A malta anda louca, enraivecida, lunática, demente, muito confusa. Entre apoios a este e àquele - cada um escolhendo o seu lado da barricada - sobra pouco espaço para os que até agora não estão felizes com nenhuma das candidaturas. Ou és Vieira ou és Rangel, tu decide-te, pá, não podes ficar no meio desta fabulosa história de atentados diários à democraticidade do Benfica.
Vamos tentar elevar a coisa a um plano mais bonito e construtivo? Vamos dar umas ideias? Abordar assuntos importantes do clube? Esperar que as eleições tragam respostas às nossas mais profundas questões? Vamos, sim senhor. Para hoje, o prato da casa chama-se "Os votos dos benfiquistas" e tem como ingrediente principal a procura por uma solução mais consentânea com a realidade e verdade do que é, ou deve ser, a democracia no Benfica.
Escusado será dizer que os actuais estatutos são uma verdadeira aberração. Neste particular das votações, o que dizer de um sistema de atribuição de votos que vai do 1 ao 50? Pouca coisa, quase nada. É tão evidente a imbecilidade da medida que só diz de quem a pensou e nada diz do que é o Benfica - ou do que devia ser o Benfica. A antiguidade deve ser respeitada, o constante acompanhar dos mais velhos, a antiga e recorrente presença deve ser sempre valorizada mas não deve servir de incentivo a uma crescente injustiça que faz com que pessoas que, na sua generalidade e por terem ainda uma visão romantizada do futebol, não estão devidamente informadas sobre os reais problemas do clube tenham uma pornográfica vantagem nas decisões fundamentais da vida do Benfica.
Neste sentido, atribuir a um sócio com mais de 25 anos os 50 votos e a um sócio com 9 os 5 votos é desvirtuar primeiro a democracia e depois, ou antes até, a génese fundamental do Sport Lisboa e Benfica. Não está em causa o amor de um e outro nem a justeza de um sócio com mais anos de ligação ao clube dever ser recompensado pelo facto; está, isso sim, em causa a diferença abismal que distancia o poder de decisão de um sócio para o outro.
Um dos argumentos contra a ideia "1 sócio, 1 voto" prende-se com o facto de ser um sistema que, apesar de democrático e justo, pode permitir a algum magnata tomar o clube nas suas mãos ou - e mais importante, porque mais real e directo - afastar o verdadeiro associativismo por não ser atribuída importância à assiduidade da relação do sócio com o adepto. Compreendo os argumentos e acho que fazem todo o sentido. Se é fundamental preservar o clube de gente estranha ao Benfica, torna-se ainda mais evidente essa necessidade quando a acrescentamos à justeza de valorizar, com mais votos, o sócio que tem décadas de ligação real ao clube. Por isso oponho-me a esta ideia, embora veja nos que a defendem um bom sentimento e clara vontade de dar iguais direitos a todos os sócios.
Só que, na verdade, nem todos são iguais e nem todos fazem o mesmo pelo Benfica. Podemos enveredar pelo caminho politicamente correcto de acharmos que todos somos benfiquistas e todos fazemos o mesmo pelo clube - a primeira é verdade - todos somos -, já a segunda não passa de uma ideia utópica que não tem sustentação na realidade. Há quem faça, de facto, mais pelo clube: há quem vá ver mais jogos em casa, há quem vá ver mais jogos fora, há quem compre mais merchandising do Benfica, há quem acompanhe mais as modalidades, há quem dedique mais horas, dias, meses, anos ao clube, há quem se preocupe mais com o clube, há quem problematize mais o clube, há quem divulgue mais o clube, há quem ajude mais o clube, há quem traga mais sócios para o clube, há quem investigue e saiba mais do clube e passe essa informação. Enfim, não, não somos todos iguais e não fazemos todos o mesmo pelo Benfica. Portanto, dizer que o sistema "1 sócio, 1 voto" é reflectir a verdade universal de que todos vivemos o clube da mesma maneira é falso e torna a questão enviesada, porque deficiente na sua análise.
