A cada decisão e/ou pensamento por nós revelado sobre qualquer situação/assunto em concrecto, não estamos apenas a revelar ao mundo o que achamos sobre aquele tema, naquelas circunstâncias, mas estamos também a demonstrar qual/quais o(s) principio(s) que nos norteiam sobre a globalidade das situações envolventes a esse mesmo assunto. Isto é, as consequências de cada tomada de posição são muito mais abrangentes e perenes do que o resultado imediato dela.
Quando, por exemplo, aceitamos por boa, a ideia de que os problemas migratórios se resolvem com a construção de muros entre pessoas, estamos não só a validar aquela decisão naquelas circunstâncias, como estamos também a dizer aos nossos pares que acreditamos numa sociedade profundamente discricionária e, pior, que tal separatismo se pode reger por critérios tão aleatórios e genéricos, quanto o local de nascimento de cada um.
Como não poderia deixar de ser, no futebol, nomeadamente com as ideias preconizadas por cada treinador, passa-se exactamente o mesmo. Olhando para o treinador como, entre outras coisas, o líder ideológico de um colectivo, há que entender que as ondas de choque das suas escolhas, mesmo que circunstanciais, terão influencia em todas as vertentes do jogo da equipa.
Como sabemos, o futebol é um jogo bastante atreito ao caos - bem vistas as coisas e em boa verdade, talvez seja mais correcto dizer que o futebol é naturalmente caótico e que a tentativa de lhe colocar alguma ordem é contrária à essência do jogo - nesse sentido, é absolutamente impossível prever ou estabelecer com rigor e à partida, todas as incidências de uma partida de futebol, pelo que cabe ao treinador, através da ideia de jogo que escolha, estabelecer princípios, regras para o jogo da sua equipa. E esses princípios serão sempre a base de todas as respostas dos seus jogadores quando expostos a todas as variáveis presentes em cada jogo.
Face a isto, faz-me sempre uma enorme confusão quando verifico alguns treinadores ficarem agastados com momentos em que os jogadores procuram, no fundo, fazer o que mais vezes lhes é solicitado pelos hábitos que lhes são impostos pelas ideias de quem os lidera. Quando se opta por um caminho ideológico, há que entender, ao mesmo tempo, quais as vantagens que isso trará, mas também as desvantagens que daí advirão. Só conhecendo profundamente ambos os lados da questão, um treinador estará pronto para ir evoluindo e, mais importante, ajudar os seus a evoluírem consigo e com as suas ideias. É absolutamente impossível ser-se profundamente competente em todas as ideias existentes, e quem disser que quer jogar tudo, quer atacar de todas as formas, quer defender todos os espaços, acreditem, o mais provável é que não consiga fazer coisa nenhuma com real qualidade. Há que fazer escolhas e concessões e entender que se vive e morre com e por causa delas. No fundo, a busca de uma ideia completa não se esgota no "como quero ganhar", mas também contempla o "como vou perder".
Recorrendo a exemplos mais concrectos, para mim é absolutamente incompreensível a reacção que Sérgio Conceição teve ao primeiro golo sofrido em Vila do Conde, no final da época passada, e que acabaria por degenerar num empate profundamente comprometedor para as aspirações do FC Porto naquela altura. E porquê? Recordando, na origem desse golo está uma tentativa falhada de Iker Casillas ligar o jogo directamente nos avançados, num contexto que pedia uma maior segurança na posse, como melhor defesa do resultado que então se cifrava num 2-0 favorável aos azuis e brancos. E no final do jogo, o treinador portista referiu exatamente isso: para ele, aquela decisão do seu guarda-redes, naquele momento, era inconcebível. O que há de errado nisto? Quanto a mim, tudo. Sérgio Conceição refere várias vezes duas ideias que tem para o seu jogo: Por um lado, não gosta da posse pela posse, isto é, não vê virtudes e vantagens na posse de bola como forma de gestão do jogo e assim, também, defender; e por outro, vê no passe directo uma forma virtuosa de ligação entre zona de construção e o ataque, seja na referência, seja na profundidade. Assim sendo, e bem vistas as coisas, o que fez Casillas naquele lance em concrecto? Nada mais que seguir as directrizes gerais do seu treinador. Era o que mais se aconselhava? Não. Era o que, segundo o próprio Sérgio, o seu treinador queria naquele momento? Não. Porém, mais do que perceber o momento, há que entender que aquela decisão, embora não pretendida, não foi nada mais do que promovida por Sérgio Conceição, pois o técnico portista tem que entender, ou pelo menos devia, que ao escolher um estilo, se for competente a operacionaliza-lo (e, claramente, é o caso), os seus jogadores vão segui-lo, mesmo que em determinadas circunstâncias fosse mais aconcelhavel fazer exactamente o oposto.
