNF disse...

Muito bonito, mas...

...devias escrever mais vezes. Ainda por cima escreves bem.

Excelente história, aliás, dá para ver na foto o ar de "puto feliz" que retratas no texto.

Ricardo disse...

Que maravilha, Roger. O texto, a foto, o teu ar de criança, o árbitro visivelmente transtornado com tão grande responsabilidade, o Benfica, o Eléctrico, a Ponte de Sor, o desporto.

Sinto orgulho e inveja (da boa, da que não faz mal) ao mesmo tempo.

Volta mais vezes a esta que é a tua casa, companheiro.

Here Comes The Rain disse...

Altamente. Que inveja man, mas a jogarem de verde às riscas foi bom terem perdido que é para se porem no vosso lugar.

Os lagartos da tua equipa, tentaram lesionar alguém?

Mister D disse...

Roubado uma parte do texto...

Obrigado!

Piso 3 Superior disse...

Linda história. Também quero!

POC disse...

rogerAjacto, tens uma história para contar aos netos. Conseguiste transpor aqui os sentimentos (em parte, claro) que pudesete sentir nesse dia.

Parabéns.

Constantino disse...

roger,

"... mas também fervoroso adepto benfiquista", “Obrigado por terem vindo, é uma honra, aceita esta lembrança.”, “Epah, este ano é para sermos campeões!”...

Isto é o suficiente para o miguel guedes arranjar sarrabulho... se o camafeu nem respeita o Rei, duvido que te vá respeitar a ti, até porque sentimentos destes que tu descreves aqui... eles desconhecem.

Já agora, uma vez defrontei o SLb quando era infantil, pela Selecção de Loulé. Defrontei da mesma forma que vejo jogar o SLB, sentadinho e descansado... mais um dos milhões de jogos que disputei como suplente (ao pé de mim o jose manuel delgado era um aprendiz de suplente). Penso que no geral o meu treinador não quis arriscar um guarda redes com 1,30 de altura para defrontar uma equipa que tinha um avançado (Anildo Luz) que já tinha, bem à vontade 1,75... mas o rapaz era infantil, calma. Sinceramente não sei por quanto perdi (esta é uma das principais qualidades do bom suplente, completo alheamento do jogo, ate porque a pista de terra batida humida do municipal de loule era mesmo perfeita para fazer castelinhos de areia).

Abraço

rogerAjacto disse...

Obrigado a todos pelas simpáticas palavras.

Danilo: Há sempre lugar para mais um. Jogas em que posição?

Anónimo: Chama-se Paulo Paixão e respira talento por todos os poros (pode ser que ainda se venha a falar dele)

JNF: Obrigado, de facto podia escrever mais. Dizer que tenho pouco tempo é desculpa esfarrapada, não é?!

Ricardo: Inveja da boa é fixe! É como me sinto não raras vezes quando leio o que escreves... "Este gajo, pah! Porque é que não fui eu a escrever isto?"

Here: Estas são riscas verticais, não confundir... Houve pelo menos um lagarto que só não comeu relva porque não havia.

Mister D: Estás à vontade, é uma honra.

Poc: Obrigado, aos netos sócios do Glorioso, espero...

Constantino: E pensar que na adolescência cheguei a gostar de Blind Zero... A minha humilde carreira futebolística e, mais recentemente, futsalística também conheceu "períodos de banco", mas felizmente também pude contribuir muitas vezes com a minha vontade (pelo menos).

Abraços, vou tentar vir cá mais vezes...

António marques disse...

Ser do «SPORT LISBOA E BENFICA» é ser cidadão do mundo . E ter sempre alguém do nosso lado,em qualquer pais, ou continente. Pois além de todas as conquistas desportivas, o «GLORIOSO» revela-se ao mais alto nível,nos aspectos humanísticos e solidário.

Rui disse...

Belo texto, onde esse mar de emoções que sentiste está tão bem reflectido... um texto que reflecte um Benfiquismo emocionante. O texto é bem merecedor do blogue, onde o Ricardo também nos desperta para emocionantes traduções de sentimento Benfiquista.
Parabéns :).