terça-feira, 3 de julho de 2018

O TIRO-LIVRE DIRETO SEGUNDO JONAS


Desde o cabrito que deu a um jogador do Arouca, no seu primeiro jogo oficial pelo Benfica, Jonas ficou-me na retina. Não porque aprecie em demasia os pormenores artísticos dos cabritos, dos chapéus, das bicicletas e dos túneis. Adoro vê-los, como qualquer um, mas sei que são “apenas” momentos de algo bem maior. E são muitos, os exemplos de jogadores que decidem orientar alguns dos seus momentos para a fotografia, levados pelo entusiasmo dos adeptos e pelo mediatismo e imediatismo das redes sociais. Mas estes pormenores técnicos também podem ser os mais certos a fazer naquele específico momento de jogo. Nunca vi o Messi procurar fazer “ratas” aos seus adversários apenas porque sim, mas já o vi fazer passar a bola por baixo das pernas de muitos jogadores e, sobretudo, de muitos guarda-redes, porque é o certo naquela jogada e porque é o melhor que pode fazer naquele momento, de forma a que o jogo flua construtivamente para o golo. Esta é uma característica de poucos jogadores. É uma característica de Jonas.

Dia vinte e nove de janeiro do ano dois mil e dezoito, Lisboa, Estádio do Restelo.
Como todos sabemos, Jonas falha um penálti pela segunda vez desde que chegou ao Benfica. Eu fiquei pior que estragado, nem queria acreditar. Pensei que tínhamos perdido aí o campeonato, mais coisa menos coisa. E depois deu-se um momento mágico, um dos momentos incríveis que o Benfica me tem proporcionado ao longo da vida:



Aos 95 minutos de um jogo que estávamos a perder, Jonas sofre falta fora da área do Belém, a cerca de 23 metros da baliza, mais coisa menos coisa. Falta clara, prontamente assinalada; barreira feita. O Génio chega-se à frente. Percebemos que é ele que vai marcar o livre, por toda a sua linguagem corporal. Está super focado e imbuído de uma vontade que o transcende, de uma inspiração que (talvez julgue) lhe chega de cima. E chega mesmo. Vem daquele cérebro extraordinário e daquela obsessão incontrolável que Jonas tem pelo Jogo, desde menino, e que faz dele um dos eleitos de todos os tempos. Aquele maravilhoso órgão cognitivo coordena-lhe então a dança: chega-se à frente, volta para trás, reclama o seu lugar junto do árbitro. Mais uma vez, para a frente, para trás, a quantificar dimensões, enquadrando a baliza como um engenheiro que diz a medida do raio de uma roldana, a olho, e acerta ao milímetro, ou como aquele médico que olha para o paciente e desconfia imediatamente do mal que o enferma, mesmo sendo oculto para a esmagadora maioria dos seus colegas.

Depois foi o que se sabe: Jonas marca um golo absolutamente fenomenal, acessível apenas aos predestinados. Tudo isto que vos descrevo é maravilhoso, eu sei, mas não é este o momento que considero ser o mais paradigmático daquilo que é Jonas, como jogador e como Ser Humano. Ao regressar para o seu meio campo, Jonas não está a sorrir nem a responder de forma eufórica aos cumprimentos dos companheiros. Cabisbaixo e com a cabeça a dizer que não, é aí que vemos a sua verdadeira dimensão, assumindo totalmente a responsabilidade de um erro com um nível ímpar de exigência. Acartou-a aos ombros, a essa responsabilidade, até sofrer aquela falta providencial. E neste momento de transcendência, Jonas é o Benfica inteiro. Jonas é a exigência com foco e o perfeccionismo de quem quer mais que os outros; Jonas é o amor pela camisola e pela excelência. Ele mostra-nos o que é assumir um erro, e mais do que isso, o que é resolvê-lo dentro do possível. Sobretudo, Jonas mostra-nos como é que não se fica contente com uma conquista pessoal, num momento em que o interesse colectivo fala mais alto. Fosse assim a nossa equipa técnica, fosse assim a nossa direção, e o penta seria uma realidade.


Eu gosto particularmente quando um jogador sente o seu clube de coração. Gosto de ver nos olhos dos jogadores o mesmo amor que trago nos meus. Gosto quando sofrem, como eu. Não quero que se sintam frustrados, por princípio, mas a sua frustração aproxima-me, paradoxalmente. O Benfica perdeu este campeonato por razões alheias a esse penálti falhado no Restelo, mas não quis deixar de emoldurar este momento de transcendência. Porque o Futebol é muito mais do que um jogo.

