sexta-feira, 31 de julho de 2015

O BENFIQUISTA ABÍLIO


19:43, semáforo vermelho na Praça de Espanha. Vemos de cima, com câmara panorâmica. À esquerda da imagem, filas de carros amontoam-se uns nos outros, junto às árvores. Esperando. À direita, saem avançando devagar, depois acelerando outros carros. Contornam as curvas de passeios, levam luzes, cai a noite. Para onde irá esta gente? Dentro de 4 ou 5 horas, a Praça estará entregue a viajantes solitários, esporádicos, nocturnos. Agora não. Tudo cheio e cansado. Cada um dos humanos sentados na sua casa de rodas leva o coração e a vida, a tristeza e a esperança, fazendo pontos de embraiagem, depois seguindo em segunda, terceira, segunda outra vez, terceira, quarta. E a quinta, a necessária e urgente quinta, que os leve ao sonho, onde está?

Olhos desfocados no horizonte de um céu que ainda tem rosa e lua a rebentar, luzes difusas de casas que abriram cozinhas para o mundo, Abílio espera pelo verde enquanto ouve o hino da Taça dos Clubes Campeões Europeus - chama-lhe sempre assim, detesta o novo acordo ortográfico e as estrangeirices. Sobe-lhe a música dos pedais às pernas, dos joelhos ao estômago, do peito aos olhos. O narrador anuncia: «As equipas estão alinhadas no relvado, o árbitro suíço está vestido de amarelo, o Estádio está composto. Diria um pouco mais de meia-casa. Jorge Fonseca, o que achas?» e o Jorge Fonseca dirá, com os pés no terreno, que talvez esteja menos de pouco mais de meia-casa e que houve uma homenagem a um antigo jogador do Benfica, devidamente premiado com uma medalha por parte do Presidente que «desceu até ao relvado».

Nada disto Abílio ouviu, perdido a focar uma marquise onde lhe parecia que estavam os seus pais e avós, a casa antiga que o tinha criado, a lareira grande com bancos dentro, sacas de batatas e pimentos vermelhos metidos em caixas de cartão com imagens de morangos do lado de fora. Vivia-se bem naquele tempo, poucos luxos é certo mas talvez houvesse uma dignidade entretanto desaparecida na confusão da cidade de luzes e marquises, semáforos, o som do motor, o táxi a debitar chamamentos com vozes de uma mulher a perguntar latitudes. Qual a latitude das saudades? 

O verde apareceu, Abílio carregou no acelerador, levantou a embraiagem, pôs a mão na primeira e pensou que o Benfica tinha de ganhar aquele jogo. Ia a fazer o 11 na cabeça, perdendo-se sempre no lateral-esquerdo e nos médios, sem saber se era o brasileiro que tinha chegado se o sérvio que era muito bom, quando viu uma mão acenar-lhe. É um jogo curioso, o de Abílio, esse de tentar concluir pelo menos três factos sobre a pessoa antes de ela entrar no carro. Há anos que faz isto, surpreendendo-se sempre com a percentagem de acerto. Abílio procura adivinhar três características sobre o seu cliente antes que o cliente abra a porta da sua viatura: profissão, clube de futebol e estado civil. As pessoas têm luzes sem se aperceberem.

Desta vez, porém, Abílio ia inundado de afectos e saudades. Tinha a infância toda no colo e um jogo do Benfica na rádio. Não fez o exercício, limitou-se a parar, esperar pela escolha que o cliente faz da porta a abrir - sempre mais interessantes os que decidem ir a seu lado em vez do refúgio dos lugares traseiros -, ouvir as latitudes - sempre as latitudes -, assentir com um gesto robótico, dizer que "sim, senhor" e seguir viagem por entre as ruas de Lisboa, que apesar de tudo e dos anos ainda o surpreendem pela variedade de becos esconsos, linhas tortas, probições de sinais, belezas que encontra sem aviso nem alertas. O Senhor Figueiredo escolheu refugiar-se, para Abílio um alivio. Podia ouvir o Benfica, lembrar-se do arroz de tomate da mãe e ir estando atento ao telemóvel não fosse a ex-mulher ligar-lhe num assomo de ternura. A verdade é que Abílio tinha pena de não poder ver o Benfica, de não poder ir ver se o refogado já estava no ponto para pedir à mãe o privilégio de atirar o caldo de tomate ao encontro das cebolas amolecidas, de não poder voltar a casa e ter uma pessoa à sua espera. Eram 12 horas por dia enfiado no cubículo, intervalos espaçados para um cigarro e almoço. O resto dividir espaço com desconhecidos, receber dinheiro, dar moedas, dizer "Bom dia", depois "Boa tarde", já sem chama "Boa noite". 

«Goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooolo, golo, golo, golo, golo, golo, goooooooooooooooooooooooolo, Jo, Jo, Jo, Jo, Jo, Jooooooooooooooooooooooooooooooooonas, Benfica, golo, golo, golo, golo, goooooooooooooooolo, Samaris flectiu na direita, fintou um adversário, deixou em Salvio que cruzou para a área e Jonas finalizou de cima para baixo, golo, golo, golo, é goooooooooooooooolo do Benfica!». Foi desta forma que Abílio recebeu da rádio a bola no peito, esperou pela gravidade e rematou para as redes. Gritou, gritou muito, tudo, gritou o mundo contra os vidros dianteiros, contra os semáforos e luzes e prédios e praças e becos e carros, contra os Bons-dias, os Boas-noites e as Boas-tardes, os jogos de adivinhação sobre vidas dos clientes, as saudades do arroz de tomate, das ternuras da ex-mulher, dos insultos das pessoas, das moedas do bem e do mal, dos trocos. Ia passando tão perto do golo, seguindo Segunda Circular adentro, em frente à Luz, que sentiu ainda a maresia do cabeceamento de Jonas, o vento que a bola levou até à baliza, as pernas dos adeptos, os braços dos adeptos, o grito dos adeptos ecoando pelo Estádio. 

