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quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

20 anos de idas ao Estádio da Luz


7 de Dezembro de 1997. O Benfica recebia o saudoso Salgueiros em jogo a contar para a 12ª jornada do campeonato nacional. Um jogo como tantos outros. O meu primeiro jogo. Pela mão do meu pai, adepto moderadamente fervoroso, encorajado pelo meu tio João, residente na freguesia salgueirista de Paranhos, cidade do Porto, mas benfiquista desde sempre e sócio com quotas em dia mesmo vivendo na Invicta e com a companhia da minha prima Ana Rita, assim foi, naquela noite fria de 1997, que me estreei presencialmente no velhinho gigante de betão.

O jogo foi como tantos outros da década de 90. Partindo em 4º lugar, atrás de Rio Ave e Vitória de Guimarães e já a 8 pontos do líder FC Porto, aquele Benfica onde coabitavam génios como João Vieira Pinto e Michael Preud'homme com jogadores de qualidade sofrível (chamemo-los assim, para sermos simpáticos) como Tahar, El-Hadrioui, Panduru ou Taument, empatou a duas bolas com Salgueiros.

As memórias sobre esse dia e desse jogo, pese embora os 20 anos que me separam da data e o facto de ter apenas 7 anos de idade à altura, são mais que muitas. Desde a meia volta que tive de dar ao recinto para conseguir entrar na porta certa, para me sentar no topo norte (cadeira ou cimento?) até ao assoberbamento pela dimensão do Estádio e pelo ambiente. Sentia-me em casa. Tantas vezes tinha pedido para ir ao Estádio da Luz e finalmente, com sete anos e meio, o sonho tornava-se realidade. Havia uma felicidade em estar ali que ainda hoje sinto.

Dali para a frente, mais duas idas à Luz nessa temporada. Para assistir a um empate com o Estrela da Amadora numa tarde chuvosa (bis de... Martin Pringle!) e a primeira vitória, numa tarde solarenga de primavera, por 3-1 contra o Desportivo de Chaves. Historias de jogos a que fui e de jogos aos quais não marquei presença. Uma noite de chuva torrencial na qual, semi-abrigado no túnel de acesso à bancada, vi o Benfica, após estar a perder 0-2 ao intervalo com o Varzim, virar para 3-2. Aquela tarde em que recebemos a Fiorentina de Nuno Gomes para jogo de apresentação com o Estádio à pinha. E o que chorei por não ter ido ao derradeiro jogo da Catedral contra o Santa Clara.

Não são muitas as recordações da antiga Luz. Nem o tempo em que as vivi corresponde a um período perto de ser positivo na História do Benfica. Ainda assim, é com muita saudade que recordo o tempo em que a inocência de uma criança permitia acreditar que uma equipa composta maioritariamente por marretas seria capaz de ganhar jogo após jogo até à conquista de um campeonato que escapava há demasiado tempo.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

A História do Senhor F.

Foi em 2007, numa viagem ao coração da Europa, que conheci o senhor F.. Por entre lagos, paisagens de cortar a respiração, cidades e vilas belíssimas e enquanto gozava de um merecido descanso após um ano de bastante trabalho, o Benfica preparava-se para desmantelar um excelente plantel e construir uma coisa qualquer que acabaria o campeonato em 4º lugar, atrás do recém-promovido Vitória de Guimarães.

Num dos jantares de grupo, salvo erro na Áustria, por coincidência, a minha família ficou na mesma mesa da família do senhor F.. Duas famílias tipicamente portuguesas, com pai, mãe e casalinho de filhos. Oito benfiquistas à mesa. Uns por simpatia familiar, outros por convicção, outros quase por doença, mas todos benfiquistas. O senhor F. pertencia ao grupo dos "doentes pelo Benfica". Sócio, pois claro, com lugar cativo na bancada Coca-Cola, recordava todos os jogos, todos lances e todos os pormenores, descrevendo-os como se tivesse memória fotográfica e sempre com enorme fervor, como se os estivesse a viver e a ver pela primeira vez.

E se os visse, seria por ventura pela primeira vez. Não obstante toda a precisão descritiva do senhor F., a verdade é que ele nunca vira nada do que relatava. O senhor F. era cego. E não era isso que o impedia de ir viajar com a família pela Europa fora, nem de ir religiosamente ao Estádio da Luz todos os domingos para, não diria ver, mas sim sentir as vitórias do seu Benfica.

1 de Abril de 2010. O Benfica recebia o Liverpool na primeira mão dos quartos-de-final da Liga Europa. Não sei porque motivo, mas naquele dia eu e o meu pai entrámos no Estádio da Luz pela Praça Cosme Damião em vez de passarmos, como sempre, por entre as roullotes do Alto dos Moinhos. E por entre aquele mar vermelho que se formava à passagem pela primeira revista de bilhetes, lá estava o senhor F., com o seu filho, o Paulo. Cumprimentámo-nos, trocámos umas breves palavras, recordámos a viagem e demos os habituais bitaites da praxe, sendo que o do senhor F. acabaria por se revelar profético: 2-1.

O jogo, como devem estar recordados (pelo menos se tiverem uma memória tão boa quanto a do senhor F.) começou da pior maneira para o Benfica, com um golo de Agger nos minutos iniciais. No entanto, após muita pressão e na sequência de uma avalanche ofensiva encarnada, surgiu o primeiro penalty. Cardozo, que tinha falhado dois castigos máximos pouco tempo antes, em Setúbal e na Choupana, era chamado à marcação. E ali, naquele momento, descrente nas capacidades do paraguaio, não quis ver o que se iria passar. Voltei costas ao relvado e fixei-me nas centenas, milhares de faces de apreensão, nervosismo e expectativa que estavam voltadas para o palco principal. Cardozo marcou. Duas vezes. Ambas de penalty. Testemunhei a explosão de alegria no Estádio da Luz em duas ocasiões, ambas de costas para o relvado, sempre a olhar para as faces dos adeptos. E naquele dia, vivi uma vitória do Benfica tal como o senhor F. as vive: sem as ver, mas a senti-las.

Desta história se extrai uma verdade indesmentível: mesmo quando não vemos o Benfica, ele não deixa de estar lá. Porque o Benfica não é quem o representa em campo, quem o treina a partir do banco, quem o dirige a partir dos gabinetes ou cada adepto individualmente no seu sofá ou no seu lugar cativo. O Benfica somos nós. Todos nós.