Podia ter começado pior o CAN 2013? É pouco provável. Teríamos de alinhar vários astros, rezar muito aos santinhos e exercer diversas e variadas macumbas para o resultado final ser um dia futebolístico mais confrangedor do que este que foi o primeiro da competição africana de selecções. A crescente europeização do futebol africano, ao contrário do que no passado era difundido como uma mais-valia que trouxesse método ao talento em estado puro, não só não está a trazer benefícios como está a aniquilar os "males" - leia-se: alguma indisciplina táctica, rasgo, desequilíbrios, futebol de rua - que os doutores do futebol mundial viam nas grandes selecções africanas de há 10 ou 20 anos.
É muito cedo para tecer considerações definitivas sobre esta mudança conceptual numa fase tão prematura da competição, mas o começo, esse, de facto não é prometedor. Os dois 0-0 a que assisti podiam ter sido grandes jogos, independentemente da sempre tristonha ausência de golos - podia ter havido muita qualidade individual, outra tanta colectiva, podia ter acontecido que só o azar não tivesse permitido que as várias situações de perigo não tivessem originado golos. Mas pouco ou nada disso existiu. Um número demasiado elevado de jogadores de nível fraco nos 50 e tal que hoje entraram em campo; equipas tacticamente esquizofrénicas, parecendo perdidas entre a cultura táctica que os seus treinadores exigem e o instinto natural dos atletas; medo do risco ofensivo; medo da falha defensiva; pouco público; pouca cor; zero golos. Estarão a fazer de África o novo laboratório do futebol cinzentão?
Há, valha-nos isso, excepções. Jogadores que se destacaram, fases do jogo das equipas que prometeram um lugar de destaque na aparente apatia generalizada em campo, ideias de jogo, a espaços, que surpreenderam. Olhemos mais a fundo 1 das 4 equipas que hoje jogaram, até por interessar mais aos biliões de leitores que temos em Cabo-Verde.
É muito cedo para tecer considerações definitivas sobre esta mudança conceptual numa fase tão prematura da competição, mas o começo, esse, de facto não é prometedor. Os dois 0-0 a que assisti podiam ter sido grandes jogos, independentemente da sempre tristonha ausência de golos - podia ter havido muita qualidade individual, outra tanta colectiva, podia ter acontecido que só o azar não tivesse permitido que as várias situações de perigo não tivessem originado golos. Mas pouco ou nada disso existiu. Um número demasiado elevado de jogadores de nível fraco nos 50 e tal que hoje entraram em campo; equipas tacticamente esquizofrénicas, parecendo perdidas entre a cultura táctica que os seus treinadores exigem e o instinto natural dos atletas; medo do risco ofensivo; medo da falha defensiva; pouco público; pouca cor; zero golos. Estarão a fazer de África o novo laboratório do futebol cinzentão?
Há, valha-nos isso, excepções. Jogadores que se destacaram, fases do jogo das equipas que prometeram um lugar de destaque na aparente apatia generalizada em campo, ideias de jogo, a espaços, que surpreenderam. Olhemos mais a fundo 1 das 4 equipas que hoje jogaram, até por interessar mais aos biliões de leitores que temos em Cabo-Verde.
Num jogo histórico para os cabo-verdianos, há que elogiar primeiro Lúcio Antunes, o seleccionador. Após a notável conquista de poder disputar o CAN, neste primeiro jogo, frente ao anfitrião, a equipa de Cabo-Verde esteve sempre mais próxima da vitória, mesmo que tenha revelado pouco poder de fogo e alguma incapacidade para dar sequência ao trabalho de um meio-campo surpreendentemente competente e talentoso.
A equipa de Lúcio Antunes é bem organizada defensivamente - não só pelos 4 defesas mas por toda a equipa. Mantém-se coesa, posicionalmente coerente, não pressiona a saída de bola do adversário mas espera por ele mais atrás, onde então lança intensidade pelos avançados e médios, fechando o corredor central, orientando a posse adversária para as alas, para depois estancar a posse adversária e procurar a recuperação. Tem falhas, é evidente; principalmente pelo desposicionamento constante dos laterais que, demasiado sôfregos, muitas vezes sobem sem critério deixando as costas com espaço - quando isso acontece, forçam os médios - sobretudo Marco Soares e Babanco - a uma compensação que, apesar de terem cumprido com qualidade, desequilibra a equipa. Há, no entanto, trabalho óbvio de Lúcio Antunes nesta estrutura bem organizada com alguns jogadores a um nível demasiado baixo - Carlitos, Nando e Toni Varela denotam grandes dificuldades.
