quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O menino que se tornou vaidoso


“Esta estória começa com um miúdo de 13 anos às voltas no jardim de casa dos pais e ainda a sonhar que vai ver um jogo de futebol na televisão uma ou duas horas mais tarde. É Maio, um mês mágico por causa das finais europeias de futebol, mas um Maio especial esse de 1983, porque, dessa vez, também o Benfica está numa final. É a primeira vez que tal acontece desde que ele se lembra. O adversário é o Anderlecht, o poderoso da Bélgica (com Morten Olsen, Coeck, Vercauteren, Vandenbergh e Lozano, “o espanhol”), e o jogo de Bruxelas está quase a começar. Trata-se ainda da primeira mão da final (na altura, a final da UEFA ainda se jogava a duas mãos), mas representa a chegada de um momento muito ansiado.

O jogo era fora, está visto, mas para esse Benfica – e foi uma das maiores alterações de mentalidade trazidas pelo treinador Eriksson – jogar na Luz ou fora da Luz era quase indiferente. O Benfica tinha feito 10 jogos (com Bétis, Lokeren, Zurique, Roma e Craiova) e ainda não tinha perdido nenhum! Ganhou seis e empatou quatro. Em Roma fez mesmo um dos melhores jogos de sempre e ganhou 2-1 a uma equipa que ía ser campeã de Itália. Tinha jogadores como Falcão, Prohaska e Bruno Conti, mas de nada valeu perante Carlos Manuel, Stromberg, Chalana ou Filipovic. Vi esse jogo, ou melhor viu-o o tal miúdo, em casa de um grande amigo de infância, o Rui, e só é pena que nesse tempo o vídeo gravador ainda não fosse um objecto democratizado. Hoje interrogo-me: terá sido assim tão fantástico o tal jogo de Roma? Mas tenho a certeza que sim, porque acredito que aquilo que é certo é o que a nossa memória guarda para sempre. Quando os factos são difusos, a memória, selectiva como é, desiste deles.

Há três dias que contava as horas. “Faltam 67 horas para começar o jogo” e continuava a actualizar a aproximação ao seu grande momento, à volta das saias de uma mãe já algo intrigada por tanta excitação. Não era fácil de entender, de facto. Mas o Mundial de Espanha, um ano antes, tinha-o feito entender que o futebol não se esgotava no campeonato português e que os efeitos internacionais eram os mais valorizados. Não era por acaso que o Benfica era cotado como das melhores equipas da Europa. Nesse ano ganhou o Campeonato, a Taça e… faltava a UEFA.

De televisão ligada, a primeira expectativa era a de saber se a RTP ia transmitir o jogo, se ia escutar os acordes do “Hino da Alegria” por cima do símbolo da Eurovisão, para logo a seguir ouvir a voz distante do enviado da estação pública, como agora se diz, talvez a do Rui Tovar. Mas essa foi a hora da primeira desilusão. A RTP não transmitiu e foi à volta do jardim, já a noite caía, que sofreu com o relato (talvez de um desses que vieram a ser as suas referências mais tarde: David Borges, António Pedro, Óscar Coelho…). Foi pela rádio que escutou o golo belga, marcado por um dinamarquês chamado Brylle, e que soube que o Diamantino (ou o José Luís, não estou bem certo) desperdiçou uma ocasião de baliza aberta. O Benfica perdeu. Pela primeira vez nessa Taça UEFA. Mas foi só por um e eles tinham que vir ao “Inferno”. E eu, ele, tinha de ir também.

Já tinha ido ver outro jogo dessa saga europeia, o da vitória mais folgada, de 4-0 sobre os suíços do Zurique. Acreditava que ia dar sorte outra vez. Era o tempo em que os estádios estavam sempre lotados quando o Benfica jogava. Entrava-se muito antes do arranque da partida, ao ponto do aquecimento dos craques, uma meia hora antes da hora marcada, já fazer parte do jogo. Nesse dia, terei entrado umas duas horas e meia antes, com o meu pai, como sempre acontecia (que nisto da clubite as influências familiares podem não ser as únicas mas são as mais importantes). Fiquei no Terceiro Anel, no antigo (na altura único) Terceiro Anel do agora também antigo Estádio da Luz. Andei de colo em colo quando o Benfica marcou, num excelente golo do Shéu, e sofri, como os outros 90 mil, quando Lozano, o tal “espanhol” do Anderlecht, marcou ao Bento. O silêncio foi imenso. Penso que todo o estádio sentiu, embora ainda estivéssemos na primeira parte, que os belgas íam levar a taça.

Levaram a taça, mas não o encanto decisivo que o futebol tinha acabado de ganhar para mim. O futebol, o Benfica, aquele equipamento, aquele estádio. Depois disso consegui ser muitas vezes neutral – tenho a certeza – e profundamente lúcido nas opiniões que profissionalmente fui expressando. Acredito que continuarei a sê-lo sempre que tal for necessário, porque quando trabalho não admito valor mais alto que o da honestidade, o de ser sério para o público que nos vê, lê ou ouve. Em todos os outros momentos da vida sou do Benfica e, como cantava Luis Piçarra, isso me envaidece.”


Carlos Daniel (jornalista da RTP)
 in “Ser Benfiquista” de Luís Miguel Pereira

4 comentários:

Águia Eterna disse...

Sempre admirei o Carlos Daniel como Jornalista.É competentíssimo em qualquer área, é honesto e verdadeiro. Fico feliz por ser BENFIQUISTA. Fiquei a sabê-lo aqui neste Blog, mais precisamente neste artigo agora publicado.
Confesso no entanto com alegria e até alguma vaidade, que sempre que via programas de desporto apresentados pelo Carlos Daniel, dizia para os meus amigos - TODOS BENFIQUISTAS , pois não quero amigos de cores CORRUPTAS e seus SUBMISSOS -, o seguinte: Grande Jornalista. Conhecedor, Sério, Competente.Ou não tem Clube nenhum, ou se tem é de certeza BENFIQUISTA.
A ser verdade, e de certeza que é, o que está escrito no "Ser Benfiquista" de Luís Miguel Pereira, ACERTEI NA MOUCHE.

Parabéns GRANDE JORNALISTA CARLOS DANIEL.
De facto, só podias mesmo ser do BENFICA.
As maiores felicidades para ti tanto a nível profissional como pessoal e que o Nosso BENFICA contribua e muito para essa felicidade.

BENFICA, SEMPEEEEEEEEEE, SEMPRE, SEMRPEEEEEEEEEEEEEEE.. O MAIOR E O MELHORRRRRRRRRRRRRRRRR.

Águia Eterna disse...

Na sequência do meu comentário anterior, declaro que o Carlos Daniel é que daria um Grande Director de Imprensa do Nosso BENFICA.
Assim o L.F. Vieira tivessse CAPACIDADE de contratar BENFIQUISTAS para o BENFICA e não escumalha de cores que nada têm a ver com o Nosso BENFICA.

BENFICA, SEMPREEEEEEEEEEEEEEEEE.

Anónimo disse...

eu tenho este livro ja à muitos anos , por acaso n me lembro do carlos daniel , mas muita gente publica deixa la a sua mensagem sobre o benfica ,desde manuel alegre, antonio lobo antunes etc etc

jose luis cruz

Jack Kerouac disse...

Belo relato, eu era pouco mais velho, tinha 17 anos, só uma correcção, o Stromberg não jogou com a Roma por causa dos regulamentos de então, só jogou a partir da meia final com a U. Craiova. Assisti a todos esses jogos na Luz, ainda guardo os bilhetes, que na altura eram lindos :)