sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

O que quer do jogo Bruno Lage?


O estado eufórico da comunidade Benfiquista e do futebol em geral com os primeiros jogos (e que jogos!) do Benfica de Bruno Lage tem sido retumbante. Eu, claro está, incluo-me nesse grupo de pessoas que se deleita ao ver o melhor plantel em Portugal a jogar sob o desígnio de uma ideia e de um jogo coletivo, finalmente!

Mais do que os resultados (e são excelentes, mesmo com a derrota frente ao FC Porto), o que tem impressionado, tem sido a rapidez com que Bruno Lage tem transformado uma porção de terreno terraplanado, num belo parque de diversões, em menos de dois meses e a jogar, consecutivamente, duas vezes por semana.

E esta relação entre o tempo para treinar e a qualidade coletiva que a equipa apresenta, jamais pode ser ignorado, seja qual for o prisma de análise a este Benfica. De facto, o contexto com que Bruno Lage se deparou não podia ser pior: Equipa em crise de resultados, sem o mínimo de identidade, com zero hábitos de bom treino e, pior que tudo, sem tempo sequer para respirar, quanto mais treinar e implementar uma ideia.

Contudo, e apesar de parecer um presente envenenado, Bruno Lage nunca apresentou qualquer sinal de descrença ou enfado pelo que o destino lhe tinha reservado, não! Pegou no que tinha, no que queria e foi a jogo. Arriscou, continua a arriscar (o onze de ontem é um bom exemplo) e sem nunca se escudar em contextos, tem apresentado qualidade de trabalho (não falo de resultados), contando ainda com alguma felicidade, diga-se (e aqui sim, já falo de resultados), que também é necessária num contexto tão difícil.

Aqui chegados, e feita a ressalva sobre o enorme mérito de Bruno Lage, importa-me procurar perceber o que Bruno Lage quer do jogo e para o jogo, isto é, que tipo de ideia tem do jogar da sua equipa e o quanto faz depender essa ideia do adversário que terá pela frente a cada jogo.

Tendo em conta as palavras de Bruno Lage ao longo do tempo, seria de esperar uma equipa que procurasse jogar o mais tempo possível em organização ofensiva e em posse, porém não tem sido bem isso que a equipa nos tem dito no relvado.

Se nos primeiros jogos me parecia natural atribuir essa falta de congruência entre o jogo e as palavras do treinador à escassez de tempo para implementar algo, porque, de facto, jogar de forma coletiva e competente em organização ofensiva e em posse de bola leva o seu tempo, o que o jogo de ontem nos trouxe (bem como boa parte do jogo na Luz frente ao Sporting), não foi bem um Benfica de posse de bola e ataque organizado, muito pelo contrário, ontem vimos uma equipa recolhida no seu meio-campo em organização defensiva e a procurar saídas rápidas para o ataque, isto é, a absoluta antítese da ideia que ficava pelas palavras de Bruno Lage.

Sublinho: Não estou a falar da constituição do 11 (com a qual apenas discordo de Salvio e Cervi, que eu nunca escolheria para coisa nenhuma), estou a falar da ideia coletiva que ontem foi levada a jogo.

Naturalmente que mesmo em organização defensiva se notou a colossal diferença entre o que existe face ao que existia, mas ontem não achei que se Rui Vitória ainda fosse o treinador, a ideia tivesse sido diferente daquela. A qualidade dos comportamentos coletivos subiu absurdamente, mas a ideia… foi um fiasco, para mim. Não gostei, não gosto nem nunca gostarei de equipas que se guardem e escondam do jogo, deixando o seu destino entregue à competência de quem tem a bola. Felizmente, tal como já havia sido visto frente ao FC Porto, este Galatasaray deixa muito a desejar no que diz respeito à qualidade, caso contrário, caso houvesse um médio defensivo diferente de Fernando, por exemplo, dificilmente o jogo teria sido a tranquilidade que foi. Podemos achar e dizer que fosse esse o caso, não fosse Fernando o jogador limitado ofensivamente que é, Bruno Lage teria uma abordagem diferente ao jogo neste aspeto específico. Ok, até posso aceitar como justificação verdadeira, porém o que mais me importa saber é se, enquanto coletivo, esta ideia passiva do jogo é para manter nas partidas deste perfil ou se, de facto, é para sermos a equipa ofensiva e de posse que Bruno Lage “prometeu”.

