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domingo, 20 de agosto de 2017

JVP, Aimar, Jonas

O futebol, enquanto desporto colectivo, é composto por jogadores com características muito diferentes. Há craques, matadores, caceteiros, jogadores de equipa, úteis polivalentes, vertiginosos, aceleras, patrões, enfim um sem-número de adjectivos. Pese embora a qualidade de jogadores como Simão, Di Maria, Gaitán e tantos outros cujos nomes ocupariam quase uma página inteira, ao longo dos últimos 25 anos lembro-me de ver apenas três jogadores que aliavam a toda a sua qualidade um toque de futebol refinado e de classe que os tornaram diferentes e especiais. Não se trata dos que mais deram o Benfica, dos que mais conquistaram, dos melhores nem sequer dos que mais gostei de ver jogar. São apenas os três que me lembro de ver que tinham um toque de bola, uma leitura de jogo e um brilho, enfim, uma classe que os colocou noutro patamar. João Pinto, Pablo Aimar e Jonas foram os três semi-deuses que envergaram a camisola do Benfica nos últimos 25 anos.

João Pinto chegou menino e viveu os melhores anos da sua carreira no período mais negro da História do Benfica. No pós-94, viu-se ano após ano rodeado por um elenco que não lhe permitiu brilhar em todo o seu esplendor de águia ao peito. Ainda assim, pelo repentismo, pelos argumentos técnicos que não se limitavam ao toque de bola e aos slaloms geniais (foi dele o melhor golo que não chegou a ser, contra a Alemanha), pelos voos de cabeça imortais, marcou uma geração de benfiquistas e fez com que muitos dos nascidos no final da década de 80 e início da década de 90 se tornassem benfiquistas por sua culpa, apesar da escassez de títulos. João Vieira Pinto, um imortal da História do Benfica.

Pablo Aimar chegou já um jogador feito. Envolto num clima de desconfiança pelo fraco rendimento desportivo nos anos que antecederam a sua chegada, além das lesões e tempos de paragem prolongados, após a libertação do futebol enfadonho de Quique Flores foi com Jorge Jesus que mais brilhou ao longo de três das épocas que passou na Luz. O que mais impressionava em Aimar, além da visão e da facilidade e simplicidade com que encarava o jogo, era a forma como orquestrava e dirigia uma equipa recheada de estrelas. Entre Di Maria, Ramires, Saviola, Cardozo, Witsel, Javi, Gaitán e Salvio, era ele que coordenava e corria o espectáculo. Provavelmente a melhor definição de classe que passou pela Luz nestes 25 anos.

Jonas. Custa crer que um dia venceu o prémio de pior avançado do mundo. Custa acreditar que foi dispensado pelo Valencia com apenas 30 anos depois de 48 golos em três temporadas em Espanha. Jonas foi absolutamente decisivo na História recente do Benfica ao ser o grande responsável pela conquista de dois campeonatos que, sem ele, muito provavelmente teriam ido para outras paragens. Técnica de remate muito acima do normal, descongestiona jogo com passes longos de primeira ao alcance de poucos e tem ainda uma qualidade que muito aprecio: tem uma vontade de ganhar muito superior à da maioria dos colegas de profissão.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Paulo Sousa - o génio maldito

Ameaças de morte, um Vice-Presidente a ir perguntar por mim ao local de trabalho, insultos, ódios, calúnias, mentiras, ataques soezes por parte de vários blogues ao Ontem - em 6 anos e tal de blogue já quase tudo nos aconteceu. E, no entanto, nada ou quase nada é justificado. Na verdade, somos atacados por defender o Benfica do ÚNICO PRESIDENTE ILEGÍTIMO DA HISTÓRIA DO CLUBE.