Não tinha cachecol, agarrou-se ao pequeno galhardete que tinha agarrado ao retrovisor, beijou-o, soltou impropérios, esmurrou o ar tantas vezes que os átomos em cima do volante acabaram estatelados contra o vidro da frente, cantou: «BENFICA, BENFICA, BENFICA, BENFICA, BENFICA». Foi só depois, muito depois, 2 minutos e 43 segundos depois (eternidade do golo), que se lembrou do cliente que levava no carro. Um senhor aprumado, bigode aparado, elegante, rindo-se muito e fazendo com o punho direito um sinal de comunhão e felicidade. Foi o dia em que Cosme Damião andou pela primeira vez num táxi.

A SUPER-TEORIA DE VIEIRA

Vieira sem Jesus: 8 anos (6 como Presidente), 1 Campeonato, 1 Taça de Portugal, 1 Supertaça, 1 Taça da Liga.

Vieira com Jesus: 6 anos, 3 Campeonatos, 1 Taça de Portugal, 1 Supertaça, 5 Taças da Liga, duas finais europeias.

Vieira este ano quis provar ao mundo que o recente sucesso do clube se devia à "super-estrutura" e não ao treinador. Desdobrou-se em entrevistas e séries de programas televisivos para que todos percebessem que o mérito era seu, de mais ninguém (curioso que, quando o Benfica perde, desaparece do mapa ou diz que não dá "pontapés na bola").

Este ano vai poder provar a sua teoria. Até agora, vê - se que vai no rumo certo...

quarta-feira, 29 de julho de 2015

OTÍLIA, A RAINHA DAS RULOTES


Na noite anterior ao dia que será o dia de jogo, Otília deitada na cama faz contas de somar. Febras, entremeadas, hambúrgueres, salsichas, chouriças, pão normal, papo-seco, pão de cachorro, ketchup, mostarda, barris de cerveja, garrafas de vinho, uma de moscatel, outra de uísque barato, azeite, óleo (muito), sal, pimenta, especiarias (as que der para comprar), guardanapos, batatas de pacote, batatas-palha, cenouras, pickles, lavar copos, comprar pratos de plástico, confirmar se a televisão está boa, ligar para os senhores da MEO, ir às botijas de gás, limpar a rulote, escrever na lousa e no papel as promoções («à entermiada, hamburgue, hot-dog, chourisso e febra»), lembrar o Manel de encher os pneus da viatura, dizer-lhe com carinho: «põe água no carro», ao filho pedir que leve os aventais pretos, à nora não dizer nada, que é uma cabeça tonta.

Passa a noite nisto: relembra tudo uma vez, depois volta a percorrer a listagem das coisas a fazer, perde-se a meio, começa de novo, «febras, entremeadas, hambúrgueres...». Com os anos de ofício, as coisas a fazer são lembradas com método, raramente mudam de posição, tudo tem a ciência que Otília criou na sua cabeça e no seu agir. Começa pelas carnes, a meio põe a necessária padaria, depois vêm os molhos, logo a seguir os bebes, as gorduras, os condimentos, acompanhamentos, a higiene, os utensílios, a necessária burocracia, as limpezas, os escritos e, por fim, os avisos à navegação da tripulação da rulote para que se não percam num detalhe, morram num pormenor, destruam a noite de negócio por um esquecimento sem sentido.

Otília tem dos dias a ideia de um trilho de comboio - pouco interessa o chegar, mais vale acautelar o ir. Limar os parafusos, arranjar as estacas de madeira, limpar as plantas que nascem no meio, fazer brilhar o metal. O comboio - esse comboio que anda em movimento há exactamente 64 anos - deve passar sem um sobressalto, galgar em direcção ao lugar para onde vai sem nenhum contratempo, dentro do tempo previsto, indo indo indo, só vapor, velocidade e horas marcadas no relógio grande dos ponteiros pretos das estações. Chega-se ao destino não por acaso divino mas pelas mãos de homens que acautelam o seu chegar. Os silvos da noite, os raios do dia, o fumo, a humidade, as temperaturas, os frios e os calores, a força do tempo - tudo mecânicos elementos que conspiram contra a desenvoltura do comboio em movimento. Basta que uma roldana, uma porca, uma lasca, um esquecimento aconteçam e toda a engrenagem afunda num tropeço de forma, abrandando o passo ao comboio, sulcando-lhe as vontades, quebrando-lhe o eixo, desencarrilhando-lhe as promessas.

Houve um dia, já longínquo na memória, dia de sol glorioso de um princípio de tarde junto ao Estádio da Luz (o verdadeiro; Otília ainda hoje diz do Estádio antigo esta palavra honesta e genuína: o "verdadeiro"), em que, por maus preparos e ineficazes antecipações, Otília ficara sem pão nem cerveja em frente a uma horda de benfiquistas sedentos, esfomeados, desvairados, alucinados, dementes. Culpa, claro, uma e outra e mais outra vez, da nora que, tendo ido de manhã tratar das unhas dos pés, se esqueceu acidentalmente (Otília reforça sempre, quase 30 anos passados, o a-c-i-d-e-n-t-a-l-m-e-n-t-e com uma projecção que fere fundo em quem a ouve) de passar pela panificadora e pela Central de Cervejas. Como se fosse possível alguém acordar um dia e desmemoriar o cérebro para função tão fundamental, como se um ser humano - na palete existencial entre o profundamente bronco e o brilhantemente genial - pudesse esquecer-se de tais ofícios e deveres.

As gentes aos urros, vociferando impróprios impropérios futebolísticos sobre Otília, queixando-se, esfomeados, da pouca-vergonha que era aquela barraca de madeira sem pão para o conduto nem líquido para a goela. «Nunca mais cá volto, ah é certinho», ouviu Otília a mais de 342 benfiquistas em fúria, chorando por dentro a perda da reputação tão a pulso conquistada a amor, carinho, saborosíssimas gorduras feitas de ancestrais segredos que sobreviveram na família Casimiro séculos e séculos e séculos até desaguarem nos seus truques mágicos de mulher veloz a tratar os comeres. Disso nunca Otília se esquecera na vida e disso fazia questão de recordar pelo menos uma noite em férias - não para estragar o convívio estival, mas para alertar os parceiros de ofício e de vida para as profundezas mórbidas do desconcertante desleixo dos elementos. A nora Fátima tudo isto ouvia e calava - engolia em seco, olhava o horizonte, agarrava-se vezes sem conta ao copo de fresco verde e deglutia, sem botar faladura, uva, água e humilhação. O filho, cansado de ouvir os gritos da esposa (que Fátima no recato do lar ganhava novas coragens), desvirtuava o discurso da mãe, parodiando: «ao menos isto agora dá para rir», o que enfurecia ainda mais Otília e a fazia dar pontapés debaixo da mesa ao marido - que não estava minimamente interessado na conversa, perdido de uísque, lagosta e visões de mulheres lindas passeando cães no calçadão.