Então como chegar a um consenso? Como manter simultaneamente a valorização aos sócios mais antigos sem perder a noção democrática e/ou a desvirtuar por completo? Haverá várias soluções e cada um terá a sua. Já me dediquei a este assunto algum tempo e não estou certo de ter chegado a uma ideia que me agrade em definitivo mas encontrei uma solução que me parece - a mim, e só a mim; não a pretendo impor a ninguém, apenas questionar-me e questionar o Benfica -, de todas, a mais justa:
- Casas e Filiais não têm direito a votos - Estes espaços de grande benfiquismo servem para divulgar, promover, defender e exaltar o Sport Lisboa e Benfica. Não servem - não deviam servir - para funcionar como braços armados das Direcções. É profundamente triste ter de assistir a Presidentes de Casas do Benfica anunciar ao mundo, ainda antes de serem conhecidas as listas, que vão unir-se em torno do Presidente do Clube e que vão lutar contra "abutres" e outras imbecilidades do mesmo género. O Presidente de uma Casa, enquanto exerce o seu cargo, não deve tomar partidos dessa natureza nem procurar adulterar votações com discursos que só ficam mal a um benfiquista que tenha dignidade. O Presidente de uma Casa, como qualquer outro dirigente ou associado das Casas, deve votar por si próprio, ter as suas ideias, votar em quem quiser sem assumir uma guerra contra gente de listas que não queira defender. Isto, esta coisa que existe hoje - ainda por cima com o exageradíssimo poder de voto que as Casas têm -, é uma aberração à génese do Sport Lisboa e Benfica. Que seja mudado para ontem.
- Permitir usar do poder de voto ao sócio só a partir dos 2 anos de ligação ao clube - parece-me um intervalo de tempo razoável para, primeiro, filtrar aqueles que se fazem sócios por impulso e que nos primeiros 24 meses acabam por desistir - infelizmente são alguns - e, depois, porque dois anos me parecem os adequados para uma verdadeira identificação entre a pessoa e o clube e a certeza de que está apta a ser mais uma na decisão das questões do Benfica. Além disto, com este período de tempo de filtragem, obviamente evita-se em grande escala que "pára-quedistas" apareçam no clube para o decidirem.
- Permitir usar do poder de voto ao sócio só a partir dos 2 anos de ligação ao clube - parece-me um intervalo de tempo razoável para, primeiro, filtrar aqueles que se fazem sócios por impulso e que nos primeiros 24 meses acabam por desistir - infelizmente são alguns - e, depois, porque dois anos me parecem os adequados para uma verdadeira identificação entre a pessoa e o clube e a certeza de que está apta a ser mais uma na decisão das questões do Benfica. Além disto, com este período de tempo de filtragem, obviamente evita-se em grande escala que "pára-quedistas" apareçam no clube para o decidirem.
- Atribuição de votos aos sócios:
- dos 2 aos 5 anos - 1 voto;
- dos 5 aos 10 anos - 2 votos;
- dos 10 aos 25 anos - 3 votos;
- a partir de 25 anos - 5 votos.
Há uma ligeira gradação que permite assegurar a diferença entre sócios mais antigos e sócios mais recentes - valorizando assim a ligação contínua ao Benfica -, sem que essa mesma diferença possua em si mesma uma noção anti-democrática, exagerada e até, em mutos casos, passível de resolver ad eternum decisões fundamentais da vida do clube. Temos hoje em dia o exemplo claro do perigo real que há em atribuir tantos votos às pessoas mais velhas - que geralmente estão sempre a favor do Presidente em funções, porque confundem o clube com a figura que o preside e têm aquela algo estranha noção de que "ir contra o Presidente é ir contra o Benfica" ou que "não devemos questionar, devemos apoiar" e outros conceitos que, devendo ser respeitados porque são consequência das ideologias pessoais, estarão algo afastados de uma verdadeira vivência democrática e, acima de tudo, benfiquista.
O clube deve ser constantemente problematizado e reflectido. Ninguém está contra o Benfica por apontar erros e críticas às Direcções que denotem incompetência. A mudança, neste clube, sempre soube existir e mesmo dirigentes que, ao contrário dos actuais ou de todos os dos últimos 20 e tal anos, souberam, pela capacidade de trabalho e competência evidente, afastar-se quando compreenderam que o Benfica está sempre por cima das ambições e interesses pessoais.
É por isso, para mim, uma questão que tem de ser mudada no clube. O Benfica não pode ficar refém de estatutos que blindam as direcções e atribuem uma diferença tão grande de votos a associados que, no fundo, o que fazem é valorizar de tal forma o adepto que geralmente pouco ou nada sabe da realidade do que se passa do clube ao mesmo tempo que menoriza e quase torna inexistente a possibilidade de decisão ao sócio mais novo e que, também geralmente, está mais informado e tem vontade de participar activamente - alguns pela primeira vez - na vida e futuro do Benfica.
A antiguidade é preservada e homenageada; a filtragem é feita através do período de 2 anos até se pode votar; todos os sócios, em graus diferentes mas pouco afastados, sentem-se importantes para a vida da instituição; e a democracia real é, parece-me, salvaguardada.