Koré cometeu o malvado pecado de provocar o adversário com um gesto sem violência. Koré teve a inadmissível lata de, numa competição com os pergaminhos da Taça de França, nos fazer lembrar a infância, nos recordar o lado malandro do futebol, o circense do jogo, a arte do engano, o deleite infantil pela gargalhada no ouvido do amigo que é adversário que é amigo.
Koré foi humano, quis brincar, mas entre ele e a festa do golo intrometeu-se primeiro um guarda-redes em fúria que o pontapeou. Depois seguiram-se os adeptos da outra equipa. Depois os jornalistas. Depois os dirigentes. Que era uma vergonha, uma falta de respeito, uma atitude indigna, o total menosprezo pelo adversário. A coisa só não chegou ao Papa por medo que o Chico do Vaticano validasse a ignominiosa desfeita, ele que é adepto do San Lorenzo e certamente gostará destas coisas mais, como dizer?, primitivas.
Estou cansado que gravatas às riscas debitem moral e palavreado sobre este jogo. Dirigentes corruptos, que passam a vida a aldrabar meio-mundo, em frente aos microfones enchem-se de falsos princípios, de cartilhas pelas quais não vivem mas que querem à força impor aos adeptos. Havelanges, Platinis, Blatters, Tapies, Fiúzas, Valentões, Madaíles, Vieiras, Pintos e de Carvalhos - estes e outros todos sempre polidos em frente às televisões, de falsa patine que com a luz das câmaras vai derretendo, quase desvendando os pequenos monstros que, sob a máscara, vão aparecendo. Cansado dos sorrisos falsos, dos gestos, das pancadinhas nas costas, dos "tem aqui o meu número, esteja à vontade". Farto dos lambe-botas que humilhantemente os rodeiam ou até daquela outra gente inteligente que prefere não ver o cenário todo porque, enfim, não dá jeitinho. É preciso manter os contactos, os croquetes, os cêntimos
da falsidade.
Herman Koré correu para a baliza e levava tempo para mais do que um simples golo. Dava para homenagear as milhares de peladinhas que jogou no seu país, a Costa do Marfim. Ajoelhou, sorriu, marcou, fez a festa. Não humilhou ninguém, não corrompeu ninguém, não fez mal ao futebol. Se o Chico - o outro, o Buarque - viu isto, lembrou-se do que ele próprio disse sobre o Garrincha, que também era acusado de "gozar" com o adversário:
"Humilhação? Mas, cara, futebol é humilhação mesmo. É enganar, ir para cima, deixar no chão, voltar atrás e deixar no chão outra vez."