segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Era só o que faltava que não ganhassem hoje



O Benfica não anda a jogar nada. Zero ou perto de zero.

Porque já teve 40 lesões este ano, porque há uma dependência exagerada da qualidade individual, porque não há assim tantas ideias colectivas. Porque o Vitória deve ter jurado a nossa Senhora de Fátima que utilizaria o Pizzi em todos os 60 jogos da época e então,  "derivado disso", o Pizzi,  que é quem coordena todo o nosso futebol,  está mais morto que vivo (inclusivamente, até já fez um cameo no Walking Dead a esbracejar sem grande energia atrás do actor principal - ver próximo episódio).

O génio Jonas ainda anda à procura do melhor traço; o Fejsa é melhor não utilizar para não ter uma recaída de 2 meses, como dezenas de outros que vão passando pelo laboratório altamente científico do Senhor Doutor do Benfica.

O Lindelof está a jogar à Jardel. O Lisandro à Jorge Soares. O Luisão à King. O Jardel à Jardel. O Eliseu à Eliseu e o Grimaldo que nunca mais volta.

O Rui Vitória anda a falar numa oitava acima com árbitros enquanto coxeia (uma imagem tão tenebrosa que o fez ser mais castigado que um treinador que empurra fiscais de linha e cospe pastilhas por todo o lado). O adjunto dele, o Stephen Colbert, está cheio de tremeliques por ter de ir para o banco. O Vieira anda de mala na mão, qual vendedor de frigoríficos, pela China e pela Oceania a querer despachar meio plantel porque "o Benfica não precisa de vender jogadores para equilibrar as contas".

Sim, tudo isto. Mas também somos a melhor equipa. Temos os melhores jogadores. Somos os tricampeões. Os melhores adeptos vão encher o Bonfim. Para a semana o Sporting vai ganhar ao Dragão e deixar o Porto a 7 pontos, o que obrigará os SuperDragões a nova viagem de cortesia com ameaças de morte - desta vez, ja não aos árbitros mas ao seráfico Espírito Santo.

Livrem-se de perder pontos hoje. Ganhem pelo Eusébio. Pelo Coluna. Pelo mister Vitória, que estará suspenso a enviar sms's ao Stephen Colbert. Por mim. Por todos os benfiquistas e até pelos outros como o Presidente que neste momento está na Mongólia a ultimar uma excelente parceria que vai desenvolver significativamente a marca Benfica naquela região tão fanática pelo desporto-Rei.

Ganhem, meus cabrões. Ganhem com o melhor Vídeo-árbitro do mundo: os olhos do Pizzi.

domingo, 29 de janeiro de 2017

Teatro na Austrália



O excelente comentador da Eurosport, Miguel Seabra, lembrava no início desta final histórica a frase genial de Navratilova: "Federer é o melhor de todos os tempos; Nadal é o melhor entre os dois."

Hoje Federer conquistou muito mais do que o 18° título do Grand Slam. Hoje Federer não foi só o melhor de todos os tempos - foi também, e sobretudo, o (muito) melhor entre os dois. Cai assim o pano cénico com maravilhosos momentos de Ténis: aos 35 anos, o génio finalmente domou a sua besta negra.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Um castigo inenarrável


Rui Vitória foi punido com um castigo de 15 dias e multa de 3825 euros na sequência de palavras dirigidas ao árbitro do encontro de ontem, Tiago Martins, estando assim impossibilitado de se sentar no banco de suplentes do Benfica nos próximos três (!) jogos do campeonato.

Pelas imagens, daquilo que é público, vê-se Rui Vitória a falar com o juiz do encontro e respectivos árbitros assistentes no final da partida, em tom assertivo e pouco exaltado, nada demais para o que se conhece e vê habitualmente no futebol português.

Recorde-se que Jorge Jesus, na sequência de gritos, perseguição e empurrão ao árbitro do encontro entre Vitória Futebol Clube e Sporting, para a Taça da Liga, teve a mesma suspensão de 15 dias mas falhou apenas um jogo para o campeonato e um para a Taça de Portugal, ambos em Chaves.

Fica registado. Revejam as atitudes de ambos os treinadores no final dos respectivos encontros e retirem as vossas conclusões. 

Um golo que brilha na escuridão

Com a tristeza,  passou-nos ao lado o golo mais bonito do Benfica esta época. Uma lição de como sair da pressão adversária sem pontapés para a atmosfera - jogadores juntos dando apoios e várias soluções, triangulação simples, bom posicionamento.  Pizzi finalmente liberta e Salvio cria o desequilíbrio. Ali, naquele momento, já o golo esperava refastelado numa praia a beber cocktails. Já o golo sabia que ia acontecer. Jonas recebe no meio, abre na esquerda para alargar a defesa do Moreirense e assim criar um falso chamariz enquanto, do lado contrário,  o Salvio segue o seu trilho natural, à espera de uma bola que aparece cheia de álcool dos pés do Eliseu. A finalização é óptima. Futebol de eleição que terminou aos 6 minutos deste jogo, mas o golo, este golo, valeu o bilhete.


terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Sondagem à boca das Furnas



Eu adoro esta foto exceptuando uma coisa. O quê?

a) A Taça dos Clubes Campeões Europeus
b) A Taça de Portugal
c) O manto vermelho
d) A outra Taça dos Clubes Campeões Europeus
e) O Marechal da Mística Pizzi
f) O único Presidente ilegítimo da História do Benfica

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Momento do Sporting

Hoje apetece-me escrever sobre o Sporting, até porque pelo que tenho ouvido mais ninguém está interessado em falar do que se passa no relvado sportinguista.