Quando se exige à equipa uma transição defesa-ataque de qualidade, a equipa responde quase sempre mal, por preferir manter a posse em vez da vertigem. Por isso é na construção ponderada que Cabo-Verde dá boas indicações, permitindo revelar a qualidade fantástca (para mim, uma surpresa total) de Babanco, um médio que é claramente de outro campeonato. Atrás, Marco Soares, forte no desarme, posicionalmente cumpridor e que mantém a equipa no possível equilíbrio. O maior elogio a esta equipa passa precisamente pelo meio-campo, onde consegue juntar um médio mais posicional (Soares), outro forte no transporte, visão de jogo e passes de ruptura (Babanco) e, claro, a estrela da companhia Ryan Mendes que, apesar de no papel aparecer mais avançado, vem atrás ligar o jogo, receber de costas ou procurando a transição mais rápida - aqui, como foi dito atrás, sem grande sucesso porque a equipa não está preparada para galgar terreno rapidamente.
É um meio-campo que não faz o óbvio e é essa a sua maior virtude. Procura passes verticais, tenta explorar o miolo sempre em apoio, através de combinações curtas, sem esticar demasiado o jogo. Faltam-lhe bom alas e um avançado com outro tipo de características - Heldon deambula pela frente de ataque, mais no centro ou caindo sobre as alas, mas é insuficiente para chegar recorrentemente com perigo à baliza adversária. Há trabalho nas bolas paradas defensivas, criando uma zona de "saltinhos" (à Jorge Jesus de há uns tempos) e os centrais, sobretudo Varela, sabem compensar bem as falhas dos laterais, quando em desequilíbrio posicional.
No fundo, e com os jogadores que tem à sua disposição, Lúcio Antunes revela que tem qualidade. Veremos até que patamar poderá chegar nesta competição, sabendo que só pelo facto de estar em prova e ter feito um primeiro jogo contra a África do sul com um bom empate e qualidade colectiva já merece todos os elogios.
A equipa de Lúcio Antunes é bem organizada defensivamente - não só pelos 4 defesas mas por toda a equipa. Mantém-se coesa, posicionalmente coerente, não pressiona a saída de bola do adversário mas espera por ele mais atrás, onde então lança intensidade pelos avançados e médios, fechando o corredor central, orientando a posse adversária para as alas, para depois estancar a posse adversária e procurar a recuperação. Tem falhas, é evidente; principalmente pelo desposicionamento constante dos laterais que, demasiado sôfregos, muitas vezes sobem sem critério deixando as costas com espaço - quando isso acontece, forçam os médios - sobretudo Marco Soares e Babanco - a uma compensação que, apesar de terem cumprido com qualidade, desequilibra a equipa. Há, no entanto, trabalho óbvio de Lúcio Antunes nesta estrutura bem organizada com alguns jogadores a um nível demasiado baixo - Carlitos, Nando e Toni Varela denotam grandes dificuldades.
Quando se exige à equipa uma transição defesa-ataque de qualidade, a equipa responde quase sempre mal, por preferir manter a posse em vez da vertigem. Por isso é na construção ponderada que Cabo-Verde dá boas indicações, permitindo revelar a qualidade fantástca (para mim, uma surpresa total) de Babanco, um médio que é claramente de outro campeonato. Atrás, Marco Soares, forte no desarme, posicionalmente cumpridor e que mantém a equipa no possível equilíbrio. O maior elogio a esta equipa passa precisamente pelo meio-campo, onde consegue juntar um médio mais posicional (Soares), outro forte no transporte, visão de jogo e passes de ruptura (Babanco) e, claro, a estrela da companhia Ryan Mendes que, apesar de no papel aparecer mais avançado, vem atrás ligar o jogo, receber de costas ou procurando a transição mais rápida - aqui, como foi dito atrás, sem grande sucesso porque a equipa não está preparada para galgar terreno rapidamente.
É um meio-campo que não faz o óbvio e é essa a sua maior virtude. Procura passes verticais, tenta explorar o miolo sempre em apoio, através de combinações curtas, sem esticar demasiado o jogo. Faltam-lhe bom alas e um avançado com outro tipo de características - Heldon deambula pela frente de ataque, mais no centro ou caindo sobre as alas, mas é insuficiente para chegar recorrentemente com perigo à baliza adversária. Há trabalho nas bolas paradas defensivas, criando uma zona de "saltinhos" (à Jorge Jesus de há uns tempos) e os centrais, sobretudo Varela, sabem compensar bem as falhas dos laterais, quando em desequilíbrio posicional.
No fundo, e com os jogadores que tem à sua disposição, Lúcio Antunes revela que tem qualidade. Veremos até que patamar poderá chegar nesta competição, sabendo que só pelo facto de estar em prova e ter feito um primeiro jogo contra a África do sul com um bom empate e qualidade colectiva já merece todos os elogios.
DESTAQUES
VARELA - O ex-junior do Sporting e Estoril, que em Portugal jogou no Trofense e Feirense e que hoje se passeia pelos romenos do Vaslui, foi uma boa surpresa. Bom porte atlético, excelente sentido posicional, antecipa facilmente os lances e no jogo aéreo frontal revelou ser quase intransponível - no lateral, tem mais dificuldades, também pela fraca capacidade do seu companheiro da defesa, que parece deixar Varela sem saber se deve preocupar-se unicamente com o seu espaço ou antecipar o espaço do outro. Tranquilo a sair a jogar, no passe curto é eficaz. Não deve, no entanto, exagerar no passe longo, em que revela pouca competência. Tem 25 anos, talvez mereça uma oportunidade melhor do que aquelas que teve até agora em Portugal.