Bebedouro, Brasil, num final de uma tarde do mês de fevereiro, em mil novecentos e noventa e quatro: Maria Luiza vai ao quintal chamar os filhos para o lanche. O jogo já acabou mas os  seus três filhos continuam a dar uns chutes na bola, aparentemente ao acaso. Thiago e Diego, grita Luíza, o que estão fazendo com seu irmão? Jonas, você não está de castigo, filho, porque fica desse lado de lá do muro a chutar? Quase que nem consegue ver a baliza, filhote. Precisa mesmo fazer isso todo o santo dia?

Thiago e Diego sorriem, mas deixam que Jonas responda. Está tudo bem mamãe, diz o pequeno Jonas, enquanto passa a mão pelo cabelo suado. Estou só treinando tiro-livre direto, como faço todo o dia. Quero manteiga no meu sanduíche, manhê!

Luíza suspira, retorquindo em tom de pedagogia: não está esquecendo de nada, Jonas?

Um curto silêncio.
 Ouve-se então uma voz envergonhada, difractada por um muro:

…por favor, mãe.


19 comentários:

joão carlos disse...

pois mas eu preferia que ele tivesse concretizado o penalty ,e nem era preciso genialidade, é que se fosse assim não tínhamos empatado.

Filipe Rebelo disse...

eu acho que é preciso genialidade para tudo, mas só quando a temos
portanto acha que Jonas, se tivesse marcado o penálti, teria sofrido aquela mesma falta e teria marcado aquele mesmo livre direto? e ganhávamos 1-2, é isto?

Francisco disse...

Filipe penso que o Joao se refere ao facto de no momento do penalty ainda estar 0-0. Assim, a ganhar 1-0 provavelmente o Belem nao teria marcado. De qualquer das formas, se na altura poderiamos pensar que tinhamos perdido o campeonato ali, hoje conseguimos ver que nao foi pelo jogo de belem que o perdemos de certeza, e muito menos pelo Jonas.

Texto muito bonito, parabens.

joão carlos disse...

não, duvido muito é que em vantagem eles tivessem empatado, alias só marcaram porque estávamos a atacar no desespero e já em desequilíbrio na defesa.

e eu não disse que ele não tinha genialidade.

alias quando foi do livre eu pensei para comigo, que ele ia mesmo converter o livre só pelo facto de não ter convertido o penalty, como da mesma forma acredito que se ele tivesse convertido o penalty e tivesse um livre depois naquela mesma posição ele não o tinha convertido.

Filipe Rebelo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Filipe Rebelo disse...

Francisco, eu acho que já percebi o que o João quis dizer. E estou consigo, não foi ali que perdemos o campeonato, não foi por causa de Jonas que perdemos este campeonato, foi pela sua ausência, por lesão, no final da época. Pode parecer que estou a fazer um exercício de realidade alternativa, mas acredito que tínhamos ganho ao FCP em nossa casa, com Jonas. Bem como nos demais jogos finais, nos quais perdemos pontos.

Acho também que, se tivesse havido uma falta na mesma zona, Jonas não teria sido o marcador de serviço. E acho isso muito triste, porque Jonas devia marcar todos os livres que estivessem num enquadramento bom para ele. Jonas é, para mim, e de longe, o melhor jogador do Benfica. É um jogador de altíssimo nível mundial. Esta pequena referência que faço, no final, é ficção, mas só nos diálogos. O enquadramento é o certo, os pais de Jonas tinham mesmo um campinho no quintal, para os filhos jogarem com amigos, e era o que faziam todos os dias. E o tal muro, atrás do qual Jonas ficava, existe (ou existia) mesmo. Eram os irmãos de Jonas que o metiam a treinar livres dessa forma, ouvi a mãe de Jonas a falar sobre isso, um dia. E eu acho isso tudo maravilhoso, acho que é uma memória tão bonita, tão reveladora, que achei que deveria escrever algo sobre ela também.
Ainda bem que gostou do texto, a ideia era mesmo ser um texto de elogio ao Jonas, mas, e sobretudo, um texto de amor pelo Benfica, que é a maior razão pela qual escrevo aqui.

Obrigado

Filipe Rebelo disse...


João, eu sei que não pôs em causa a genialidade de Jonas, que, aliás, está bem patente neste livre, por exemplo. Eu percebo o que me diz, Cervi também fez um remate completamente aparvalhado numa ótima situação de golo. O Benfica não jogou muito bem esse jogo. Não tenho sequer a certeza, mesmo que o Jonas tivesse acertado aquele penálti, que o Belenenses não marcaria depois, num outro momento. O jogo estava demasiado partido para se prever fosse o que fosse. Foi o jogo mais irritante que vi no Restelo, desde que me lembro de lá ir.

