quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Ser do Benfica sem viver em Lisboa



As rulotes à volta do Estádio da Luz são autênticos consultórios benfiquisto-sentimentais. Antes do jogo, depois do jogo, às vezes durante o jogo, benfiquistas de todas as regiões do país e de todos os lugares do mundo discutem gloriosamente o que é o Benfica. Poupam-se fortunas que seriam gastas em psicólogos, psiquiatras, bruxos, prestidigitadores, economistas, médicos, enfermeiros. Os adeptos do Benfica resolvem os seus assuntos todos em pé, sem sofás, em frente a bancas de cerveja, carne e televisões manhosas a passar jogos da Liga Inglesa.

Enquanto se antecipa, se resume ou se esquece o jogo com uma imperial na mão, uma bifana na outra e um cachecol glorioso ao pescoço, já se combinaram e resolveram negócios extraordinários e problemas amorosos; já foram feitas juras de eterna amizade, já pais e filhos se reencontraram, já um Ministro de um Governo de Esquerda abraçou um deputado de Direita, já o mundo, tal qual o conhecemos, pareceu menos feio. Só ainda não ficou devidamente esclarecido o que é ser do Benfica sem viver em Lisboa.

Eu agora vivo em Arroios. Posso estar na Luz em 20 minutos se apanhar o metro, em 30 se for de autocarro. Numa hora a pé. Em 10 minutos de Táxi. Um luxo que conto ao miúdo que eu fui a viver em Abrantes nos anos 80 que vinha com o Pai de manhã, que fazia 3 horas de viagem pela Nacional para cá, outras 3 para lá, que chegava a casa depois dos jogos europeus às 4 da manhã. E o que dizer de quem vivia e vive em Chaves, na Madeira, em Caminha, em Luanda, em Toronto, em Famalicão, em Genebra? Em Portimão, em Maputo, no Rio, em Beja, no Porto, no Luxemburgo, em Guimarães, em Coimbra, Mértola? Em Viseu, em Vila Viçosa, em São Paulo, na Figueira da Foz, em Paris, em Sines, em Castelo Branco, em Lamego, na Terceira? Como explicar às pessoas que vivem em Lisboa a aventura épica de tirar um dia e uma noite para ver o Benfica, para sofrer pelo Benfica? 90 minutos que condensam um sentir e um sacrifício e uma bênção e um amor que nos afastam tantas vezes da família, que nos obrigam a trocar horários com colegas, que nos massacram o sono, que, no fim de tudo, nos completam porque foi feito com o Benfica, para o Benfica, pelo Benfica?

Ser do Benfica sem viver em Lisboa é ser do Benfica a amar a estrada que o Benfica é. 1904 quilómetros de Sangue, Loucura e Mística.

5 comentários:

Frank disse...

Gostei muito deste texto porque me tocou,eu vivo a mais de cinco mil klms de Lisboa ja fiz sacrificios enormes para ver jogar o Benfica,ja vi O Benfica em Toronto jogar sobre chuva torrencial e depois conduzir uma hora todo encharcado apos o jogo,noutra altura voltei a ver o Benfica em Toronto jogo terminado por essas 10:30 pm voltar a conduzir mais uma hora e trabalhar toda a noite,outras ocasioes vinha da regiao de Setubal atarvessar o Tejo via Barreiro ver o jogo e nao o via ate ao fim que tinha de vir a toda a pressa para apanhar o ultimo barco pro Barreiro,tudo isto fiz pelo amor que tenho a este enorme clube agora imaginem se eu vivesse em Lisboa nao falhava nenhum jogo acreditem.

Anónimo disse...

Fantástico texto, uma grande homenagem para todos os que, longe de Lisboa, se sacrificam e gastam fortunas para poder sentir e ver o Benfica a jogar no estádio da Luz. Um muito obrigado.

joão carlos disse...

e mesmo aqueles que não podem ir ao estádio, ou aos estádios por esse portugal e mundo fora, não são menos benfiquistas por isso.

Benfiquista Tripeiro disse...

É um modo de vida. Literalmente. Mexe com tudo. Do trabalho à família.

Ainda hoje, apanhei um bocado de seca no Bessa, à espera que abrissem as portas para sair, fui dar a volta maior até ao carro, bebi um fino, fui nas calmas, uma hora depois do jogo já estava em casa. E 20 minutos desses foram à espera que abrissem as portas.

Com o fener, passado uma hora do fim do jogo ainda estava a tentar entrar no caos da segunda circular, para vir para cima. E eu fico no Porto. Tenho amigos que ainda continuam, Viana, por exemplo. E no dia a seguir trabalhinho manhã cedo.

Repetir isto 10 a 15 vezes por temporada. Sem contar com a despesa. É melhor nem falar nisso.

Depois é somar os jogos que também se vão ver fora.

Enfim. É uma vida de Benfica. A milha mulher compreende, felizmente. Senão era solteiro, ahah! Já para não falar nas férias, que são marcadas de calendário na mão. Mas isso suponho que todos façamos.

Anónimo disse...

Caro:
Devia publicar um livro com estas "histórias".
Por mim comprava.
Dispenso a parte da análise da espuma dos dias, da táctica, da política... enfim... Crie um blogue novo só para essas "minudências", se mo permite.
Cumprimentos.