Oito anos depois da chegada como jogador incógnito, oito anos depois de ter conquistado, por mérito próprio, o carinho e a admiração dos adeptos do Benfica, oito anos depois de vénias, de cânticos, de estandartes, de títulos e, mais importante que tudo isso, depois de ser sub-capitão e de ter capitaneado por várias ocasiões o mais titulado e prestigiado clube português, Maxi Pereira decidiu por vontade própria assinar pelo maior rival.
Manipulado ou não pelo seu empresário, cuja índole conhecemos há muito, Maxi Pereira não tem desculpa. Poderia ter saído para a Turquia, onde o Galatasaray lhe oferecia uma avultada soma, poderia ter saído para Espanha, onde se fala o seu idioma nativo, poderia ter saído para Inglaterra, onde pelo que se sabe tinha mercado, mas preferiu o Porto. Maxi, o herói, o ídolo da Luz, o homem com oito anos de casa, preferiu esquecer o passado e rumar a quem tanto mal nos quer e tanto mal nos fez.
O seu comportamento ao longo destas últimas semanas de negociação, para não dizer meses, foi igualmente inenarrável. Maxi revelou-se, tal como há três anos, aquando da sua primeira renovação de contrato, um indivíduo sem escrúpulos, que tentou leiloar-se à espera de uma proposta milionária, utilizando a família como escudo de defesa , desrespeitando os adeptos que sempre o acarinharam e mentindo inclusivamente à Direcção, quando a cerca de duas semanas antes do final do mês de Junho deu o acordo com o Benfica como confirmado e encerrado, voltando posteriormente com a palavra atrás sem dar qualquer justificação a quem lhe pagou o salário durante oito anos e com quem manteve esta morosa negociação. Gratidão? Não a peço. Peço respeito, pelo menos. Respeito por quem lhe pagou a tempo e horas, respeito por quem o idolatrou, respeito por quem o ajudou a chegar à Europa, a mostrar-se no Velho Continente e o ajudou a chegar às 100 internacionalizações e à capitania da selecção celeste.
A perda de Maxi, ao contrário da de Jorge Jesus, custa-me. Custa-me porque, independentemente do seu valor, Maxi Pereira foi nestes oito anos um jogador “à Benfica”. Exibiu dentro de campo um profissionalismo ímpar, tão típico de poucos jogadores que nós, mais jovens, vimos, tão típico dos muitos ídolos que pais e avós nos contam dos anos 60, 70 e para alguns, 80. Contudo, e centremos atenções no plano desportivo, o que não falta no mercado são jogadores com tanta ou mais qualidade que Maxi. Não desvalorizando o uruguaio, cujos atributos futebolísticos não são de desprezar, a verdade é que o Maxi Pereira de hoje em dia valia pelo conhecimento que tinha do jogo e, sobretudo, pela matreirice. É um jogador “rato”, que sabe quando cavar a falta, quando fazer a falta certa, no lugar correcto, no tempo exacto, e com uma garra e vontade pouco comuns que compensam a indisciplina táctica imprópria de um defesa direito que tanto pode aparecer na área, qual ponta-de-lança, ou na posição de número 10 para fazer uma assistência para golo. Com o avançar da idade, Maxi foi perdendo velocidade, perdeu capacidade de drible e finta (lembram-se quando ele conseguia ir à linha, fingir que ia cruzar e meter a bola para dentro?) e tornou-se um jogador mais “pesado”. Não sendo “velho” aos 31 anos, a verdade é que a longo prazo o Benfica pode conseguir melhor no mercado. Choca-me a perda do jogador por tudo o que representava, mas não fico sobejamente preocupado com uma eventual perda qualitativa porque a haver competência na gestão do mercado, não ocorrerá.
Podemos tentar perceber o ponto de vista do jogador. Maxi sempre falou na família, na família, na família e a verdade é que, a fazer fé nos números veiculados pela comunicação social, os 6 milhões de euros que o Benfica se dispunha a pagar em 3 anos ficam muito aquém dos 16 milhões que o Porto oferece em 4 temporadas. Mas pelos vistos, para Maxi, o dinheiro é mesmo tudo. Teve clubes internacionais (com o Galatasaray à cabeça) a oferecer muito dinheiro, mas nenhum deles tanto quanto o Porto. E foi esse o motivo que o fez assinar pelos azuis-e-brancos. A família, a família, a família... que nojo usar a família como argumento para querer ganhar mais e mais dinheiro, esse sim o único objectivo. Em jeito de conclusão, resta dizer que o Benfica perdeu um bom jogador e o Porto fez um mau negócio. No meio disto tudo, só mesmo o jogador fica a ganhar. E “só” do ponto de vista financeiro. Até porque se fizesse o que fez ao Benfica lá na terra dele, o mais provável era acabar numa valeta ou pelo menos ser ameaçado com um tiro na rótula, qual Paulo Assunção.
P.S. Nada a dizer da atitude da Direcção do Sport Lisboa e Benfica. A Direcção, em especial na pessoa do seu presidente, não pode entrar em loucuras ou devaneios financeiros por jogadores com muitos anos de casa que já deveriam ter percebido o que é o Benfica. Entrar no leilão que Maxi e o seu empresário queriam seria um desprestígio para o próprio Sport Lisboa e Benfica.
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Há uns anos, num hospital da Grande Lisboa, deu entrada na pequena cirurgia um miúdo dos seus 10 anos. Joelhos escalavrados, sobrolho acerto, uma bola de futebol debaixo do braço. “Caiu de um muro quando tentou apanhar a bola”, disse a mãe. Por entre a desinfecção das feridas e a sutura do sobrolho, uma colega minha resolveu meter conversa com o petiz:
- Então, magoaste-te muito? De que clube és?
- Sou do Benfica e do Real Madrid – respondeu o rapaz.
- E qual é o teu jogador favorito? O Ronaldo ou o Messi?
- É o Maxi Pereira.
Raros serão os adultos que têm Maxi Pereira como o seu jogador preferido. Muito menos uma criança. Disto, Maxi, só poderias encontrar num clube. E o dinheiro não compra estas coisas.