De facto, e sem margem para quaisquer dúvidas, este é um clube grandioso. De tal forma o é que se auto-impõe gerar-se a si próprio auto-problemas, mesmo quando eles não auto-existem.
A época tinha terminado em glória, uma Taça da Liga, uns quartos-de-final na Europa, um Campeonato Nacional, um futebol lindo, apaixonante, golos atrás de golos, o universo adepto todo em comunhão com um mesmo objectivo, uma mesma voz, um mesmo - no fim - grito de vitória. Tinha corrido tudo bem e não havia problemas.
Mas... não haveria? Havia, claro! Como é óbvio, o Benfica precisava de um outro ponta-de-lança e, claro como água cristalina numa qualquer baía da América Central, de um novo Guarda-Redes! À desculpa esfarrapada de um pobre coitado que defendia, com factos, que o Cardozo teria feito uma época notável, com 38 (!) golos, logo o avisado adepto respondia com aquela análise profunda, fundamentada na subjectiva sapiência das coisas que não se explicam (nem entendem), que, sim, de facto marcou 38 mas por que razão não terá marcado 50, 60 ou mesmo 100 golos? Sem que o pobre adepto factual pudesse responder, o teórico logo veio esclarecer as gentes: "o homem é um cepo, pá, precisamos de alguém que saia da área!". E pronto: estava encontrado um auto-problema para felicidade geral e regozijo dos mais práticos. Afinal, o que é o Benfica sem areia na engrenagem?
Ao ouvir o argumento - perfeitamente imbecil, estulto e só possível em determinadas mentes tacanhas e limitadas pela natural erosão de cérebros ervilhentos - de que Quim fez uma belíssima época, que sofreu apenas 20 golos e que se encontrava na melhor fase da sua carreira, para além de estar totalmente entrosado com os colegas e com o sistema de jogo de Jorge Jesus, o visionário rebolava de riso, chorava de incredulidade, sufocava ao arrepio de ouvir tanta barbaridade junta e respondia, do alto da sua sapiência de cátedra: "o homem é um cepo, pá, precisamos de alguém que saia da área!". E pronto: estava encontrado o desígnio: o Benfica do que precisava mesmo era de encontrar um "que desse pontos!". Afinal, qual é a graça de ganhar os jogos todos por 4-0 ou 6-1? O povo precisa é de levar 3 para depois marcar 5, como na década de Eusébio.
Os pontos, descobriu o estúpido meses mais tarde, e por isso mesmo fez uma vénia ao génio, estavam direccionados não para o próprio clube mas para os adversários.
Somos mesmo grandes.