Quando falamos em coisas tão estranhas como "passes verticais" ou "espaço interior" estaremos a discutir a remodelação e decoração de uma casa? Ou continuamos a falar de futebol?
O passe vertical, apesar de continuar a ser na horizontal do relvado, é das formas mais inteligentes e certeiras de desequilibrar uma equipa. É um passe que consegue meter a bola dentro do bloco adversário, originando fissuras, desarranjos, medos, hesitações. A bola que sai de Samaris consegue em menos de um segundo ultrapassar 5 jogadores do Braga. Essa bola, antecipando o perigo, já vai doida para beijar as redes quando chega aos pés de Carcela.
A recepção, que é meio-golo apesar de ainda estarmos a umas dezenas de metros da baliza, consegue aproveitar e potenciar ao máximo o passe vertical de Samaris: num só toque, o marroquino ganha espaço sobre o marcador directo e tira o segundo adversário (a última muralha bracarense) da jogada. Imposto a vantagem territorial, faltava um passe perfeito. Carcela não desiludiu, direccionou a bola pelo trilho certo de relvado. Rodou, rodou, rodou até encontrar Jonas que vinha do meio-campo a acompanhar o progresso da redonda. A finalização é sem mácula, fria, redonda, macia.
A conquista do espaço interior não é um discurso intelectualizante de alguém que decide aventar conceitos sobre o jogo só porque sim. É porque pelo meio, dentro da organização da equipa adversária, é mais fácil, é sempre mais fácil, chegar ao golo. Os jogadores têm mais soluções, mais apoios, estão bem posicionados em relação à baliza, podem criar mais facilmente, desequilibrar o adversário de mais formas.
Veja este lance uma primeira vez com os olhos na bola. Depois outra e outra, sempre com os olhos na bola. Que golo bonito, não é? Agora observe desde o princípio do vídeo a movimentação de Carcela: veja como o marroquino se prepara para receber a bola de Samaris, apto a ganhar a frente do lance para rapidamente deixar atrasado o marcador directo; veja a beleza de pensamento de Carcela quando, após a recepção, já sabe que o Jonas vai entrar naquele espaço central. O passe é o culminar de um pensamento perfeito.
Agora meta o vídeo e só observe Jonas. Veja como ele vem de fazer jogo em espaço mais recuado e vai conquistando o seu lugar no terreno enquanto antecipa o que vai acontecer dali a 2,5 segundos: vai estar isolado em frente ao guarda-redes. Jonas ataca a zona mais sensível do adversário sem que pareça ser nada com ele. Pezinhos de lã, quase desinteressado da jogada, quando mete a 5a já os defesas do Braga estão a rezar a um Deus desconhecido.
Este é um dos melhores golos da época. Por aquilo que é visível e pelo que é menos óbvio. Porque é um golo que nasce, cresce e se multiplica nas asas do bom futebol.
2 comentários:
Parabéns pela análise detalhada! Vale a pena rever!
Desafio o mesmo tipo de análise para o terceiro golo do benfica frente ao Braga, para o campeonato, marcado pelo Pizzi.
Vale muito a pena rever todos os pormenores das movimentações dos jogadores do Benfica!
Off-topic: Foi preciso ir a um site brasileiro p redescobrir a equipa de mil nove e nove quatro:
https://todofutebol.com/2016/04/27/videoteca-tf-um-show-do-jovem-rui-costa-pelo-benfica/
E temos um passe vertical do Rui por volta do minuto e vinte.
NunoMS
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