Algo de semelhante se passa com Bruno Lage. Nas análises públicas pós-jogo, é frequente ouvir o timoneiro benfiquista lamentar-se de alguma falta de paciência e ausência do melhor critério com bola, por parte dos seus jogadores. Estando eu cem por cento de acordo com esta analise, o que há então de errado nela? Para o percebermos o erro, devemos recorrer ao pensamento do próprio Bruno Lage: Na excelente entrevista de final de época que o técnico concedeu a vários jornalistas, um dos momentos mais importantes surge quando Bruno Lage afirma que não pretende condicionar as decisões, com bola, dos seus jogadores. Ora, não condicionando as decisões individuais, não mostrando claramente o tipo de decisões que pretende para o seu jogo, estará Bruno Lage a ajudar os seus jogadores a diferenciar essas mesmas decisões? Estará Bruno Lage a fazê-los evoluir nesse momento tão importante para o jogo, uma vez que não os expõe ao contexto? Quanto a mim, não. Ou seja, os que decidem mal, os que decidem com base em critérios errados, vão continuar a fazê-lo e os que decidem, por norma, bem, no limite, vão também continuar a fazê-lo ou, pior, deixar-se-ão contagiar pelos mais fracos nesse requesito (até por serem a maioria) e entrarão também no rol de más decisões.
A juntar a isto há ainda a considerar o tipo de escolhas individuais feitas por Bruno Lage. Optando pela tal lógica de não condicionar decisões individuais, seria de supor que o treinador benfiquista tivesse na tomada de decisão um critério de distinção no momento das escolhas que faz a cada jogo. Porém, o que verificamos é exctamente o oposto: Rafa, Gedson, Gabriel, Ruben Dias ou Seferovic, podem ser conhecidos por muita coisa, mas nenhuma delas é a capacidade de decisão e, no entanto, são todos elementos proeminentes nas escolhas de Bruno Lage. Há ainda Zivkovic que é, claramente, dos que melhor decide no plantel e está relegado para as profundezas das escolhas de Lage, vendo-se, inclusivé, ultrapassado por... Cervi.
Há ainda um terceiro factor: posicionamentos. Como anteriormente referi, Bruno Lage afirma não querer condicionar as decisões dos seus jogadores, mas será que é mesmo assim? Obviamente que não. Lage até pode não restringir directamente os seus comandados, mas condiciona-os de forma muito óbvia quando determina que hajam muito mais linhas de passe em largura e a provocarem a profundidade da linha defensiva adversária do que em apoio ao portador.
Ou seja, facilmente encontramos três factores que concorrem directamente e em conjunto para a falta de paciência na circulação que o próprio Lage identifica: Eu sou mau decisor, o meu treinador não me obriga a um caminho e coloca-me mais possibilidades de passe em profundidade e largura do que em apoio, o que vou eu escolher maioritáriamente? Parece-me obvio.
Mais uma vez, e tal como sucede com Sérgio Conceição, parece-me estranho e até desonesto do ponto de vista intlectual, que Bruno Lage se queixe tantas vezes de algo que é, claramente, decorrente das suas ideias e escolhas.
