terça-feira, 13 de março de 2012

Maravilhoso Rogério "Pipi"

A morte. Explicam-nos em vida o que é a morte. Nunca entendemos. Fazemos pequenos resumos durante o sono ou no quase sonho. Falhamos sempre. Imaginamos uma viagem do ponto A ao ponto B com missangas e derivações de beijos. É mentira - a morte, nossa e dos outros, é uma coisa dorida, que dói dentro de nós e no espaço que nos arredonda. 

Às vezes levamos a morte dentro de nós para ver se alguém nos salva. Ninguém nos salva. Começamos um dia com vontade de libertação e libertamo-nos. Ninguém nos liberta. Nem mesmo aqueles que achávamos que podiam libertar-nos. Sem culpa, nossa ou deles. Só vida e medidas que são deles e nossas. Ninguém sabe como tratar da existência.

O meu Pai morreu há dois anos. Ligaram-me do hospital, estava eu a servir cervejas e tortas de laranja, alguém fez um pequeno compasso de espera, eu rebaixei os joelhos atrás do balcão e disse: "Sim?". Do outro lado, alguém disse: "O teu Pai faleceu" e eu não disse coisa nenhuma nem fiz esgar algum. Pedi licença, vesti-me, fui a casa, bebi uma garrafa de gin e fui para Abrantes. E isso valeu tanto quanto tudo o resto.

Isto para dizer que conheci o Senhor Rogério Lantres de Carvalho, mais conhecido como "Rogério Pipi". Tem laivos de morte e vida. Olhei-o de frente e ainda não tinha o cheiro a caixão, embora tivesse aquele aroma a uma morte provável e quase certa. É possível que seja por isso que seja a pessoa mais encantadora que conheci, já que não deve nada a ninguém e então pode ser homem bom. Rogério Pipi é um homem bom. Manteve ao longo da vida esse resguardo animal de conseguir transportar dentro dele a bondade e todas as coisas que vêm amarradas com ela. Rogério, sem expectativas de futuro, disse-me isto: "ainda estamos à espera de sermos felizes". Isto vindo de um homem que, entre outras coisas, venceu uma Taça Latina e marcou tantos golos quantos os goles que eu darei em copos de gin-tónicos na minha existência.

Abraçou-me no fim da despedida e agradeceu-me. Soube dizer "Obrigado", ainda que os obrigados vivessem todos nos outros corações que, espantados, agradeciam aquilo que se estava a passar. Havia amor ali, e todos procuravam de onde vinha. E o amor nem sequer vinha do Benfica, mas da vontade de encontrar solução para a morte. Como se, por instinto, de repente todos se tivessem lembrado de que não morremos. Não morremos. E o Rogério fosse uma ideia em que todos queríamos acreditar.


18 comentários:

Carlos Carvalho disse...

Muito bom, Ricardo.


Deixo uma prendinha:

http://www.youtube.com/watch?v=vSzq0AhdO2M

Isto para provar que ninguém é perfeito, e que o Carter Beauford não sabe escolher a camisola mais bonita de Portugal.
Tudo bem que o concerto foi em Lisboa, mas foda-se...

http://road.davematthewsband.com/shows/060923/images/05.jpg


Abraço

Anónimo disse...

Foda-se amigo, tu escreves mesmo muito, muito bem... É sempre um prazer ler os teus textos... Keep up the good work...

Vilaocapitao

freddyslb disse...

Ricardo sou um leitor assiduo do teu blog. Não só concordo com a maioria das tuas analises ao quotidiano do nosso Benfica, mas acima de tudo é um prazer imenso ler muito daquilo que escreves, este pequeno texto é disso exemplo!!! Obrigado!

Pedro disse...

Ricardo,

Mais um excelente texto meu amigo...

Aquele abraço...
Pedro

Maria Flausina disse...

Não estou a gostar nada disto! Vou deixar de ler e comentar o 227218!À conta dele cheguei aqui e é isto! Não me posso deixar contaminar assim pela excelente escrita de dois benfiquistas. Já chegava um!
Já vos apaguei dos favoritos, fechei os olhos, enfiei os dedos nos ouvidos e estou a cantar muito alto... e enquanto não desligar o computador, não quero ler/ouvir mais nada! lá lá lá lá...

