Com decepção, tenho ouvido Pedro Ribeiro comentar os jogos do Euro. Não sei muito bem se foi ele que mudou ou se fui eu, mas houve um tempo em que não desgostava dos seus comentários aos jogos ingleses na Sport TV. Hoje noto que a questão central da minha admiração passava pelas horas e dias em que os jogos davam: geralmente de manhã ou início da tarde, aos Sábados e Domingos, horas que estão cientificamente patenteadas como veículos progressivos de uma cura de ressaca. Pode ser que a cabeça me latejasse em demasia, pode ser, e que tudo me parecesse de uma qualidade que não tinha.
Ontem foi quase insuportável ter de ouvir tanto disparate. Desde as infinitas loas a Ronaldo passando pelo desprezo a vários outros jogadores, foi um bocadinho repugnante. No golo da Holanda, no entanto, não se abordou o jogador Ronaldo, vá lá saber-se porquê. E no golo de Portugal, o primeiro, demorou-se algum tempo a compreender o passe fantástico de João Pereira. E mesmo quando se lhe reconheceu a mestria, foi com frases descabidas pelo meio, tanto que na segunda parte, quando o jovem Pereira avançou destemido pela área holandesa, surgiu a pérola: "bem, se ele assiste e marca neste jogo é o fim do mundo!".
Ora bem, João Pereira é um jogador medíocre - penso que é consensual. Mas é-o, acima de tudo, por não saber defender. A atacar, tem qualidades que extravasam em muito a média geral do campeonato português e até - imagine-se - de alguns chamados génios e fenómenos da natureza. Aquele passe, por exemplo, não é raro em João Pereira - e aquele passe demonstra muitas coisas.
Coisas que Ronaldo, nosso líder, herói e capitão, raramente faz. Quantas vezes vimos Cristiano rasgar uma defesa com um passe daqueles? É que por mais que se treine e se crie uma máquina de jogar (e Ronaldo é uma máquina incrível), há lados do cérebro, da imaginação e da visão espacial que o madeirense não tem. Há coisas que não se treinam. Se se treinassem, Ronaldo seria uma besta extraordinária, o melhor de todos os tempos. Assim, é um jogador fabuloso, por aquilo que une características físicas e técnicas. Mas não mentais. E é por isso que Iniesta é o melhor de todos os tempos.
Mas a histeria de Ribeiro em relação a uns e o desprezo por outros, no caso do jogo de Portugal, não se aceitando, compreende-se. Falava o coração, além de outras coisas. Já o abordado no jogo da Espanha não deixa grandes dúvidas sobre a incompreensão que persiste sobre o Barcelona e sua forma de jogar. O lance era este: Piqué entra no meio-campo, avança uns metros, tem Xavi à direita, Iniesta em frente e Silva bem aberto junto à linha lateral. Toda a equipa da Espanha se condensava em poucos metros, excluindo Silva que abria o espaço e criava uma falsa ideia de passe óbvio. Ribeiro exalta-se: "já devia ter passado!". Mas Piquet não passou. Manteve-se no jogo interior, a bola rodou entre vários jogadores no meio e acabou numa jogada qualquer de que já nem sequer me lembro bem. Mas o mal estava feito.
Piquet não "devia ter passado" coisa nenhuma. Não devia porque não era a melhor opção - passando, deixava Silva entregue a si próprio, sem apoios nem possibilidade de progressão -, e muito menos devia só porque era o gajo que estava sozinho. Mas o maior problema disto tudo é vermos um comentador - a quem já ouvi enormes elogios ao Barcelona (como não?) - dizer isto e não entender que afinal o que ele gosta no jogo da equipa catalã não é aquilo que a distingue de todas as outras. E isso, não sendo raro (quase todos os que comentam o demonstram), é bastante triste.