Reforço, o que eu identifico de errado não são as ideias, embora não goste de nenhuma delas, mas sim a identificação de erros que não são mais que as consequências negativas que elas promovem. Seria estranho, no minimo, que Guardiola se queixasse da falta de capacidade dos seus jogadores para ganharem duelos físicos, não?
O que se escolhe e o que se promove com isso, viver e morrer por isso, ganhar e perder por causa disso.
Como não poderia deixar de ser, no futebol, nomeadamente com as ideias preconizadas por cada treinador, passa-se exactamente o mesmo. Olhando para o treinador como, entre outras coisas, o líder ideológico de um colectivo, há que entender que as ondas de choque das suas escolhas, mesmo que circunstanciais, terão influencia em todas as vertentes do jogo da equipa.
Como sabemos, o futebol é um jogo bastante atreito ao caos - bem vistas as coisas e em boa verdade, talvez seja mais correcto dizer que o futebol é naturalmente caótico e que a tentativa de lhe colocar alguma ordem é contrária à essência do jogo - nesse sentido, é absolutamente impossível prever ou estabelecer com rigor e à partida, todas as incidências de uma partida de futebol, pelo que cabe ao treinador, através da ideia de jogo que escolha, estabelecer princípios, regras para o jogo da sua equipa. E esses princípios serão sempre a base de todas as respostas dos seus jogadores quando expostos a todas as variáveis presentes em cada jogo.
Face a isto, faz-me sempre uma enorme confusão quando verifico alguns treinadores ficarem agastados com momentos em que os jogadores procuram, no fundo, fazer o que mais vezes lhes é solicitado pelos hábitos que lhes são impostos pelas ideias de quem os lidera. Quando se opta por um caminho ideológico, há que entender, ao mesmo tempo, quais as vantagens que isso trará, mas também as desvantagens que daí advirão. Só conhecendo profundamente ambos os lados da questão, um treinador estará pronto para ir evoluindo e, mais importante, ajudar os seus a evoluírem consigo e com as suas ideias. É absolutamente impossível ser-se profundamente competente em todas as ideias existentes, e quem disser que quer jogar tudo, quer atacar de todas as formas, quer defender todos os espaços, acreditem, o mais provável é que não consiga fazer coisa nenhuma com real qualidade. Há que fazer escolhas e concessões e entender que se vive e morre com e por causa delas. No fundo, a busca de uma ideia completa não se esgota no "como quero ganhar", mas também contempla o "como vou perder".
Recorrendo a exemplos mais concrectos, para mim é absolutamente incompreensível a reacção que Sérgio Conceição teve ao primeiro golo sofrido em Vila do Conde, no final da época passada, e que acabaria por degenerar num empate profundamente comprometedor para as aspirações do FC Porto naquela altura. E porquê? Recordando, na origem desse golo está uma tentativa falhada de Iker Casillas ligar o jogo directamente nos avançados, num contexto que pedia uma maior segurança na posse, como melhor defesa do resultado que então se cifrava num 2-0 favorável aos azuis e brancos. E no final do jogo, o treinador portista referiu exatamente isso: para ele, aquela decisão do seu guarda-redes, naquele momento, era inconcebível. O que há de errado nisto? Quanto a mim, tudo. Sérgio Conceição refere várias vezes duas ideias que tem para o seu jogo: Por um lado, não gosta da posse pela posse, isto é, não vê virtudes e vantagens na posse de bola como forma de gestão do jogo e assim, também, defender; e por outro, vê no passe directo uma forma virtuosa de ligação entre zona de construção e o ataque, seja na referência, seja na profundidade. Assim sendo, e bem vistas as coisas, o que fez Casillas naquele lance em concrecto? Nada mais que seguir as directrizes gerais do seu treinador. Era o que mais se aconselhava? Não. Era o que, segundo o próprio Sérgio, o seu treinador queria naquele momento? Não. Porém, mais do que perceber o momento, há que entender que aquela decisão, embora não pretendida, não foi nada mais do que promovida por Sérgio Conceição, pois o técnico portista tem que entender, ou pelo menos devia, que ao escolher um estilo, se for competente a operacionaliza-lo (e, claramente, é o caso), os seus jogadores vão segui-lo, mesmo que em determinadas circunstâncias fosse mais aconcelhavel fazer exactamente o oposto.