Em suma, há duas ideias a reter, mais pela verificação do que pelo que já se sabia de antemão: Tendo Rui Vitória, qualquer escolha (e sublinho o “qualquer”) representaria uma evolução enorme. Porém, face ao contexto, Bruno Lage demonstra que não é apenas o “qualquer”. Não, quer mais do que isso, falta saber o quê exatamente.

A resposta será dada pela equipa daqui até final da época, mas não deixaria de ser engraçado que os jornalistas, quem têm tido Bruno Lage à disposição a uma média de 4 vezes a cada 7 dias, colocassem este tipo de questão ao treinador, em vez das habituais, boçais, patéticas e já cansativas questões redondas e sobre temas laterais que não são controláveis pelo treinador.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Declaração a um Amor

Aqui me encontro solteiro só porque não te posso ter só para mim.
Mas hoje me declaro a ti, neste dia de São Valentim.

Sport Lisboa e Benfica te amo, teu é o meu coração
Sempre que te vejo em campo todo eu uma erecção.

Não tenho pudor em admitir, não tenho receio de quem me ouvir
Mesmo à distância neste dia 14 só tu me farás vi… sorrir.

Felizmente vivemos nestes tempos modernos onde à distância te posso olhar
E assim mais logo em vídeo-chamada pela televisão te irei adorar.

Pelo relvado os teus movimentos, a tua cor, os teus passes me vão excitar
Com a bola a rolar, a magia a pairar, num orgasmo de delírio me farás gritar

Gooooooooooooooooooooolo

Que prazer de te ver triunfar.

Vamos Benfica!

Vamos meu amor!

(Gente casada ou em compromisso não se preocupem que este é o tipo de adultério mais maravilhoso que há)



sábado, 9 de fevereiro de 2019

Gabriel o lento


Em Portugal há uma enorme tendência para se classificarem os jogadores que se procuram destacar pela qualidade cognitiva como jogadores lentos e sem a famosa intensidade. É assim com Oliver – que hoje é mais elogiado, apesar de jogar consideravelmente pior, só porque corre mais; foi assim com Rúben Neves – que hoje rebenta com os “intensómetros” dos “intensadores”, porque se destaca na liga mais mediática do mundo; foi/é assim com André Gomes; foi com William Carvalho, mais um famigerado lento, etc. Tudo o que não for jogador que procure condução de bola ou corra que nem um desesperado (quem muito corre, acreditem, muito desespera) é colocado na prateleira dos “lentos”.

Mesmo sem conhecer absolutamente nada de Gabriel, vendo os seus primeiros minutos com a camisola do Benfica, facilmente se podia prever que seria mais um a ser arrumado na pilha de “lentos do futebol Português” e, caso Rui Vitória se mantivesse no comando técnico, acabaria a época com a etiqueta de “flop do ano” colada na testa.

Dizer-se que Gabriel é lento não é que em si seja um problema (ainda que tenha dúvidas sobre se realmente corre devagar ou não), o erro é achar-se que a velocidade de deslocamento é o que define um jogador e o não se ter reparado na enorme injustiça que se cometia com um jogador que passava jogos inteiros a ver a bola passar-lhe por cima da cabeça em momentos ofensivos e a ter que cobrir manchas colossais de terreno em momentos defensivos. Mais, não se percebeu que Gabriel nunca se iria destacar enquanto lhe fosse exigido que galgasse metros e metros com bola, tratando-se ele de um jogador marcadamente de passe e de critério. Sim, critério é o conceito-chave de Gabriel e o conceito maior no jogo de futebol. Decidir bem, em vez de decidir rápido, algo que pode resultar no mesmo em determinadas circunstâncias, mas que na origem são conceitos que partem de premissas absolutamente opostas, porque quem procure decidir bem vai conseguir decidir rápido quando tal se justifique, mas quem procura decidir rápido, vai fazê-lo sem considerar as circunstâncias.

