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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Os gloriosos benfiquistas do Norte

Nenhum benfiquista pode estar feliz com o estado do clube. Apoiante ou crítico desta Direcção, feroz opositor ou solidário cúmplice destes e outros dirigentes dos últimos 20 anos, é impossível aos benfiquistas não levarem no coração uma mágoa milenar e sentida. Nas últimas duas décadas, o Benfica venceu 3 campeonatos nacionais; nos últimos 18 anos, 2; nos últimos 7, 1 campeonato. Não é bem o Benfica que aprendemos todos a viver, a amar e a seguir por essas estradas nacionais, fizesse chuva, torresmos, sol ou pães com chouriço.

A maior tristeza, ainda mais imponente do que a realidade de um inacreditável insucesso desportivo, prende-se, no entanto, com a perda paulatina dos valores do benfiquismo. Pior do que não ganhar é não ganhar vendo a mística do Benfica afundar-se num universo de disparates e mentiras, enganos, desvarios, humilhações, desrespeito aos fundadores. O Sport Lisboa e Benfica, mesmo perdendo, deve sempre manter os seus fundamentos de clube grandioso, popular, sério e humanista. Abdicando desta génese, não só continuará ganhando quase nada como se metamorfoseará em clube indigno. E isso é o que custa mais, na actualidade: ver o Benfica perder a memória do que foi. 

São vários os exemplos desta perda de valores, potenciada em grande dose pela actual Direcção. Escuso-me a elencá-los, já foram profundamente falados, debatidos, perscrutados. Limito-me apenas a versar sobre um dos que mais me magoa como benfiquista: a perda de noção de clube nacional por parte de muitos adeptos. Não são raros os ataques ao "povo do Norte", confundindo este glorioso povo com os "corruptos, os porcos" e demais epítetos que os adeptos do Benfica vão continuando a lançar, como se o nosso clube só tivesse apoio de Coimbra para Sul. É essa a maior vitória de Pinto da Costa: mais do que os títulos conquistados, conseguiu criar no seio dos adeptos benfiquistas, devidamente ajudado por Vieira e seus acólitos, a ideia de que no Norte só nos querem mal, esquecendo os milhões de adeptos e sócios que vivem e sentem Benfica como qualquer lisboeta, setubalense, escalabitano ou eborense. 

Nos tempos em que o Benfica era verdadeiramente Benfica, todos nós, das nossas cidades de interior, de Sul a Norte, íamos em direcção ao Estádio da Luz. Os bracarenses, os vimaranenses, os portuenses, os flavienses, os aveirenses, os conimbricenses, os alentejanos, os algarvios, os ribatejanos, todos de cachecol preso ao vidro do carro, ansiando pelo momento de chegar e ver o relvado, ver os nossos jogadores, o Estádio da Luz, o velhote da bandeira, o alentejano da águia. O Benfica cumpria o seu destino de clube transversalmente nacional e popular e todos nos juntávamos, de sotaques estranhos uns para os outros, só para ver a vitória. Só para viver Benfica. Comer Benfica. Falar Benfica. O sotaque do nosso Glorioso é o sotaque do humanismo, não há outro. É o da transcendência e da beleza; da amizade e da solidariedade. Somos do Benfica porque não faz sentido à nossa existência sermos de qualquer outro clube. E trocamos os B´s pelos V´s, falamos de forma mais pausada, dizemos "dé" ou "este caralho" ou "moss" ou "magano", "cimbalino" ou "bica", "fino", "buja", "jola", "fresquinha" e todos, na confusão dos dialectos, nos unimos pelo Benfica. 

Perder, como temos perdido, esta comunhão de afectos, criando guerras imaginárias entre regiões que vivem todas elas o clube, é perder o fundamento original do que foi, é e deverá ser sempre o Sport Lisboa e Benfica. Chamar "tripeiros" aos portistas é errado; tripeiros são os habitantes da maravilhosa cidade do Porto, maravilha mundial onde vivem tantos e tantos benfiquistas de alma e coração. Querer insultar pessoas, chamando-lhes "nortenhos", é não perceber nada do que o Benfica respira. É comprar o que Pinto da Costa tenta vender, o que Vieira, pobre de espírito, não sabe compreender. O Sport Lisboa e Benfica, este Glorioso clube, esta luz, este farol, este exemplo de desportivismo, liberdade e universalismo, é de todos e para todos. Foi construído pelas veias do amor, não pela mão nefasta das negras mãos da guerra e do ódio. 

Um dos Vice-Presidentes do nosso clube, ainda por cima portuense (devia perceber coisas simples), pede aos benfiquistas que usem da estratégia "olho por olho, dente por dente" para com a corrupção e criminalidade do poder portista. Rui Gomes da Silva nunca entenderá - como os apoiantes do que defende - o que é o Benfica. O nosso clube venceu por ser um farol para o futuro, um exemplo para o presente, uma memória essencial do passado. O Benfica não usa de vinganças nem copia ninguém. O único caminho que este clube deve percorrer é o de ser sempre fiel a si próprio. E assim ganhará, se souber respeitar-se. Afundar-se em imitações de outros clubes, procurar refugiar-se em acções violentas e sujas de outros, é afundar-se a si próprio num jogo que desconhece e que, por isso, o fará sempre perder mais e mais vezes. O Sport Lisboa e Benfica é luz; não tem trevas no seu coração.

Os gloriosos benfiquistas do Norte são tão benfiquistas como os gloriosos benfiquistas do Sul, do Oeste, do Este, do interior e do litoral. Não merecem ser conspurcados e confundidos com adeptos de outras instituições menos dignas apenas e só por viverem, com orgulho, nas suas regiões. De Caminha a Vila Real de Santo António, de Peniche a Elvas, de Chaves a Setúbal, de Beja a Viana do Castelo, de Coimbra a Faro, do Minho a Lisboa, de Setúbal ao Douro, de Trás-os-Montes a Sines, da Beira a Moura, de Santarém ao Alentejo, do Algarve ao Porto, Benfica. Benfica por todos os poros deste país. Benfica dentro das estradas e das árvores, das plantas e das casas, dos carros, das montanhas e serras, das ondas e dos mares, das cozinhas e lareiras deste país. Só dá Benfica. 

Angola, Moçambique, Cabo-Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Macau, Goa, Damão e Dio, Índia, Estados Unidos, Timor, Austrália, Canadá, Suíça, Alemanha, Brasil, França, Holanda, Luxemburgo, Venezuela. Só dá Benfica. 

Chamo o benfiquista Mahatma Gandhi ao texto e despeço-me: «Olho por olho, e o mundo acabará cego».