Vou meter aqui um pouco do texto original, que acabei por omitir também por questões de estrutura e de ritmo de leitura que achei certo para aquilo que queria transmitir:

"Jonas falha um penálti, pela segunda vez desde que chegou ao Benfica. A primeira vez tinha acontecido cerca de um mês e meio antes, contra o RAve, para a Taça de Portugal. Voltou ainda a falhar um penálti, cerca de vinte dias depois do jogo do Restelo, contra o Boavista. Antes disso, temos que recuar a 2013, para ver o primeiro penálti falhado por Jonas na sua carreira profissional, quando ainda estava no Valência, o único que falhou sem estar a jogar pelo Maior. Jonas marcou vinte e um golos de penálti pelo Benfica (transfermarkt).
O que aconteceu? Jonas marca os seus penáltis de forma colocadíssima e exemplar. Mas, depois de vinte, começamos a ter uma estatística que revela tendências e idiossincrasias. Parece-me natural que alguns treinadores de guarda redes da Liga tenham estudado e treinado uma forma mais eficaz de abordar os penaltis do Jonas. É natural dados os números, dado o acesso fácil à informação e dado que Jonas está em Portugal pelo quarto ano consecutivo, sendo o marcador de penaltis de serviço do SLB. Felizmente, Jonas é um génio e já alterou a sua forma de marcar as grandes penalidades. Agora é comum continuarmos a ver colocação mas com mais força e com menos paradinha e hesitação."

Também omiti esta parte do texto porque poderia parecer que eu estava a tentar justificar ou desculpar o Jonas, e não estava, aliás, não estou. Mas a minha leitura não me parece errada. Jonas tinha uma média absolutamente imaculada, na marcação de grandes penalidades, antes desta época. Falhava menos de 5%, o que é absolutamente genial. Mas, como disse no texto transcrito, os GR desenvolvem anti corpos, com o passar do tempo. Os jogadores têm que estar sempre a reinventar-se. E foi o que fez Jonas.

joão carlos disse...

mas eu também não disse, nem quis dizer, que perdemos o campeonato por esse jogo ou por ele ter falhado o penalty.

perdemos por uma má abordagem ao jogo com os corruptos, e duvido muito que com o jonas em campo as coisas fossem diferentes, basta ver o historial dele contra os outros dois grandes.
quando muito a razão não foi termos ficado sem o jonas mas de não termos ninguém que o substituísse.


Benfiquista Primário disse...

Belíssima homenagem a um dos mais belos jogadores que já passou pelo nosso Benfica!

Quando parecia que até havia algum mérito de RV naquele futebol que jogámos entre Janeiro e Março - finalmente um modelo de jogo à Benfica, com futebol de posse em ataque posicional e jogo apoiado, combinativo e criativo - eis que Jonas sai do onze e o nosso futebol cai a pique, outra vez para aquele jogo desligado, aos repelões, de chutões para a frente, correrias desnecessárias e fé na sorte ou nos rasgos individuais!...

Filipe Rebelo disse...

João, entendo o que me diz. Eu, ainda assim, acho que, com Jonas em campo, somos sempre melhores, mesmo que ele não marque nenhum golo. Acho que a qualidade de um jogador, mesmo de um avançado, vê-se nos momentos em que pensa o jogo e mete a equipa a jogar. Acho que, com Jonas em campo, estaríamos sempre mais perto de ganhar esse jogo. Claro que não o posso provar, apenas intuir. Para mim, Jonas melhora sempre o nosso jogo.

Filipe Rebelo disse...

Obrigado, caro Benfiquista Primário. A ideia original não foi falar da importância desta circunstância no nosso campeonato, a ideia era mesmo homenagear e honrar Jonas, um jogador de excepção, que me delicia ver, desde o primeiro dia. Tem sido a principal razão de eu não falhar um jogo na Luz.
É bem verdade, o que diz. Jonas saiu e o Benfica de RV acabou. Porque, na realidade, nunca houve nem haverá um Benfica de RV, porque RV é, na minha modesta opinião, um dos piores treinadores que vi no Benfica, no conhecimento tático e na metodologia de treino. Um perfeito horror.

Benfiquista Primário disse...

Agradeço a resposta e subscrevo com veemência o seu último parágrafo. Também tenho dificuldade em lembrar-me de mais do que um par de treinadores tão maus no nosso Benfica. Talvez o Camacho, sobretudo da segunda passagem...era muito igual, no futebol e no discurso. É substituir o 'salir a ganar con muchas ganas' pela sacrossanta 'determinação' e pelo 'sabermos o que queremos'...

Eu estou à vontade porque sempre fui muito crítico de RV desde Julho de 2015, e mantive as críticas mesmo quando ganhámos o tri e o tetra. Agora que perdemos o penta, já há uma multidão de críticos...enfim, quando se vê só os resultados e não como foram obtidos, perpetua-se o erro histórico que foi a sua contratação...

