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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Um lento e mudo Homicídio

A estátua levou um vidro à volta, deixando os benfiquistas a olhar o King sem o poder tocar. A Gala comemorativa do nascimento do clube foi cancelada (110 anos que não terão memória). Almoços e piqueniques adiados por um ano. Os risos das pessoas fechados dentro de bocas com muitos dentes e línguas. Não devemos rir. Chorar apenas e de dor. Golos deverão ser não-festejados com palmas a fingir e movimentos de lábios gritando golo mas sem som. Sexo só em missionário e de almofadas junto às caras. Bebidas alcoólicas só Vodka Preta Eusébio, exemplarmente vendida nos balcões de vendas do clube (e no site oficial). Peidos só bufas, embora se alerte para a necessidade de controlar os cheiros mais ácidos. 

O Presidente pede aos clientes que comprem açaimes. Nos elevadores do estádio a música-antibiótico com sons florais, de quedas de água ou flautas de pan deu lugar a uma senhora muito composta num dos quatro cantos do cubo vertical, fazendo gestos e traduzindo com os dedos e mãos o impressionismo do som musical que só ela ouve. Há na Bancada Presidencial um revólver debaixo do banco do Presidente. Devíamos ouvir o tiro que alguém disparou mas o silenciador correctamente disponibilizado pela Direcção não permitiu notar o mudo homicídio que ocorreu em plena Luz. 

Tudo em nome de Eusébio. Em honra de Eusébio. Há um luto por Eusébio a honrar. A Direcção promete fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que o Benfica não seja campeão, evitando assim impróprios festejos, histéricos gritos, comemorações indevidas, lançamentos de incómodas tochas, de sonoros petardos, de irritante alegria, de anormal emoção, de impensável amor.

O inspector mudo inspeccionou o mudo assassinato de uma arma de fogo muda matando em silêncio algo, alguém ou uma ideia. Foi só no final do luto, entre dois brindes ainda almofadados por belíssimos e silenciosos almofadões Benfica de copos de champanhe do mais fino e discreto borbulhar (à venda na loja e no site do clube), que veio a notícia que todos, em pesar, silêncio e mudez já antecipavam: o Benfica morreu.