MARCO SOARES - Depois de passagens pelo Barreirense, Leiria, Pandurii e actualmente no Omonia do Chipre, aos 28 anos Marco Soares é um jogador que tem qualidades evidentes para a posição que ocupa: entende o que tem a fazer, sem se atirar a funções que não domina. Pressiona a orientar o adversário, sem se desposicionar (só o faz em compensações aos laterais, e fá-lo bem); tem razoável toque de bola, cumpre bem como apoio à saída de bola, antecipa normalmente os lances, por vezes avança no terreno para explorar o bom remate. Entende o jogo, o que é logo uma grande vantagem. É a cola que liga os centrais ao resto da equipa.
BABANCO - Uma maravilha, o jogo de Babanco. Cresceu no Sporting da Praia, passou pelo Boavista da Praia, andou no Arouca, hoje está no Olhanense. Aos 27 anos, tem tudo para ir parar a um Braga, se Peseiro quiser. Passe curto, médio, longo, escolham a mira que ele deixa lá a bola. Tem uma decisão muito acima da média, escolhendo quase sempre o toque em progressão, a melhor forma de ir subindo sem perda. Os passes que falhou não falhou: foram os colegas que não perceberam. Tem uma visão de jogo que supera em muito a média da equipa e isso pode nem sempre ser entendido. Transporta bem a bola, não é um tecnicista de excelência mas compensa o facto com inteligência em campo, posicionamento, entrega, intensidade, noção do espaço. Pela própria ideia de jogo da equipa, é muitas vezes forçado a compensar as subidas dos laterais e extremos, mas parece-me que seria bem mais interessante usá-lo uns metros à frente. Talvez seja essa mudança de que a equipa precisa para poder criar mais perigo no jogo ofensivo.
RYAN MENDES - Passeia-se pelo campo sem lugar definido. Tanto aparece como elemento mais avançado como vem ao miolo pedir a bola como se desloca para as alas para criar desequilíbrios. É muito forte no 1-para-1, tem um remate espontâneo e de mira afinada, tem instinto de jogador - pensa mais rápido e desenvolve a equação dos movimentos alheios de forma mais fácil -, decide bem, é voluntarioso, quer criar. Não sabe, no entanto, pressionar - exerce uma pressão individual, estranha muitas vezes ao movimento colectivo da equipa. É um jogador com mais talento do que os colegas. Aos 23 anos, tendo passado por Le Havre e hoje no Lille, seria uma opção de valor para as principais equipas portuguesas.
3 comentários:
Os entendidos na matéria diziam que o futebol e os futebolistas africanos eram ingénuos. Hoje dizem que é pobre. A verdade é que, a pouco e pouco, vão aprendendo a fazer duas linhas de quatro, marcações, transições, basculações e demais ítens do jargão dos entendidos na matéria.
Também gostava mais do "modelo antigo" mas a verdade é que ele com ele nunca se foi a lado nenhum.
Naturalmente, agrada-me a forma como as coisas andam. Estão deixando de ser ingénuos para serem pobres.
Falta muito para serem fortes? Eis a questão.
Visto que és cabo-verdiano, o que achas dos destaques que fiz? E acrescentarias outros?
Sim, poderá chegar a um patamar em que se tornem fortes e possam bater-se de igual para igual com as selecções europeias e sul-americanas por títulos mundiais. Mas ainda falta muita coisa.
Eu, como caboverdiano, concordo com quase tudo o que escreveste. Lúcio Antunes tem muito mérito no trabalho feito, é certo, mas convém lembrar que tudo começou com o seleccionador português João de Deus, unanimamente considerado aqui como o obreiro desta mudança de mentalidades e que construiu as bases para o que hoje se passa na selecção...(muito me admira que nós os caboverdianos ainda nos lembramos disso, já que também sofremos do luso defeito da ingratidão...).
A defesa não é tão sólida, e concordo contigo neste aspecto. A falta que o Ricardo (capitão do Paços) faz é tremenda...ele que é tão só o pilar da nossa defesa!
O jogo não foi grande coisa, é certo porque a única preocupação foi não perder, daí o povoamento do meio campo e a pouca aposta no ataque (Djaniny não saiu do banco, porque não compensa no jogo defensivo da equipa, mas é melhor do que aquele que lá esteve)...
Acredito que, ultrapassado o receio inicial de de não perder, poderemos dar novas sensações já na próxima quarta contra Marrocos, também uma equipa já com experiência de campeonatos do mundo...mas para quem eliminou os Camarões, detentores de quatro troféus continentais e presença africana assídua nos mundiais...
P.S: Gosto mais do Heldon do que do Ryan...
P.S.S: estranho a ausência de Rambé, que anda a brilhar nos Belenenses...
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