Pensem um pouco nisso: o Presidente actual não ganhou legitimamente o poder; antes o roubou, forjando um número de sócio que não tinha e assim adulterando os estatutos que ele próprio havia criado para se manter no poder. Voltem a reler as últimas frases e questionem-se: será que um benfiquista vertical, sério e profundamente apaixonado pelo seu clube pode aceitar uma situação deste tipo sem recorrentemente lutar contra tal? Podem (devem) discordar de nós, não vejam é outras motivações que não as naturais, legítimas e altamente compreensíveis: queremos defender o Benfica. Nem mais nem menos. É o Benfica que nos guia. Os seus valores, a sua histórica democraticidade, o seu emblema livre e desapegado de caciques. É esse que defendemos todos os dias. Se tiverem a fórmula mágica para fingir que isto não aconteceu numas eleições, por favor expliquem-me como se faz porque eu não consigo olhar para o lado. O Benfica não mo permite.

Portanto, e para que nos odeiem legitimamente e não de forma injusta, vou agora escrever um texto sobre outro odiado do Benfica. A partir de hoje os vossos insultos, ameaças, calúnias, ódios e perseguições por parte de Vice-Presidentes a quem critica a forma como o clube é desgovernado já poderão ser aceitáveis. Vou escrever sobre Paulo Sousa.

Comecei a ver este extraordinário jogador quando a Luz ainda era vista por mim como um gigante de betão com relva dentro. Ligava mais para a cor das camisolas, para a cara das pessoas, para a águia a dar a volta ao Estádio antes dos jogos, para as queijadas de Sintra, para as 4 torres de iluminação a anunciar «BENFICA CAMPEÃO NACIONAL 90/91», para os painéis de publicidade, para as almofadinhas de sentar o traseiro, para as bandeiras ao vento, para os milhares de rolos de papel higiénico que caiam por cima de nós quando a equipa entrava em campo, para a equipa a entrar em campo, para o golo, o golo, o golo do Benfica. Os abraços entre estranhos no golo do Benfica, o olhar do meu Pai no golo do Benfica, o olhar das pessoas no golo do Benfica. Era dentro do golo do Benfica que eu via o Benfica todo, assim todo inteiro, popular, feliz.

Mas houve um jogo em que passei a ver com mais atenção o que ia acontecendo dentro de campo para além do golo do Benfica. Enquanto eu olhava maravilhado para 120.000 almas sob um sol glorioso, o meu Pai disse-me para esquecer as bancadas, esquecer a bola, esquecer as balizas: «fica só a ver aquele miúdo ali no centro do campo». No meio-campo passeava-se com elegância um jovem da nossa formação. Cabelos grandes, passada lenta, olhos abertos sobre o jogo, cabeça levantada, pezinhos de ouro. Paulo Sousa não caminhava sobre o relvado; deslizava. Quando o víamos correr junto de um adversário tínhamos a sensação de que o outro usava chuteiras e ele patins para o gelo - era como se a terra não sentisse os seus passos ou se os seus passos nada pesassem sobre o mundo; gravidade zero, uns pés com asas acima do relvado.

Paulo Sousa é o responsável por ter sido criada a expressão «falso-lento» porque os comentadores não sabiam o que dizer de um rapaz que parecia estar em todo o lado ao mesmo tempo, a dobrar laterais e centrais, a antecipar os lances, a desarmar o adversário, a movimentar-se antes do futuro acontecer. Chamaram-lhe «falso-lento» porque em pique não era rápido mas por alguma razão parecia sempre mais rápido do que os outros. Na verdade, Paulo Sousa não era um falso-lento, era mesmo lento. Não tinha velocidade de ponta, se o puséssemos a correr os 100 metros barreiras com os outros 21 jogadores iria ficar em último, atrás dos guarda-redes. O que ele tinha era a supersónica rapidez de pensamento, que lhe dava a capacidade de ver a jogada antes dela acontecer. E por isso chegava primeiro à bola, por isso desmarcava em passes de 30 ou 40 metros o Paneira na ala direita, o Isaías pelo meio, o João Pinto pela esquerda.