Otília era Benfica pela parte do Pai; benfiquista por influência da mãe. Em nova (há quanto tempo), comovia-se com José Águas: uma paixão que lhe durou a vida inteira e ainda não esqueceu - atrás das garrafas, junto ao bibelot de uma menina triste que tem na prateleira de cima, mora ainda o elegante benfiquista levantando uma orelhuda Taça dos Campeões. Por decoro e respeito ao esposo, fixou-a ali para que só ela o veja. Quando alguém pede um Martini (é tão raro pedirem Martinis nas rulotes), ela esquece-se das febras, segurando o antebraço do Manel: «deixa, eu sirvo; está um calor insuportável nas carnes».

Sente saudades do Benfica, Otília. Saudades de ser feliz, indo ao estádio. Comove-se muito com a alegria das pessoas antes dos jogos; entristece-se com a tristeza das pessoas depois dos jogos. No meio, enquanto as pessoas se alegram ou entristecem a ver o Benfica, ela fica sentada num banquinho de madeira a ouvir o relato. Cansada, de olhos cheios de fumo e bochechas encarnadas de calor, fecha os olhos e encosta a cabeça contra a porta da rulote. Imagina que está dentro do estádio, ouve as jogadas e vê tudo por dentro dos olhos. Quando é golo, festeja com o marido, o cunhado, a nora e os filhos. Imitam o som das bancadas: «Glorioso SLB, glorioso SLB», lá do alto de onde vêem só luzes e um fumo que sai do relvado, sobe as bancadas, torneia os tectos e se esvai em direcção ao céu. Todos aos saltos na rua, correm até ao viaduto, batem em carros, apitam buzinas, abraçam-se uns nos outros todos engalfinhados. Depois, quando o golo perde o prazo de validade dos afectos, voltam silenciosos para perto da rulote e baixam o volume do som para favorecer outro golo - se ouvirmos baixinho o relato, potenciamos novo milagre.

Dependendo do resultado final, Otília assim também depende de si própria. Se o Benfica ganha, está tão feliz que se torna mecânica no ofício - ninguém quer saber da qualidade da febra se ganhou. Se o Benfica perde, fica tão triste que faz questão de preparar as melhores iguarias para os olhares e gestos e palavras desiludidas dos clientes que estão quase quase a chegar - pior do que a derrota, só mesmo a injustiça de lhe juntar uma ceia tão mal servida.

Otília finge sempre que não nos observa. Se olharmos para ela, os seus olhos estão na grelha; se não olharmos, ela olha-nos com amor e ternura. A dor nossa é a dor dela. A sua infelicidade é a mesma que sentimos. É por isso que Otília faz brilhar os olhos sempre que, perdidos ou ganhados, lhe dizemos com o coração na boca: «Estas são as melhores bifanas do mundo».

segunda-feira, 27 de julho de 2015

O que tenho visto até agora



Os jogos vão passando e a verdade é que a equipa vai apresentando melhorias marginais de jogo para jogo. O fator físico é algo que não pode nem deve ser desvalorizado nesta fase, sendo várias vezes percetível que as elevadas cargas de treino usuais nesta altura da época, bem como as naturais debilidades físicas dos atletas, têm influído negativamente no rendimento individual e coletivo da equipa.

Não obstante, esperava algo mais já nesta fase. Não falo de resultados, naturalmente, mas sim dos processos coletivos, ainda mais quando estamos a falar de uma manutenção do sistema base da equipa e até da maioria dos jogadores que fizeram parte do 11 base da época passada.

É notória a tentativa de diferenciação ideológica entre o passado e Rui Vitória, sobretudo no momento ofensivo do jogo. Uma ideia que passa por maior posse e circulação da bola, envolvendo até o guarda-redes, muito mais vezes do que era habitual, e que procura muitas combinações em zonas interiores com o deslocar dos alas para essa zona do terreno.

Neste aspecto há ainda a melhorar o acerto entre jogadores, mas sobretudo a capacidade de decisão da maior parte deles, sendo Jonas e Gaitan os únicos que revelam um elevado grau de acerto nas decisões, por oposição a Talisca ou Jonathan Rodriguez que apresentam muitas limitações neste aspecto.

Há ainda a notar a deficiente capacidade para dar largura ao jogo, muito pela demora de subida dos laterais, faltando saber se esta demora acontece por questões de ordem física ou de ordem tática, sendo certo que o tempo se encarregará de o demonstrar. Ainda assim, ressalvo Sílvio e Nelson Semedo. Ambos se mostraram claramente superiores a todos os outros na largura que conseguiram conferir à equipa. Em relação ao jovem da nossa formação, as notas foram muito boas, gostei bastante do que vi no dia de ontem. Há ali matéria para evoluir. No polo oposto encontro Eliseu. Continua fraquíssimo do ponto de vista defensivo, seja no 1x1, seja no aspecto posicional e na cobertura ao espaço interior. Continuo sem achar que Eliseu tenha qualidade para ser um titular do Benfica, sendo esta posição uma das grandes debilidades do nosso plantel, ainda que não tenha visto Marçal com olhos de ver.

O que mais me tem desiludido tem sido o controlo da profundidade e da largura do colectivo. Têm sido algo recorrentes as bolas nas costas dos nossos defesas, sem que estes tenham adoptado os melhores comportamentos tendentes a evitar que isso aconteça. Esperava mais deste aspecto, sobretudo por se tratar de uma linha defensiva que transita, na totalidade, da época passada.

Tenho gostado particularmente de Carcela e do que vi ontem de Djuricic, sendo que Ola John me parece cada vez mais fora do que devia para ser um jogador capaz de fazer a diferença positiva e Taarabt deixou-me muito apreensivo. A juntar ao que já se conhece do passado do jogador, o facto de este se apresentar na forma física deplorável com que se apresentou ontem com quase um mês de trabalho é, no mínimo, preocupante.

