sexta-feira, 4 de maio de 2018

Porque joga o Benfica




Há quem ingenuamente pense que o Estádio da Luz é um estádio, um lugar para apoiar a equipa, ver o Benfica, esquecer os problemas do trabalho. Falso. O Estádio da Luz é essas três coisas mas é muitas mais: é uma nave espacial, é um Oceano de Sangue, um poema, uma ponte universal, um mapa.

O Estádio da Luz é um mapa que define as coordenadas de todos os benfiquistas. Uma referência na cidade. A referência da cidade. Em dia de jogo, Lisboa existe apenas para fingir que existe, que aparece, que tem coisas a acontecer. Lisboa, no dia do jogo do Benfica, serve para embelezar o Estádio da Luz. Para que os turistas não pensem que o único monumento realmente importante é aquela nave de betão com arcos vermelhos e um fumo suspeito a levantar voo do relvado e das bancadas para o céu de Lisboa.

Os benfiquistas sabem disto mas fecham-se em copas. Deixam que os demais o não percebam. Não comentam, não se descosem. Limitam-se a fazer o que lhes compete: ruminar longamente a olhar para o relógio, ligar para os outros benfiquistas, enviar cúmplices mensagens sobre o sítio no mapa aonde irão encontrar o seu lugar no mundo.

- Às cinco no Manelito?
- Combinamos na Estátua do Eusébio. Não te demores.
- Vou estar no Terceiro Anel com o Rui das Finanças.
- Almoçamos na Catedral da Cerveja?
- Olha, afinal vamos para as rulotes do lado do Cosme Damião. Desculpa só dizer agora.
- Tenho de ir à Loja comprar um tapete de rato para o meu filho.
- Depois liga. Estaremos na Adidas.
- Quando chegares ao viaduto, diz coisas.
- Antes ainda vou ver o Andebol.

Um mapa. Um mapa da cidade que é o Benfica. Que é o Estádio da Luz. E dentro do mapa, outro mapa.

- Já chegaste? Foda-se, estou no Manelito e não te vejo!
- Pá, estivemos no Eusébio meia-hora. Já entrámos.
- Não te vi mas encontrei o Rui das Finanças. Já ia bonito!
- Almoçamos mas antes tenho de ir buscar o novo cartão. 5 euros ó caralho!
- Na boa. Ainda vou no autocarro a ouvir o onze. O Jonas não joga?!?!?!
- Compra antes uma garrafa de champanhe do Benfica.
- Não te metas nisso. A Adidas em dia de jogo parece o Santuário de Fátima.
- Já cá estou. Passou agora o autocarro!
- Nós vamos ao basquetebol. Encontramo-nos lá dentro, então.

Um mapa dentro de um mapa dentro de um mapa que é o próprio adepto. O benfiquista tem um GPS natural e glorioso que o faz seguir, esteja onde estiver, em direcção ao Estádio no dia de jogo.

Acorda às 5 da manhã em Chaves, sai do trabalho na Amadora uma hora antes, fecha a loja do Montijo e põe um cartaz: “ausente por motivos de excesso de Luz”, não vê os últimos minutos daquele intenso Portimonense-Farense em escolinhas com o filho sentado no banco de suplentes, vem da Terceira em executiva horas antes do jogo, enche de farnel o Comboio do Benfica, falta a casamentos, a jantares de Natal, a despedidas de solteiro, à dissertação do amigo, ao aniversário da sogra, às votações caseiras do Festival da Canção, à missa, ao velório, ao nascimento do primeiro bebé da aldeia nos últimos 20 anos.

Porque joga o Benfica.

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