Enquanto fenómeno social, o futebol move paixões que são por vezes difíceis de entender. Existe um certo grau de irracionalidade no jogo que faz com que os adeptos não se consigam distanciar o suficiente para conseguir analisar algumas decisões do próprio futebol, como não acontece em mais nenhuma circunstância da vida. Talvez por isso o patrão do adepto seja um déspota, a mulher seja uma controladora, o dono do café onde vê a bola seja um avarento, o primeiro-ministro seja um aldrabão, os políticos sejam todos corruptos mas o presidente do clube de futebol, ai o presidente do clube de futebol, seja um herói sacrificado, um exemplo de liderança e uma figura de culto.
Algo está errado. Especialmente quando os três grandes se vêem representados por estas figuras. E aqui estou completamente à vontade para falar porque a única vez que votei em Vieira foi há oito anos e o arrependimento chegou menos de um ano depois, não pelo título de campeão nacional conquistado mas pelos negócios pouco claros que começaram a surgir com o Atlético de Madrid. A confiança perdeu-se. Porque um clube é muito mais que os títulos que conquista e o seu presidente deve ser alguém minimamente digno e que represente os valores do clube. Por isso mesmo, apesar de reconhecer o excelente trabalho que Vieira tem feito em áreas como a construção de infraestruturas, a criação de condições para os escalões de formação singrarem, a modernização e profissionalização da estrutura e finalmente o sucesso desportivo, não posso nem irei esquecer as mentiras sucessivas, os negócios pouco claros e a ausência de um debate plural e democrático promovido por constantes fugas aos debates com a oposição, com alteração de estatutos e de datas de eleições para evitar candidatos incómodos.
Este défice democrático criado pelo populismo dirigido às massas por presidentes-ditadores é aliás um fenómeno que não é de hoje e não é exclusivo ao Benfica (nem a Vieira, porque mesmo Vale e Azevedo chegou a ter quase 40% dos votos depois de um dos mandatos mais nefastos de um presidente na História do Benfica). Também o FC Porto, cujo presidente tem mais anos de poder que eu de vida e no qual não me lembro de existir um candidato a desafiar Pinto da Costa, vive este problema de ausência de debate democrático. E o Sporting, claro, depois de ultrapassada a oligocracia do croquete que dirigiu o clube anos e anos a fio, vê-se agora a braços com um demagogo radicalista com um discurso que cativa a maralha e que coloca em xeque qualquer pessoa com ideias e que se oponha ao seu reinado através de comunicados, insultos e perseguições.
Não me identifico com esta gente. E tenho alguma dificuldade em compreender gente inteligente que utiliza justificações como "pelo menos fez obra", "deu-nos títulos" ou "devolveu o orgulho de ser benfiquista/sportinguista/portista aos adeptos". Nem tudo tem de ter um preço, especialmente quando ultrapassa a nossa dignidade ou a dignidade que os clubes devem ter.
P.S. Peço desculpa a todos os que ao longo dos anos foram comentando aqui ou no Eterno os meus posts, mas a partir de hoje só o poderão fazer através do Facebook na página do Ontem Vi-te no Estádio da Luz.
P.S. Peço desculpa a todos os que ao longo dos anos foram comentando aqui ou no Eterno os meus posts, mas a partir de hoje só o poderão fazer através do Facebook na página do Ontem Vi-te no Estádio da Luz.