Com a mudança no comando técnico do Benfica, Gabriel tem emergido como uma das faces maiores da mudança, no que diz respeito à ideia de jogo. O médio Brasileiro tem assumido um papel-chave na dinâmica de Bruno Lage, demonstrando a todos a qualidade que sempre teve e, pasme-se, continua a não ser particularmente rápido no deslocamento. Porém, e porque tem qualidade técnica, porque tem qualidade na decisão, o simples facto de hoje estar integrado numa ideia que procura muito mais um futebol conexo e associativo, um futebol de melhores decisões, um futebol de linhas mais próximas e de maior critério, o jogador emerge com um dos indiscutíveis no 11, por oposição ao que acontecia há 2 meses (!!!), momento em que era um dos mais contestados.

Por estes dias, o meu filho perguntava-me se podia comer mais uma goma. Porque já tinha comido umas quantas, lá lhe disse que não, porque demasiados doces fariam mal aos dentes e, perante a sua relutância em aceitar a minha explicação, disse-lhe mesmo que, caso continuasse a comer gomas, ficaria sem dentes. De imediato, abriu a boca e disse: “Pai, vês, ainda tenho os dentes todos!”. Assim se comenta futebol por cá, se ainda tem dentes é porque está bom, mesmo que seja previsível que a continuar assim, estes venham a cair todos. E só no momento em que não sobrar nenhum é que será permitido pensar diferente do óbvio.

Pior, quando um Gabriel desta vida lhes tira todo e qualquer dente, serão capazes de dizer que sempre pensaram como ele.

O problema de Gabriel nunca foi ser Gabriel, o problema de Gabriel sempre foi ter quem não soubesse que era Gabriel ou sequer compreendesse o que era ser Gabriel. E vou mais longe, correndo o risco de cometer uma heresia nos critérios dessa gente, para mim, se Bruno Lage quer mesmo um futebol de posse, Gabriel deveria assumir o papel de médio mais recuado no momento da construção, fazendo-o acompanhar de outro médio que não Samaris (que realmente é bastante limitado em tudo, sobretudo com bola).

Dar opinião sem assumir qualquer opinião, para além de um belíssimo acto de contorcionismo, é garantir que se pode dizer tudo e o seu contrário, mesmo que não se contribua em nada para o entendimento do jogo por parte de quem ouve ou lê.  

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Benfica-Sporting: um jogo que é um sonho intemporal




Deixemo-nos de merdas: por mais que o Sporting admiravelmente perca jogos e campeonatos uns atrás dos outros e goste de fazer intervalos sabáticos de 18 anos entre títulos nacionais, o jogo dos jogos é o Benfica-Sporting. O Benfica-Porto só é interessante porque explora o lado bondoso e solidário da espécie humana: queremos sempre que o Bem vença o Mal; por isso toda a gente olha para este jogo como se fosse um filme, sempre à espera que o Herói consiga vencer os criminosos e mauzões e no fim leve a miúda para casa. Ninguém morre pelo Benfica-Porto porque o Porto está corrompido, está sujo, tem muitas sombras. Não há nada de mais desinteressante e chato do que um clube cheio de sombras liderado por um beato com problemas psicológicos. O argumento até tinha potencial, mas os actores são medíocres. Ninguém vive pelo Benfica-Porto, ninguém morre pelo Benfica-Porto.

