Os grandes treinadores são moldados em forja de múltiplas competências, como é sabido, mas só alguns possuem o verdadeiro toque de Midas.
No clássico deste fim de semana assistimos a uma demonstração cabal da importância do treino e da comunicação no trabalho e nas ideias do novo treinador do Sport Lisboa e Benfica. Embora tenha sido este o ponto de partida para tudo o que as equipas de Lage fazem em campo, há momentos sem bola que nos ficam na retina. É de um desses momentos que faço a crónica agora.
Já li vários comentários por essas páginas fora, em várias plataformas diferentes, onde se vangloria o facto de Rafa e Lazarus Samaris terem vindo apressar as comemorações do primeiro golo porque queriam dar rapidamente a volta ao jogo. Mas isso não foi o que eu vi, e creio que tão pouco terá sido aquilo que aconteceu, objetivamente.
Bruno Lage é um eterno estudioso e profundo conhecedor do Jogo, em todas as suas vertentes. É claro que a idiossincrasia portista é sua conhecida: a violência, as agressões, a intimidação ou os célebres pisões, apregoados por Jorge Andrade, foram vistos e analisados pela cognição do nosso treinador ao longo de toda a sua vida. Lage sabe bem o que é o ambiente no Dragão, e sabe melhor ainda que não se deve espicaçar um ninho de vespas. Durante a semana, seguramente, foi passada uma informação importante a todos os jogadores do plantel: não provocar ninguém e ter sempre cuidado com os possíveis festejos; sobretudo, desvalorizar todas as provocações vindas do lado de lá, quer venham de jogadores, do banco ou dos adeptos azuis mais broncos. Todas estas pessoas são coniventes com uma história de enganos, e Lage sabe-o bem; uma história de domínio pelo ilegal, pelo ilícito, pelo compadrio e pelas trocas de favores. Uma história nojenta onde até estiveram metidas a política, a polícia e o sistema judicial locais, reforçando a ideia de que o FCP é o clube regional do compadrio; é o clube das reuniões em casas de putas, famosa parte da moeda de troca para as nomeações e os resultados do fim de semana seguinte. E é este o panorama que todos encontramos quando nos deslocamos ao Dragão; não se trata apenas dos onze arruaceiros em campo ou da equipa dos descolhoárbitros. Em cada dois espectadores, pelo menos um será vértice de violência, estupidez e intolerância, pronto a explodir a qualquer momento, formando rápida e instantaneamente uma rede de estupidez com o calhau mais próximo por cada coisa que menos lhes agrade.
Esta é a estupidez que Lage sabe que pode atrapalhar o bem jogar. Pode atrapalhar a concentração dos jogadores, e sobretudo dos mais novos, que são muitos! (obrigado Lage). Felix celebrou daquela forma porque aquela é a sua celebração, como vimos, por exemplo, no jogo anterior, depois daquele maravilhoso golo a dois tempos e a dois pés. Não é nenhuma mensagem de provocação; não é nenhuma resposta a nada que a morcandade tenha dito durante a semana. É a celebração de um miúdo de 19 anos, tão somente. Mas Rafa tinha a lição bem estudada, tal como Lazarus Samaris. Vamos, puto, levanta-te porque aqui não estás bem. Vê-se bem, pela reação do Menino Feliz, que este conhecia as instruções, mas que se “esqueceu” por um momento. É normal. Depois chegou Samaris e tratou ainda de afastar o resto da malta daquela zona azulada. É mesmo assim que tem que ser, os mais velhos e mais experientes a tomarem conta dos mais novos.
Não tenhamos dúvidas que tudo isto foi parte da estratégia de Lage para o jogo no Dragão: entender muito bem o adversário em toda a sua idiossincrasia. A forma como abraça aquele calhau baixinho e careca, na altura das agressões dos jogadores do FCP, é maravilhosa; imagino-o a dizer então, então, isto é assim, já sabes, é futebol, não há muito a dizer. Concentremo-nos no jogo. Toma lá um abraço de fair play e diz-me agora onde é que fica o teu ódio e a tua provocação. Ainda consegues? Não? Ok, somos todos amigos, já percebeste que aqui não mora um calhau mas alguém bem formado, que acredita no sucesso do trabalho, do esforço e da dedicação. Mas, sobretudo, da inteligência.