A saída em definitivo de Lima talvez seja o estímulo definitivo para que Rui Vitória altere o sistema de jogo, passando a jogar com 1 avançado apenas, trabalhando assim num sistema que lhe é mais familiar e onde os extrememos não são obrigados a um posicionamento tão interior no processo defensivo, aspecto que me tem parecido o pior no tal controlo da largura deficiente que vamos apresentando.

sábado, 18 de julho de 2015

Um mau serviço ao futebol

A silly season é um momento doloroso para mim. Não só por não haver futebol de alta competição mas também pelas notícias que dia sim, dia sim saem acerca de possíveis reforços, jogadores desviados, contratações falhadas, dispensas questionáveis e vendas inesperadas. São três penosos meses com a agravante de este período de transferências se alargar injustificadamente até 31 de Agosto (ou Setembro, para a Rússia e um ou outro país) quando a meu ver o mercado deveria estar encerrado o mais tardar a 10 ou 15 de Agosto, altura em que praticamente todos os campeonatos europeus já começaram.

E como se tudo isto não bastasse, acresce um neo-fenómeno a que assistimos nos últimos anos com programas “especiais” sobre o período de transferências. A TVI 24, com uma direcção de informação e uma equipa de desporto experientes e conhecedoras do mercado televisivo, lembrou-se de uma forma fácil mas pouco digna de conseguir audiências: um programa sobre nada. O Mais Transferências, transmitido diariamente, consegue ser, mais que um programa sobre nada, um mau serviço ao futebol. Para quem não conhece o formato, um conjunto de jornalistas “da casa” (Pedro Sousa, Rui Pedro Brás, José Manuel Freitas) dissertam com acérrima certeza sobre assuntos que manifestamente não dominam, emitindo juízos definitivos acerca de rumores e de informação sustentada por fontes muito duvidosas para não dizer, em alguns casos, inexistentes. A forma como se manipulam rumores transformando-os em verdades que dias depois são desmentidas é de uma ausência de vergonha inqualificável e um autêntico ataque ao código deontológico do jornalista, onde se fala na necessidade da comprovação dos factos e no combate ao sensacionalismo. O Mais Transferências é pouco mais que um programa de boataria e de desinformação.

Há sete anos, quando nas palavras do próprio renunciou ao jornalismo cansado de andar a correr atrás das ideias dos outros para construir o seu património ideológico, José Marinho estaria longe de imaginar (ou não) que por esta hora estaria novamente a correr atrás das ideias de outrem. E o mesmo mau serviço que o Mais Transferências presta na televisão, José Marinho copia nas redes sociais. Uma vez mais, informação com fontes pouco fidedignas, grau de falibilidade máximo, narcisismo insuperável, necessidade extrema de chamar a atenção e agora, para tentar desculpar-se das sucessivas mentiras com que presenteia os seus seguidores, dedicou-se à modalidade de atirar areia para os olhos dos seus seguidores referindo-se a um presumível post do Ontem em que alguém afirmou (será que afirmou mesmo?) que Jesus iria renovar pelo Benfica. Enquanto procuramos tal post, aguardamos que Bynia atinja o talento de craque da Liga Portuguesa, profetizado por Marinho, que defenda os interesses do Benfica em vez de tentar justificar os injustificáveis erros do seu ex-agenciado Artur Moraes, que reexplique o negócio de Garay, uma vez que a sua tese foi desmentida pelo presidente Luís Filipe Vieira ou que Maxi Pereira renove o contrato. É que um homem de tantas certezas não pode reger-se sob a velha máxima de Pimenta Machado, que dizia que “no futebol, o que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira”. Está no direito de se enganar, é certo. Não está é no direito de tomar os seus leitores por parvos e de tentar camuflar as suas fraquezas com o nosso trabalho, que na verdade, e ao contrário dele, de trabalho tem pouco e não é mais que um passatempo. Sobre Marinho, a sua maneira de estar no futebol e o seu carácter não me pronunciarei mais até porque não é guerra minha, mas resta-me dizer que não é por se entregar a carteira de jornalista que se deixa de praticar mau jornalismo. E se voltar a lançar suspeitas de que uma força estranha lhe apaga posts no Facebook, nós refrescamos-lhe a memória. Não vá tratar-se de um caso de sonambolismo, temos guardados os posts que o próprio escreve e posteriormente apaga com as ordinarices que escreve acerca de nós.

Passem bem. E de preferência sem estas personagens.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Qual é o plantel mais forte?


A 16 Julho, por isso ainda muito a tempo de a realidade mudar drasticamente, o plantel mais forte é obviamente o do Benfica. A qualidade de um grupo de trabalho não se mede apenas pela qualidade individual dos seus jogadores; está dependente de outros factores como a experiência a jogarem juntos, rotinas colectivas, conhecimento pessoal e técnico das características dos outros jogadores. O plantel do Benfica, mesmo com a saída de um um jogador importante como Maxi (que no Porto será menos importante porque não terá aquilo que no nosso clube tinha: anos e anos de casa), é um plantel mais experiente, mais coeso e com mais qualidade.

Não passa, no entanto, esta superioridade apenas pela experiência individual dos jogadores e da compreensão colectiva que têm uns dos outros; passa também pela maior qualidade individual dos jogadores do Benfica: Júlio César, Luisão, Fejsa, Samaris, Gaitán, Salvio, Lima e Jonas são melhores jogadores do que os portistas que ocupam as respectivas posições na equipa de Lopetegui. Os casos de Casillas e Brahimi podem ser debatidos se são piores do que o brasileiro e o argentino (Salvio) do Benfica: melhores não são, certamente. Luisão é melhor do que Maicon; Fejsa e Samaris são melhores do que qualquer médio do Porto (Imbula pode ser a excepção, mas ainda terá de mostrar a qualidade em campo e num miolo mais uma vez remodelada); Gaitán muito melhor do que qualquer extremo portista; Jonas é o melhor jogador do campeonato e Lima não é pior do que nenhum dos avançados do Porto.

