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quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O pecado de Herman Koré

Este é o golo que Herman Koré marcou na Taça de França. Seria apenas mais um golo não fosse dar-se o caso de estar a ser alvo de uma polémica monstruosa. Tudo porque o jogador, isolado e com metros de distância,  decidiu parar a bola em cima da linha, ajoelhar-se e depois cabeceá-la. Como fazíamos na escola primária,  nos treinos do nosso clube,  no pátio lá de casa, na rua, entre os carros e as árvores.

Koré cometeu o malvado pecado de provocar o adversário com um gesto sem violência. Koré teve a inadmissível lata de, numa competição com os pergaminhos da Taça de França, nos fazer lembrar a infância,  nos recordar o lado malandro do futebol, o circense do jogo, a arte do engano, o deleite infantil pela gargalhada no ouvido do amigo que é adversário que é amigo.

Koré foi humano, quis brincar, mas entre ele e a festa do golo intrometeu-se primeiro um guarda-redes em fúria que o pontapeou.  Depois seguiram-se os adeptos da outra equipa. Depois os jornalistas.  Depois os dirigentes. Que era uma vergonha,  uma falta de respeito,  uma atitude indigna, o total menosprezo pelo adversário. A coisa só não chegou ao Papa por medo que o Chico do Vaticano validasse a ignominiosa desfeita, ele que é adepto do San Lorenzo e certamente gostará destas coisas mais, como dizer?, primitivas.

Estou cansado que gravatas às riscas debitem moral e palavreado sobre este jogo. Dirigentes corruptos,  que passam a vida a aldrabar meio-mundo, em frente aos microfones enchem-se de falsos princípios, de cartilhas pelas quais não vivem mas que querem à força impor aos adeptos. Havelanges, Platinis, Blatters, Tapies, Fiúzas, Valentões,  Madaíles, Vieiras, Pintos e de Carvalhos - estes e outros todos sempre polidos em frente às televisões, de falsa patine que com a luz das câmaras vai derretendo, quase desvendando os pequenos monstros que, sob a máscara,  vão aparecendo. Cansado dos sorrisos falsos, dos gestos, das pancadinhas nas costas, dos "tem aqui o meu número, esteja à vontade". Farto dos lambe-botas que humilhantemente os rodeiam ou até daquela outra gente inteligente que prefere não ver o cenário todo porque,  enfim, não dá jeitinho. É preciso manter os contactos, os croquetes,  os cêntimos
da falsidade.

Herman Koré correu para a baliza e levava tempo para mais do que um simples golo. Dava para homenagear as milhares de peladinhas que jogou no seu país, a Costa do Marfim. Ajoelhou,  sorriu, marcou, fez a festa. Não humilhou ninguém, não corrompeu ninguém, não fez mal ao futebol. Se o Chico - o outro, o Buarque - viu isto, lembrou-se do que ele próprio disse sobre o Garrincha, que também era acusado de "gozar" com o adversário:

"Humilhação? Mas, cara, futebol é humilhação mesmo. É enganar, ir para cima, deixar no chão, voltar atrás e deixar no chão outra vez."