Mesmo o próprio Conceição esteve relativamente controlado, pelo menos até ao momento em que achou que não deveria cumprimentar um miúdo que tem idade para ser filho dele, do alto da sua falta de carácter e desportivismo.
Este não foi apenas o clássico do Bem contra o Mal; em 2019, Lage deu lições de civismo e de inteligência pura, ao calar tanto ódio com uma postura exemplar. É também assim que se educa, mister, pelo exemplo. Obrigado.
9 comentários:
Ainda não o vimos perder.
Mas, mesmo como rival, tem sido um gosto acompanhar o Bruno Lage a ganhar.
Mesmo com a pisadela tremenda que levei em Alvalade.
Tem sido um Senhor, aquilo que o futebol português precisava.
Parabéns ao Benfica, desta vez não há os planteis milionários, nem as toupeiras, nem nada.
Há um treinador e um plantel cheio de malta de casa que joga muito mais que os outros todos.
Fico com inveja, mas não deixo de gostar de ver o desporto a voltar ao futebol.
Tiro-vos o chapéu.
Se o campeonato for vosso, fica bem entregue.
SL
Um em cada dois.
Na Luz, se lá fores alguma vez, o teu parceiro do lado está a beira do estúpido.
Imbecil.
Benfiquista tripeiro, eu nunca disse que o rácio de calhaus na Luz era diferente, ou em qualquer outra parte do mundo. É tudo igual. A idiossincrasia é que é diferente. Eu, quando vou ao Porto, sou super bem atendido e bem tratado em qualquer restaurante ou café que vá. Mil vezes melhor do que em Lisboa. Isto é idiossincrasia, educação regional, valores, forma de estar. É um fenómeno social, mais nada. A nossa genética é toda igual, vocês não têm nenhum gene raro de bem receber.
Este texto em nada representa uma ofensa às pessoas da cidade do Porto, mas sim aos seus calhaus. E, se reparares bem, neste blogue nós cascamos muito, E MAIORITARIAMENTE, nos calhaus do nosso clube. Ponto final. Mas cenas como a do polícia que aviou pai e avô em frente a um puto, isso é mais por aí. Em Guimarães, no Porto e noutras cidades, recorre-se facilmente à porrada e à ameaça para resolver os assuntos. Lembras-te quando os Super Dragões, com mais adeptos do FCP, decidiram impedir, pela violência, as comemorações de benfiquistas portuenses que queriam comemorar um campeonato ganho? Onde viste isso aqui em baixo?
E disso a malta não se livra facilmente, nunca sem uma revolução. Faz parte da educação de valores. Noutras coisas, seremos piores em Lisboa, é o que é.
Pensei exactamente o mesmo, e também me parece que essa foi uma das chaves do triunfo: não cair na armadilha das provocações do Pepe, refrear o entusiasmo juvenil (é ver a troca de bolas cá atrás, sem entrar em precipitações nem riscos escusados, a contenção dos centrais mesmo amarelados), enfim, conseguir a sensação de experiência que a idade e a novidade de tantos dos jogadores não garantia. E não se deixar levar pela táctica de filha-de-putice que por ali se cultiva e tantos resultados tem conseguido.
carlos
E não são poucas.
mas todos sabemos porque razão o felix fez aquilo e não teve a ver com a idade, e não foi a sua comemoração normal foi muito mais que isso.
mas pelos vistos o gabriel estava distraído nas palestras.
Até pode ser que o Lage tenha dito aos jogadores para não entrarem no jogo das provocações, mas não acho que tenha sido isso que aconteceu no primeiro golo.
Concordo com quem diz que os jogadores tinham pressa para dar a volta ao resultado. Basta ver que o Rafa já vinha com a bola debaixo do braço quando foi buscar o Félix.
Finalmente, alguém escreve exactamente o que pensei, logo no segundo imediato ao festejo do golo.
Brilhante texto! Muitos parabéns.
Pedro B.
Bastantes até
Carlos
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