Miguel A. disse...

Bela foto, grande post, magnífica homenagem ao nosso Rogério "Pipi". Sempre que estou no Estádio Nacional, em pleno relvado a olhar para as bancadas, tento imaginar a imensa alegria dessa tarde em que levantámos a Taça Latina.

Abraço, Ricardo.

Miguel A. disse...

Esqueci-me de dizer: grande privilégio que o tenhas conhecido, Ricardo. (Mais uma vez: há gajos com sorte :-) ) Abraço.

Luis Rosario disse...

Ninguém gravou o raio do encontro, porra?

Onde é que o grande Rogério mora que eu vou fazer-lhe uma espera e obrigá-lo a repetir-se... :)

Abraço!

mago disse...

O melhor que se pode dizer deste texto e' que esta' `a altura da lenda que lhe da' o nome.

O mais antigo campeao portugues vivo. O melhor marcador de sempre em finais da Taca. Um homem que rejeita para si um relogio de ouro e antes o oferece ao seu clube para ser leiloado e angariar fundos para a construcao do Estadio da Luz.

Poder partilhar o mesmo espaco fisico com alguem assim so' podia resultar num texto destes. Obrigado, ao Rogerio e ao Ricardo.

lawrence disse...

Do fundo!

Constantino disse...

Ricky Martin,

A morte é uma coisa que a mim me causa muita espécie porque é daquelas coisas que não tem retorno. Um gajo fode o carro todo por baixo numa tampa de esgoto...manda arranjar; um gajo rói as unhas até aos cotovelos a ver o SLB... basta deixar crescer novamente; um gajo rapa o cabelo a máquina zero... pede desculpa à esposa e a coisa passa. Agora, um gajo atira-se de frente contra o inter-regional e o que faz a seguir? É que nem consegue ir apanhar os intestinos porque também ficou sem braços catano.

Talvez a única forma de retornar da morte é fazer qualquer coisa imortal. Eu ainda não o consegui, mas por exemplo, o José Águas conseguiu-o e ressuscita todos os dias em que um benfiquista olha para a foto dele de Taça dos Campeões na mão. Por isso, o Rogério que não se preocupe, quando chegar a vez dele eu prometo que todos os dias vai haver um benfiquista a olhar embevecido para a foto dele com a aconchegar a Taça Latina ao peito como se de um bebé se tratasse.

Abraço

João Duarte disse...

Like.

eupensopelaminhacebeçaeusoulivre disse...

Carissimo existem textos maiores que o futebol e o benfica que amamos?

Existem algos mais do que aquilo que vemos nos outros ou em nós?

Existe a simplicidade de se ser grande sem nos ostentarmos!
Existe a eternidade dos momentos!
Existem os golos de Pipi de Eusébio de Nené de João Pinto... existem os Rui Costas desta vida e os Aimares... e existe na morte essa doçura perene! Ah a doçura da morte que transforma tudo numa nova vida...
Por isso a paz a cordialidade a amizade a fraternidade A LIBERDADE A VIDA... o jogo e a alegria!

Por isso o desprezo por aquilo que não merecemos - todas as falsidades... nós Humanos merecemos a alegria a paz e o encontro da vida! Quando humanos (até) os adversários são pessoas como nós... é esse futebol essa vida que eu quero de volta!

JC disse...

Sublime. E é isto.

Hugo disse...

Apenas obrigado, Ricardo!

rogerAjacto disse...

Muito, muito bom. O meu homónimo merece um texto destes: enorme. Abraço

Lancero disse...

Caro Mago,

O mais antigo campeão vivo ainda é o sr. Guilherme Espírito Santo.

Abraço

mago disse...

Lancero,

Obrigado pela correccao - nao que sirva de desculpa, mas fui induzido em erro pela entrevista do "i" ao senhor Rogerio.

Abraco.