O Benfica-Sporting é outra coisa, é uma obra-prima. O Benfica-Sporting não tem sombras, é honesto, é a campo inteiro, é a céu aberto. O Benfica-Sporting é futebol puro e duro. Rivalidade que corre no sangue de todos os adeptos. É a vida toda desde que nascemos até ao apito inicial que nos inunda. São memórias de jogos antigos, desacatos familiares por uns serem do Sporting e outros do Benfica que acabaram numa guerra com garrafas de vinho pelo chão, pedaços de bacalhau e batatas a murro pelo ar, a avó que se escondia debaixo de uma cadeira, o puto que saltava para cima da televisão e voava para as costas do sportinguista, primo mais afastado que tinha vindo da França para o Natal, e acabou cheio de puré e doce de ovos nos cabelos. Benfica-Sporting é a vida toda com os nossos amigos: as bezanas nos tascos, nos bares, nos casamentos. Nós a gozarmos com eles; eles a serem gozados por nós.

Às vezes o Sporting ganha. Acontece o Sporting ganhar. E então isso também é Benfica-Sporting porque nos mostra, até de forma ternurenta, a alegria do nosso amigo, todo orgulhoso no seu clube. Ou o sorriso da nossa namorada leoa e aquela forma que ela tem de gozar connosco mas sem nos ferir muito porque ela, mais do que ninguém - afinal, é do Sporting! -, também sabe como dói perder estes jogos. O Benfica-Sporting é o Gabriel Alves na televisão e um «oooooooooooooooooooooh» com remates que ora vão para fora ou vão para dentro da baliza do Sporting. O Rui Tovar e o Mário Zambujal a anunciar no Domingo mais uma vitória do Benfica em Alvalade. O resumo a começar com a alegria de um estádio leonino cheio de esperança e a acabar com os jogadores do Benfica a saltar para os adeptos gloriosos e um final de imagem com adeptos sportinguistas a sair do estádio, desolados. Benfica-Sporting é Domingo, é o dia da folga e da festa. O dia da vida toda que se junta para gritar golo.

No trabalho há sempre, junto à máquina do café, no elevador ou entre cigarros, a rivalidade latente. Encontram-se um benfiquista e um sportinguista. A malta consegue passar uns segundos sem falar de bola mas depois, de mansinho, ainda com tons educados e de cordialidade, vai começando a discorrer o seu fanatismo clubístico e acaba tudo a apontar erros arbitrais inqualificáveis e a relembrar goleadas históricas. Se não houver mais argumentos, passa tudo para a batatada, com o Antunes já de gravata vermelha esgroveada e o Serafim todo pintalgado de verde dos tinteiros da impressora. Depois vão calmamente para as suas cadeirinhas em frente ao computador, onde jogam Solitário e ficam a pensar no resultado do Benfica-Sporting.

Não me venham cá com Benfica-Porto quando estou a falar de futebol. Quando falo de rivalidade. Quando o assunto é sério e entre gente séria. O Benfica-Sporting é que é. Nenhum Benfica-Porto consegue transformar uma semana inteira num autêntico festival de preliminares. São 7 dias em que benfiquistas e sportinguistas se lambem, se tocam, se lambuzam todos, se recriam, se provocam, se insultam gentilmente, se odeiam e se amam, se vivem. E aquele ar trocista que também está ansiosos e nervoso. E aquele ar gozão que também tem expectativa e receio dentro. Não medo, nunca medo. Medo não faz parte do Benfica-Sporting. Medo só faz parte do Benfica-Porto porque sabemos que é muito provável que o árbitro nos assuste.

O Benfica-Sporting é uma foda, um orgasmo, um vaivém espacial que vai e vem, que vai e vem, em loop eterno que nunca pára. Há no Benfica-Sporting uma espécie de sentimento de eternidade que só se sente quando estamos a foder. Como se nunca o mundo fosse acabar enquanto as duas equipas estiverem em campo a jogar futebol. E o jogo engravida e nascem golos do Benfica.