Ou seja, no 11 do Benfica entrariam Maxi, Marcano e Alex Sandro. No 11 do Porto entrariam 8 titulares do Benfica. Isto a 16 de Julho, que ainda há por resolver as possíveis saídas nas duas equipas: Gaitán na Luz e Alex Sandro no Dragão. O expectável é que o Porto se reforce ainda com um grande médio (fala-se em Moutinho, o que não seria uma boa notícia para nós), um avançado e um central. No Benfica, não saindo mais ninguém ou mesmo saindo Gaitán, a questão fulcral passa por contratar um bom lateral-esquerdo, um central e um extremo (se Gaitán sair). Diria que Vieira deveria apostar todas as fichas nos regressos de Coentrão e Markovic. E nesse caso Rui Vitória teria de ser muito incompetente para falhar o Tri.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Maxi Pereira e o FC Porto

Oito anos depois da chegada como jogador incógnito, oito anos depois de ter conquistado, por mérito próprio, o carinho e a admiração dos adeptos do Benfica, oito anos depois de vénias, de cânticos, de estandartes, de títulos e, mais importante que tudo isso, depois de ser sub-capitão e de ter capitaneado por várias ocasiões o mais titulado e prestigiado clube português, Maxi Pereira decidiu por vontade própria assinar pelo maior rival.

Manipulado ou não pelo seu empresário, cuja índole conhecemos há muito, Maxi Pereira não tem desculpa. Poderia ter saído para a Turquia, onde o Galatasaray lhe oferecia uma avultada soma, poderia ter saído para Espanha, onde se fala o seu idioma nativo, poderia ter saído para Inglaterra, onde pelo que se sabe tinha mercado, mas preferiu o Porto. Maxi, o herói, o ídolo da Luz, o homem com oito anos de casa, preferiu esquecer o passado e rumar a quem tanto mal nos quer e tanto mal nos fez.

O seu comportamento ao longo destas últimas semanas de negociação, para não dizer meses, foi igualmente inenarrável. Maxi revelou-se, tal como há três anos, aquando da sua primeira renovação de contrato, um indivíduo sem escrúpulos, que tentou leiloar-se à espera de uma proposta milionária, utilizando a família como escudo de defesa , desrespeitando os adeptos que sempre o acarinharam e mentindo inclusivamente à Direcção, quando a cerca de duas semanas antes do final do mês de Junho deu o acordo com o Benfica como confirmado e encerrado, voltando posteriormente com a palavra atrás sem dar qualquer justificação a quem lhe pagou o salário durante oito anos e com quem manteve esta morosa negociação. Gratidão? Não a peço. Peço respeito, pelo menos. Respeito por quem lhe pagou a tempo e horas, respeito por quem o idolatrou, respeito por quem o ajudou a chegar à Europa, a mostrar-se no Velho Continente e o ajudou a chegar às 100 internacionalizações e à capitania da selecção celeste.

A perda de Maxi, ao contrário da de Jorge Jesus, custa-me. Custa-me porque, independentemente do seu valor, Maxi Pereira foi nestes oito anos um jogador “à Benfica”. Exibiu dentro de campo um profissionalismo ímpar, tão típico de poucos jogadores que nós, mais jovens, vimos, tão típico dos muitos ídolos que pais e avós nos contam dos anos 60, 70 e para alguns, 80. Contudo, e centremos atenções no plano desportivo, o que não falta no mercado são jogadores com tanta ou mais qualidade que Maxi. Não desvalorizando o uruguaio, cujos atributos futebolísticos não são de desprezar, a verdade é que o Maxi Pereira de hoje em dia valia pelo conhecimento que tinha do jogo e, sobretudo, pela matreirice. É um jogador “rato”, que sabe quando cavar a falta, quando fazer a falta certa, no lugar correcto, no tempo exacto, e com uma garra e vontade pouco comuns que compensam a indisciplina táctica imprópria de um defesa direito que tanto pode aparecer na área, qual ponta-de-lança, ou na posição de número 10 para fazer uma assistência para golo. Com o avançar da idade, Maxi foi perdendo velocidade, perdeu capacidade de drible e finta (lembram-se quando ele conseguia ir à linha, fingir que ia cruzar e meter a bola para dentro?) e tornou-se um jogador mais “pesado”. Não sendo “velho” aos 31 anos, a verdade é que a longo prazo o Benfica pode conseguir melhor no mercado. Choca-me a perda do jogador por tudo o que representava, mas não fico sobejamente preocupado com uma eventual perda qualitativa porque a haver competência na gestão do mercado, não ocorrerá. 

Podemos tentar perceber o ponto de vista do jogador. Maxi sempre falou na família, na família, na família e a verdade é que, a fazer fé nos números veiculados pela comunicação social, os 6 milhões de euros que o Benfica se dispunha a pagar em 3 anos ficam muito aquém dos 16 milhões que o Porto oferece em 4 temporadas. Mas pelos vistos, para Maxi, o dinheiro é mesmo tudo. Teve clubes internacionais (com o Galatasaray à cabeça) a oferecer muito dinheiro, mas nenhum deles tanto quanto o Porto. E foi esse o motivo que o fez assinar pelos azuis-e-brancos. A família, a família, a família... que nojo usar a família como argumento para querer ganhar mais e mais dinheiro, esse sim o único objectivo. Em jeito de conclusão, resta dizer que o Benfica perdeu um bom jogador e o Porto fez um mau negócio. No meio disto tudo, só mesmo o jogador fica a ganhar. E “só” do ponto de vista financeiro. Até porque se fizesse o que fez ao Benfica lá na terra dele, o mais provável era acabar numa valeta ou pelo menos ser ameaçado com um tiro na rótula, qual Paulo Assunção.

P.S. Nada a dizer da atitude da Direcção do Sport Lisboa e Benfica. A Direcção, em especial na pessoa do seu presidente, não pode entrar em loucuras ou devaneios financeiros por jogadores com muitos anos de casa que já deveriam ter percebido o que é o Benfica. Entrar no leilão que Maxi e o seu empresário queriam seria um desprestígio para o próprio Sport Lisboa e Benfica. 


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Há uns anos, num hospital da Grande Lisboa, deu entrada na pequena cirurgia um miúdo dos seus 10 anos. Joelhos escalavrados, sobrolho acerto, uma bola de futebol debaixo do braço. “Caiu de um muro quando tentou apanhar a bola”, disse a mãe. Por entre a desinfecção das feridas e a sutura do sobrolho, uma colega minha resolveu meter conversa com o petiz:
- Então, magoaste-te muito? De que clube és?
- Sou do Benfica e do Real Madrid – respondeu o rapaz.
- E qual é o teu jogador favorito? O Ronaldo ou o Messi?
- É o Maxi Pereira.