Algo de semelhante se passa com Bruno Lage. Nas análises públicas pós-jogo, é frequente ouvir o timoneiro benfiquista lamentar-se de alguma falta de paciência e ausência do melhor critério com bola, por parte dos seus jogadores. Estando eu cem por cento de acordo com esta analise, o que há então de errado nela? Para o percebermos o erro, devemos recorrer ao pensamento do próprio Bruno Lage: Na excelente entrevista de final de época que o técnico concedeu a vários jornalistas, um dos momentos mais importantes surge quando Bruno Lage afirma que não pretende condicionar as decisões, com bola, dos seus jogadores. Ora, não condicionando as decisões individuais, não mostrando claramente o tipo de decisões que pretende para o seu jogo, estará Bruno Lage a ajudar os seus jogadores a diferenciar essas mesmas decisões? Estará Bruno Lage a fazê-los evoluir nesse momento tão importante para o jogo, uma vez que não os expõe ao contexto? Quanto a mim, não. Ou seja, os que decidem mal, os que decidem com base em critérios errados, vão continuar a fazê-lo e os que decidem, por norma, bem, no limite, vão também continuar a fazê-lo ou, pior, deixar-se-ão contagiar pelos mais fracos nesse requesito (até por serem a maioria) e entrarão também no rol de más decisões.
A juntar a isto há ainda a considerar o tipo de escolhas individuais feitas por Bruno Lage. Optando pela tal lógica de não condicionar decisões individuais, seria de supor que o treinador benfiquista tivesse na tomada de decisão um critério de distinção no momento das escolhas que faz a cada jogo. Porém, o que verificamos é exctamente o oposto: Rafa, Gedson, Gabriel, Ruben Dias ou Seferovic, podem ser conhecidos por muita coisa, mas nenhuma delas é a capacidade de decisão e, no entanto, são todos elementos proeminentes nas escolhas de Bruno Lage. Há ainda Zivkovic que é, claramente, dos que melhor decide no plantel e está relegado para as profundezas das escolhas de Lage, vendo-se, inclusivé, ultrapassado por... Cervi.
Há ainda um terceiro factor: posicionamentos. Como anteriormente referi, Bruno Lage afirma não querer condicionar as decisões dos seus jogadores, mas será que é mesmo assim? Obviamente que não. Lage até pode não restringir directamente os seus comandados, mas condiciona-os de forma muito óbvia quando determina que hajam muito mais linhas de passe em largura e a provocarem a profundidade da linha defensiva adversária do que em apoio ao portador.
Ou seja, facilmente encontramos três factores que concorrem directamente e em conjunto para a falta de paciência na circulação que o próprio Lage identifica: Eu sou mau decisor, o meu treinador não me obriga a um caminho e coloca-me mais possibilidades de passe em profundidade e largura do que em apoio, o que vou eu escolher maioritáriamente? Parece-me obvio.
Mais uma vez, e tal como sucede com Sérgio Conceição, parece-me estranho e até desonesto do ponto de vista intlectual, que Bruno Lage se queixe tantas vezes de algo que é, claramente, decorrente das suas ideias e escolhas.
Reforço, o que eu identifico de errado não são as ideias, embora não goste de nenhuma delas, mas sim a identificação de erros que não são mais que as consequências negativas que elas promovem. Seria estranho, no minimo, que Guardiola se queixasse da falta de capacidade dos seus jogadores para ganharem duelos físicos, não?
O que se escolhe e o que se promove com isso, viver e morrer por isso, ganhar e perder por causa disso.
2 comentários:
Muito obrigado pela clareza do conteúdo.
Excelente texto. Parece-me que Lage está a revelar alguma dificuldade em rever a sua estratégia de jogo, face à ausência de um médio/avançado recuado (dependendo da mentalidade para o jogo) como o João Félix.
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