Não sou vieirista dogmático nem anti-vieirista dogmático, mas de todos os defeitos de Vieira, o que mais me aflige é mesmo ele não perceber de futebol. A escolha de treinadores é prova disso - e a escolha de JJ a excepção que confirma a regra.

Filipe Rebelo disse...

Isso tudo é bem verdade, caríssimo onteano. Um tipo que é inteligente não pode levar superstições para o trabalho. Até as pode ter, de alguma forma quase todos teremos qualquer coisa de crença dentro de nós. Mas obrigar os jogadores a darem voltas a rotundas é algo que me faz confusão. É preciso ser-se muito pouco inteligente para não se ver aqui uma bandeira vermelha, bem alta.
RV não percebe nada de futebol e só lá está porque é um yes man de LFV que, como disse, não percebe um caracol sobre Futebol.
JJ foi uma excepção. Mas ao deixar o clube criou uma onda de antis, daquelas pessoas que ficam com dor de cotovelo e que, por isso, passam a valorizar tudo o que lhe segue para o tentarem desvalorizar. E é isto, é assim que se pensa o Benfica, com o intestino grosso em vez de ser com o cérebro.

Benfiquista Primário disse...

Oh pá, até corei com essa do 'onteano' ☺️ Obrigado!

Estamos juntos, mas na verdade não serve de nada: vamos ter que levar com o Mister Fezadas mais uma época, pelo menos...:(

joão carlos disse...

na teoria concordo que um jogador como jonas deve jogar mesmo que não marque, o grande problema é nestes jogos o jonas não marque e sem jonas não temos mais ninguém que marque.

dos extremos só salvio tem golo, com todos os defeitos que tem, e os medios só pizzi tem golo e mesmo assim o ano passado nem isso.

e o futebol continua a ser um jogo simples em que ganha a equipa que marca mais que o adversário, como se viu neste mundial, independentemente da estrelas ou génios.

Filipe Rebelo disse...

Continuemos, então. Caro onteano, na última AG fiquei com a impressão de que LFV já andava a preparar a cama ao RV. Apenas pela forma como falou. Disse algo do género: "Parem lá de falar do Rui Vitória, o Rui Vitória é o treinador do Benfica, pronto. Não vale a pena estar aqui a discutir o RV". E foi assim que LFV se esquivou a dizer coisas que já lhe ouvimos anteriormente, como "RV ainda vai dar muitas alegrias aos benfiquistas", ou "RV tem a total confiança da direção" ou seja lá o que for. A única forma de RV sair "já" seria se falhássemos a entrada na Champions, e isso é tudo aquilo que não queremos. O Benfica tem que ganhar SEMPRE, nem que seja num jogo a feijões. A ida à Champions é vital para o clube, e quem achar o contrário disto não está a pensar bem. Além do mais, seria a forma de facilitar a vida a LFV e aos lambe cus dos pro vieristas, que tanto povoam o nosso clube e as imediações blogosféricas. LFV vai ter que despedir RV assumindo que foi um erro dele, e não da incompetência de RV, porque LFV é o único responsável por esta escolha absolutamente desastrosa.

Filipe Rebelo disse...

João, eu concordo na teoria e na prática. Com Jonas em campo estaremos sempre mais perto do golo. A questão é esta: a nossa equipa borra-se quando joga com o FCP. Isto parece sistemático, e ainda acontece, embora já sem alguma razão. A única qualidade que reconhecia a RV era, precisamente, a de jogar com o FCP sem medo (mais até do que contra o SCP), e até isso ele perdeu, de tão medíocre que é. Este ano os jogos foram uma vergonha. Mas não é responsabilidade de Jonas. E na Champions também não. Se a equipa TODA rende abaixo do que deve, nesses jogos, é evidente que Jonas não os poderá resolver sozinho, como tb é evidente q Jonas terá que render menos, porque Jonas não joga sozinho e depende dos seus companheiros para fazer o jogo acontecer.
E sim, esses são os jogadores com mais golo que por lá andam. É caso para perguntar por que razão o Mitroglou foi vendido no início do ano, se ele marcava fosse a quem fosse, tipo Cardozo?

joão carlos disse...

mas as dificuldades do jonas não foram sequer este ano, nem sequer só deste treinador.

sobre o mitroglou foi dos primeiros a dizer a borrada monumental que estávamos a fazer.

Filipe Rebelo disse...

João, eu não consigo entender como se fala das "dificuldades" do melhor jogador a jogar no campeonato português. Volto a repetir, Jonas não joga sozinho. Se ele rende menos com os grandes é porque toda a equipa rende menos e isso baixa a qualidade de toda a gente. Jonas incluído.
Não entendo o movimento anti Jonas. Para mim é um milhão de vezes pior do que o movimento anti Pizzi, e este já é irritante e descabido, no mínimo. E eu não sou o maior fã do Pizzi,