Raros serão os adultos que têm Maxi Pereira como o seu jogador preferido. Muito menos uma criança. Disto, Maxi, só poderias encontrar num clube. E o dinheiro não compra estas coisas.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Guarda-redes que ganham campeonatos. Ou não.

A contratação de Iker Casillas pelo FC Porto trouxe um certo frisson ao futebol português. Os adeptos dos azuis-e-brancos estão, regra geral, contentes. Muitos dos adeptos dos rivais estão de certa forma satisfeitos por verem um jogador com algum gabarito ingressar no futebol português. E os jornalistas, claro, os jornalistas estão extasiados com a chegada de alguém tão mediático e influente, com tanto nome e com tanta história.

É raro ver um guarda-redes estrangeiro com grande nome assinar por um clube português. Desde os anos 90, apenas Michael Preud'homme, Peter Schmeichel, Júlio César e agora Iker Casillas vieram abrilhantar o campeonato luso com o seu nome pesado e a sua qualidade inegável. Mas porquê tanto burburinho com a chegada de um guarda-redes internacional de qualidade reconhecida? Simples: título. Com excepção de Michael Preud'homme (não peçam milagres, jogar com Ronaldo e Paulo Madeira era mau de mais para ser verdade), as chegadas de Schmeichel e Júlio César significaram a conquista de um campeonato nacional que seria impossível sem a contratação dos respectivos guarda-redes. Em Portugal, ter um guarda-redes de qualidade, craveira e classe mundial é mais que meio caminho andado para se ser campeão.

Irá então o Porto melhorar por ter Casillas como guarda-redes? Dificilmente. Parece paradoxal depois do que tudo o que foi dito anteriormente, mas analisemos com frieza os números: o Porto sofreu, no ano passado, apenas 13 golos no campeonato nacional. Para se encontrar registos melhores será preciso recuar até 1992 (Porto de Carlos Alberto Silva, com 11 golos sofridos em 34 partidas), 1984 (Porto de José Maria Pedroto, com 9 golos sofridos em 30 jogos) ou 1975 (Benfica de Milorad Pavic com 12 golos sofridos em 30 jornadas). Conseguirá com Casillas melhorar o registo alcançado maioritariamente por Fabiano? Sinceramente, afigura-se improvável.

Hoje em dia, ao contrário do que sucedia no final dos anos 90 e início do novo século, a qualidade das equipas que compõem o principal escalão do futebol português é tão baixa que se torna difícil marcar aos adversários mais fortes, nomeadamente Benfica e Porto. O fosso entre grandes e pequenos aumentou e a Liga encontra-se qualitativamente nivelada por baixo. Só assim se explica que defesas como a do Porto, onde figuravam jogadores pouco mais que banais como Maicon, Marcano ou mesmo Martins Indi, sofram tão poucos golos. Um guarda-redes como Casillas será quase seguramente garantia de poucos golos sofridos (apesar de eu achar que o espanhol nunca teve metade da qualidade que a imprensa do país vizinho desenhava, com uma carreira criada mais por intervenção dos media espanhóis que por mérito próprio), mas não será por aí que o Porto ganhará mais jogos ou perderá menos pontos. É sem dúvida uma boa contratação, mas não é o jogador (nem era o sector do terreno) que o Porto precisava para ter os seus problemas resolvidos.

(Se mesmo num blog unipessoal não é raro encontrar opiniões contraditórias, estranho seria se neste blog onde coabitam dez benfiquistas mas onde nenhum deles, por sinal, tem a necessidade de dobrar a espinha para tentar justificar actos e decisões de ídolos ou pessoas menos queridas, não houvesse discordância opinativa nos assuntos que concernem ao Benfica ou ao futebol português. Serviu este post para mostrar a minha opinião, em grande parte discordante, face ao que o Daniel escreveu recentemente sobre este mesmo assunto. Não se justifica é o chorrilho de disparates que se escreveu na caixa de comentários e no Facebook, com animalices como "Se ele viesse para o Benfica, de certeza que vocês não publicavam nada assim". Não, pá. Desculpem lá, mas isso é só estúpido.)

domingo, 12 de julho de 2015

Chega um Monstro à Invicta

Chega ao futebol português um dos grandes nomes do futebol Mundial do Século XXI e talvez aquele que foi o principal guardião destes 15 anos a par do Buffon (o Neuer começa agora o seu legado).

Iker é um simbolo e um profissional de mão cheia.

Sempre me impressionou tanto dentro como fora dos relvados. A maior figura de respeito do Real Madrid dos últimos muitos anos.

Estou ansioso por o ver no campeonato português.

Com ele virão muitos olhares o que só beneficia o nosso campeonato.

Um jogador de categoria e classe mundial. Um dia até Mourinho já defendeu que o Casillas merecia a Bola de Ouro.

Alia anos seguidos de excelência a títulos atrás de títulos (como titular), tanto pelo clube como pela selecção e tanto nacionais como internacionais, a um comportamento de respeito constante por todos os rivais e a uma enorme capacidade de liderança do seu balneário, nunca procurando o conflito e recusando sempre lavar roupa suja em público, nem para se defender.

Não virá para o Benfica mas será um belo duelo entre o espanhol e o nosso enorme Júlio César.

Bem vindo a Portugal Iker.


"Não sai apenas um dos melhores guarda-redes do nosso clube. Hoje deixa esta equipa e inicia uma nova etapa futebolística o melhor guarda-redes da história do Real Madrid e da história do futebol espanhol", pode ler-se na nota do clube merengue."

https://www.youtube.com/watch?v=TTMNqh_eGcU

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Lúcio Caparinha, o Vermelhão


  - É só mentiras!

gritou para o ar Lúcio Caparinha, lendo o A BOLA no café do Azevedo. Avançados espanhóis, laterais argentinos, médios belgas, centrais do Paraguai, todos anunciados, dia-a-dia, como reforços de peso do Benfica. Num ano que não este chegou a fazer uma lista com as invenções dos jornais: eram para cima de 100 os craques «praticamente garantidos», as bombas «prontas a anunciar», os atletas que haviam «aterrado na Portela para oficializar o contrato de 3 anos com o Sport Lisboa e Benfica». Tudo ilusões, sonhos prometidos, invenções de quem anda a brincar com o coração frágil do adepto em tempo de Sol e marasmo.