Fazia tudo como se nem suasse. Olhávamos os outros jogadores e todos com um ar desgastado, língua de fora, suor na testa, meias sujas de relva e terra, camisola para fora dos calções, peito aos soluços, costas arqueadas para o relvado. Na disputa do meio-campo daquele princípio de anos 90, tão repleto de equipas com médios sarrafeiros prontos a levar as pernas dos adversários para casa, Paulo Sousa ficava com a bola só com um ligeiro toque. Na «dividida» não usava o corpo para bater de frente; usava-o antes para fingir ir para um lado e logo sair pelo outro. O corpo era assim uma distracção, não um tractor. Com um movimento mentiroso, tirava o jogador do caminho e depois ficava com o terreno todo, com o tempo todo, com a magia toda para entregar de bandeja mais um passe que era três quartos do golo.

Antes de Pirlo, houve Paulo Sousa. Da família genético-genial de Guardiola ou Redondo, coordenava a equipa desde perto dos centrais. Sempre em elegância, suavidade, ternura. A bola procurava-o como refúgio de 90 minutos a ser maltratada. Chegava aos seus pés e ganhava outra cor, outro brilho, outra chama. Era nos pés de Paulo Sousa que ela ganhava fôlego para ir outra vez ser pontapeada por um Celestino, violada por um Paulinho Santos, caluniada por um Bobó. Como este génio pensava muitos segundos antes dos outros, quando a bola ia perdida aos saltinhos para o meio-campo depois de um ressalto qualquer, parecia mesmo que o adversário, que estava mais perto dela a ia ganhar, mas já Paulo Sousa a sabia de cor. Vemos agora o lance em câmara-lenta: o vento passa sobre o corpo dos dois jogadores, a bola vai no meio deles, o público parou todo a tentar perceber quem vai ficar com ela. O adversário estava mais perto mas partiu depois porque não percebeu o futuro que ela levava e assim Paulo Sousa, meio-segundo antes de passarem uns pitons em riste na zona onde estava a bola, só com a pontinha da bota já a desviou do massacre a que iria estar sujeita. Um toque, um pormenor, um samba de uma nota só.

No passe, parecia uma máquina de atirar bolas de ténis. Era só dirigir a mira para onde queria e lá ia ela direitinha cair no espaço atrás das costas da defesa contrária; lá sobrevoava ela todo o campo na horizontal para mudar um flanco que desequilibrava o adversário e deixava um dos extremos com o relvado da Luz todo inteiro para fazer a assistência ou para ir directo para o golo. No futebol, a mania da estatística fura os planos da análise que deve ser feita. A preponderância está em quem marca; às vezes em quem dá. Mas ninguém fala do gajo que faz as assistências para as assistências que dão golo. E é esse, normalmente, aquele que criou o golo, aquele que o potenciou ao expoente máximo de golo que é. 

A assistência para a assistência é o que define o desequilíbrio. Quando a assistência para a assistência ocorre já o golo está para nascer ou se calhar até já nasceu - nós é que ainda não o vimos. Mas Paulo Sousa já o havia visto quando ainda no seu meio-campo deixou de rastos um médio adversário. O resto já está feito e vemo-lo agora: Paneira faz a diagonal da direita para o centro, vai aparecer no espaço entre o central e o lateral, vai cruzar para trás, rasteiro, e o João Pinto já atirou para o golo do Benfica. As bancadas saltaram todas ao mesmo tempo, a Luz está toda cheia de abraços, beijos bandeiras, fumos e vermelho no vermelho. 

No centro do campo, Paulo Sousa com as duas mãos mete o cabelo por trás das orelhas para ouvir melhor o grito de 120.000 almas a gritar: BENFICA, BENFICA, BENFICA, BENFICA, BENFICA!


domingo, 1 de setembro de 2013

Obrigado, João Markovic Pinto

Passei 17 anos a alimentar esta jogada com golo. 17 anos deslocando o Köpke mais para a direita para ele não estragar a melhor jogada do mundo. 17 anos sonhando que, depois do circo que o menino d´oiro fez aos cérebros de 5 alemães, o melhor golo de todos os tempos que nunca chegou a entrar na baliza entrava mesmo e hoje o guarda-redes alemão seria só uma recordação longínqua e não um criminoso que devia estar preso numa fortificação de guarda-redes presos por crimes contra a Humanidade. 

 17 anos depois, João Markovic Pinto atenuou a dor.