Lúcio já não tem pachorra para as pré-épocas, estações doentias de tédio. Cansa-se de passar os dias à espera de ver o Glorioso jogar. Só ele é que não vem no jornal como futura contratação sonante: «Lúcio Caparinha, homem extraordinário, apoiante de reconhecida arte, famigerado adepto conhecido em Vila Viçosa como o "Vermelhão", está a horas de ser oficializado no Benfica».

- Disso não se lembram eles, os mentirosos!

Isto disse em voz baixa, já não gritou. Ficou de imperial na mão a olhar com olhos baços a montra do Azevedo. Não tinha fome mas pediu à mesma dois ovos cozidos e um bocado de toucinho para acamar a bebida.

Sentia falta do Estádio da Luz. Do cheiro do Estádio, daquele nervoso miudinho, que às vezes é graudinho, que o inundava de emoção quando a equipa aterrava ligeira, gloriosa e delicada no relvado e o público aplaudia aquelas 11 papoilas saltitantes e desesperava pelo começo do jogo. Das manhãs a preparar o farnel, das idas à mercearia para apanhar pão, presunto, queijo e garrafões de vinho. Da comida mais substancial tratava Lurdes, a esposa, no tempo em que a Lurdes ainda podia preparar o farnel, antes da morte de Lurdes, antes de Lúcio Caparinha ser o viúvo da Lurdes. Naquele tempo era só, e bastava, o Lúcio Vermelhão, o marido da Lurdes.

Agora pensava nas aventuras de horas a fio dentro do carro de Vila Viçosa a Lisboa. Comprava umas empadas para levar, saía pela Florbela Espanca, deixava o Palácio à esquerda e seguia pelas pedreiras até Borba. Parava em Borba com os amigos por tradição: bebiam uma aguardente com brinde à vitória do Glorioso e só paravam no Estádio da Luz. Eram tempos diferentes destes: onde está o Colombo era um enorme terreno aos socalcos, baldio, solitário, aberto para a cidade de um lado e para a Catedral do outro. Tempos em que o carro ficava por ali, onde desse, onde pudesse ser, onde o espaço servisse os intentos dos comensais, onde se pudesse acender uma fogueira, comer, conversar, falar do 11 do Benfica, comer, conversar, falar da vida, conversar, falar da morte, comer, falar sem sentido, com sentido, falar, ser do Benfica. O fogo abria-se no final das tardes de Inverno, soltava o seu aconchego pelos benfiquistas em redor, as famílias acolhiam-no em imensa chama imensa. Efervesciam de uma paixão contagiante. Era o álcool e a espera da vitória a acelerar os batimentos cardíacos dos corações em forma de roda de bicicleta.

- Se pudessem anunciar a Lurdes no Benfica...

Isto pensou Lúcio Caparinha. Não gritou nem disse em voz baixa. Deixou-se só a pensar nisto. A Lurdes a entrar no Estádio da Luz em pleno Julho, as bancadas ao rubro, alguém a anunciar de microfone na mão: «Senhoras e senhores, sócios, adeptos e simpatizantes, Benfiquistas, vocês são os melhores adeptos do mundo. Um grande aplauso para Lurdes Caparinha, esposa de Lúcio Caparinha, mulher responsável por centenas de farnéis gloriosos que fizeram outras centenas de pessoas felizes; meus caros Benfiquistas, melhores adeptos do mundo, vamos homenagear Lurdes Caparinha, que do alto da sua ternura e arte confeccionou repastos que alegraram e favoreceram vitórias épicas do Sport Lisboa e Benfica».

A Lurdes a entrar ao colo de uma águia, voando, planando pelo Estádio, rodopiando. Um eco de 130.000 benfiquistas aos gritos, aos aplausos, aos beijos, aos abraços. A Lurdes e a águia fazendo círculos cada vez mais fechados, acenando à multidão, gritando «Benfica, Benfica, Benfica», aterrando nos braços de Lúcio Caparinha, o Vermelhão.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Branco à Benfica. Finalmente.

Uma das lutas mais antigas deste blogue vê este ano o seu final. Não é difícil gerar grandes receitas e simultaneamente respeitar o Sport Lisboa e Benfica. Basta amá-lo.


O Engraxanço e o Culambismo Português


Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.

Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista. O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios. Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta. À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.
Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar. Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço». Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores,os jornalistas engraxavam os ministros, as donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc... Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa. Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso.

Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada. O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma. O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas.Ninguém gostava de um engraxador.

Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu. O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu. Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu. Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing.Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo.

(...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora. O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional. O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Recontagem ou Recontagens?

Dia 8 de Junho foi feita a recontagem dos sócios do nosso clube.

Na AG de 15 de Junho a direcção do clube foi interrogada sobre quando seria anunciado o resultado da recontagem e quando os sócios iriam receber o seu novo número e cartão.

À segunda parte da pergunta a direcção do clube respondeu que tal aconteceria no inicio de Julho.

À primeira parte da pergunta - quando seria anunciado o resultado de uma recontagem que tinha sido feita dia 8 sendo que já nos encontrávamos no dia 15 - a direcção respondeu que em 2 dias tal resultado seria anunciado.

Hoje é dia 6 de Julho. Escapou-me algum comunicado?
O que se está a passar para já irmos em um mês sem serem anunciados os números da recontagem?

http://www.slbenfica.pt/noticias/detalhedenoticia/tabid/2788/ArticleId/41974/language/pt-PT/Recontagem-de-Socios-a-8-de-junho.aspx

Histeria por histeria

Ontem deitei-me com consciência que as palavras do árbitro Marco Ferreira andavam a ter muito eco em adeptos que não os do Benfica. Não dei importância e acabei por ir dormir sem ouvir as referidas palavras.

Hoje acordei e deparei-me com uma histeria sobre o como estas palavras provavam um jogo de pressões para beneficio do nosso clube.

Eu como não percebo aqueles que se recusam a ouvir as escutas (ou que fingem não as ouvir) resolvi ir ver o vídeo em questão.

https://www.facebook.com/futebolpt/videos/10153523151480087/

Foi o melhor que fiz. Além de ficar a conhecer um pouco melhor como se trabalha no Conselho de Arbitragem, ainda fiquei descansado quanto ao nada que este vídeo mostra sobre influências benéficas ao Benfica.

Será estranho que um árbitro que tenha um péssimo desempenho no jogo de um grande, a favorecer ou a prejudicar, tenha maior dificuldade em ser escolhido para um clássico/dérby? É uma questão de bom senso devido a todo o barulho e polémica que se levantaria antes do jogo.

O pior que retirei deste vídeo foi o ter sido obrigado a relembrar o jogo em questão - a derrota do Benfica em Vila do Conde (estes benefícios...).
Felizmente tal dor foi amenizada por outra recordação - Bicampeões!

sexta-feira, 3 de julho de 2015

AS GLORIOSAS AVENTURAS DO JOÃO BENFIQUISTA - A primeira ida ao Estádio da Luz (Parte 1)



Não sei se o dia tinha acordado solar ou se era eu que levava dentro uma chama imensa que me iluminava o coração. À distância de todos estes anos, a memória tende a ser condimentada com pormenores de beleza - colocamos na vida passada uns pozinhos de luz aqui, pedaços de esperança ali, sorrisos por todo o lado. A vida reluzia-me naquele dia de Outubro de 1965: o meu Pai ia levar-me pela primeira vez ao Estádio da Luz.

Importa, no entanto, recuar aos anos anteriores a este, nos quais sofri e festejei à distância as agruras e os golos do Benfica. Para a minha mãe o futebol era um desporto de homens; ligava-lhe tanto como ligava aos carros, aos aviões, às máquinas novas como a televisão, ao tabaco e ao álcool: tudo matéria masculina a que dava a importância de um leve esgar de interesse. Exceptuando a rádio - acompanhava as novelas da Emissora Nacional e os noticiários - os aparelhos lá em casa pareciam-lhe estranhos seres de planetas distantes, múmias tecnológicas que a olhavam em silêncio, assustadores.

Quando o meu Pai ouvia o relato dos jogos do Sporting, com os gritos lancinantes de golo do Artur Agostinho, ela fechava-se na salinha de coser, pedalando infinitamente a Singer contra o som estridente da geringonça que gritava jogadas perigosas. Os leões corriam em Alvalade, o meu Pai chutava a atmosfera imaginando a bola nas redes e ela fazia paninhos, talegos, meias, camisolas de Inverno que talvez viessem a dar jeito a alguns jogadores quando se reformassem, que naquela altura ainda não eram pagos a peso de ouro. Apesar da insistência paternal, o Sporting não despertava em mim a loucura de adepto. Os subornos eram alguns: o tio que vinha de Elvas prometia dar-me uma bola de futebol se eu me tornasse sportinguista; o meu Pai pedia-me que gritasse os golos leoninos; o primo perguntava-me se sabia alguns nomes de jogadores e eu respondia que sim: «Eusébio, Torres, Simões, José Aug...»

- Não são esses, João! Esses são os nossos rivais. Tens é de dizer os nomes dos jogadores do Sporting!

e eu continuava a dizer na minha cabeça: «...usto, Coluna, Cavém, Cruz, Germano, Costa Pereira, Perides, Raúl Machado», não por ser do contra mas porque eram aqueles os meus heróis, os que me faziam acabar o jantar e fingir sono para ir para a cama ouvir de transístor no ouvido e lençóis e cobertores por cima as noites europeias do Benfica Glorioso.

Não há uma razão que explique racionalmente o porquê de sermos deste ou de outro clube. Somos de um determinado clube porque não poderíamos ser de mais nenhum. Somo-lo tão visceral e profundamente que a nossa existência deixaria de fazer sentido se porventura um dia nos forçassem, a máquinas de lavagem cerebral ou a choques eléctricos, a amar outro que não o nosso clube. Sou do Benfica porque o Benfica me chamou com as suas invisíveis garras de águia, me acolheu no peito, me lambeu a alma, me fez voar. Sou do Benfica porque sou do Benfica. Não há mais nada a dizer, explicar, demonstrar, argumentar sobre tal assunto. Sou do Benfica porque sim.

Perdida a batalha, o meu Pai, generoso homem, dócil ser humano, desportista e desportivista exemplar, arrumou as armas no sótão e deu largas à minha paixão, prometendo-me uma ida ao Estádio da Luz nesse glorioso dia solar (ou fazia chuva? No meu coração a luz entrava por todas as janelas). Na verdade, eu desconfio que ele também queria ir ver os bicampeões europeus, mas para não o afrontar no seu sportinguismo preferi ficar caladinho e dormir na noite anterior com o meu cachecol às riscas vermelhas e brancas feitas pela minha mãe na velha Singer que dava voltas e voltas e nunca mais parava.

Assim, nessa Abrantes rodeada de Tejo - o rio já nos levava até Lisboa -, acordei de uma noite sem sono e fui de pijama tomar o pequeno-almoço com os meus pais. O velho Chico olhava-me, comovido com a luz que irradiava de um coraçãozinho benfiquista. Disse:

- Dizem nas notícias que o Estádio da Luz desapareceu e saiu a voar pelos ares, foi fazer de Lua a outros planetas. Já não podemos ir.

Eu ri-me, senti o que sentem os filhos pelos pais que amam, uma coisa que está para além das palavras e até dos sentimentos. É mais do que amor, porque amor é uma palavra e um sentimento. O que eu sentia era orgulho se fosse possível falar do orgulho de um filho pelo Pai sem usar as palavras. Vesti-me a preceito - calções brancos, camisola vermelha, cachecol glorioso -, pus-me dentro do 2 cavalos a chamar por ele. E o resto do dia da minha ida ao Estádio da Luz conto-vos amanhã, que tenho aqui o meu filho Ricardo dentro do Datsun a chamar por mim para irmos à Catedral.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

A ditadura e a ironia


O facebook apagou-me, por "denúncias", o post do Ontem que fazia a ligação Vieira-Goebbels. A vida é sempre mais irónica do que a arte.




(Como pano de fundo, mais uma parede com as palavras do Grande Líder)

quarta-feira, 1 de julho de 2015

109 anos de Sporting

Parabéns ao Sporting Clube de Portugal e a todos os sportinguistas pelos 109 anos de existência. Um clube que o meu avô sempre me ensinou a respeitar.