Esta semana ouvi um senhor na Sic Noticias a falar sobre esta crise de resultados e exibições.

O que ele disse não é muito diferente daquilo que todos os outros dizem (nunca é).
O Sporting perde e joga mal devido à sua estratégia de comunicação, à montagem da sua estrutura do futebol porque o André Geraldes é muito novo e devido aos baixos rendimentos dos seus jogadores.
Por sua vez os baixos rendimentos dos seus jogadores são consequência de motivos alheios ao jogo: o Bryan foi pai, o Gelson está a negociar o contrato e o William e o Adrien querem sair.
Isto é o Rui Santos a falar de futebol.

Acho isto muito pobre. 
Quando queremos analisar o rendimento de uma equipa devemos começar por olhar para o comportamento tático e colectivo desta.

Acima de tudo o Sporting joga mal por responsabilidade do seu treinador. A construção do plantel foi deficiente, a aposta nos jogadores é indecifrável, a construção táctica da equipa é inexplicável, a leitura do jogo é incompreensível e o rendimento dos jogadores é um reflexo do trabalho nos treinos e do seu posicionamento em campo.

O grande problema do futebol do Sporting é a incapacidade do Jorge Jesus em ler o jogo e de não inventar.

O Jorge Jesus é um grande treinador, um péssimo manager, um mau líder e um egocêntrico insuportável. Tem as suas ideias e não sabe adaptar-se nem aceitar os seus erros. Por isto não evolui.

Gosta de trabalhar as suas equipas para ataques rápidos e constantes. Muita gente à frente e pouca gente atrás. Abdica do controlo, do equilíbrio, do domínio no meio-campo e da segurança. Por isto o seu maior sucesso sempre foi no saber colocar uma equipa a defender com poucos.

É um treinador de 4-2-4 com laterais ofensivos e um médio de chegada à área. Neste seu estilo de jogo não pode viver sem um médio defensivo capaz de fazer todas as compensações, não consegue viver com um ponta de lança de área e não funciona sem um segundo avançado móvel capaz de fazer a ligação de todos os sectores no meio-campo ofensivo.

Na época anterior o Sporting não correspondia às ideias do seu treinador mas o desta época é exactamente um espelho destas.

O ano passado, com o plantel que lhe foi dado, o Jorge Jesus adaptou os melhores jogadores às suas ideias. Foi nesse contexto que o João Mário foi encostado à direita.
O que é que vimos nesse Sporting?
Um ponta de lança móvel com capacidade de ir às alas, pressionar os defesas e aproximar as linhas – Slimani. Um segundo avançado a fazer o papel ofensivo de um 10. E um João Mário, portanto um extremo direito que na verdade era um médio, a jogar mais encostado à direita.
João Mário e Slimani potenciavam um jogo mais curto e apoiado no Sporting. Os jogadores actuavam mais próximos e com isso defendiam melhor, pressionavam melhor, corriam menos e multiplicavam as linhas de passe.

Esta não era uma equipa à Jorge Jesus mas era muito o reflexo daquilo que o treinador fazia os jogadores renderem nos treinos.

Nesta segunda época já preparou uma equipa à sua imagem, num 4-2-4 puro.

Contudo começou logo por falhar em 3 momentos:

- Construção do plantel. Foram vários os jogadores contratados sem qualidade, o que acaba com a profundidade da equipa levando ao desgaste físico e emocional em várias posições.

- Qualidade do treino. Alguma coisa aqui está a falhar pois não era expectável que o Jorge Jesus não conseguisse tirar qualquer rendimento de jogadores como o Markovic e Joel. Aliás, também do próprio Bryan.

- A dupla ofensiva. Para mim aqui mora a falha fatal do futebol do Sporting. Não só o Jorge Jesus ainda não conseguiu definir um jogador para a posição chave de todo o seu processo ofensivo, a de segundo avançado, como anda a jogar com um excelente ponta de lança cujo o estilo não se enquadra no Futebol do treinador. Por algum motivo o JJ não se cansa de demonstrar a sua insatisfação com o Bas Dost e não consegue sequer perceber a sua importância além golos.

Haveria um quarto ponto que seria o impulso para a invenção, principalmente na lateral esquerda. Bruno César a jogar ali é um erro enorme. Não só a equipa fica com um péssimo defesa esquerdo como perde um bom/útil segundo avançado.

A avaliação ao desempenho dos jogadores nunca pode ser independente do desempenho da equipa, e vice-versa obviamente.

Com isto quero dizer que jogadores que rendiam muito, como o Gelson e o Adrien, só podem baixar o seu rendimento com o acentuar do mau momento desportivo da equipa. É uma questão mental e também física. Além disso, andam a exigir a um miúdo de 21 anos que seja a solução de todos os problemas da equipa.

Depois também não podemos dissociar o desempenho dos jogadores do posicionalmento táctico da equipa.

O Bryan não é um jogador de sprints. O Bryan é um jogador de classe, de futebol apoiado e de construção. Nunca de correrias.

Hoje temos um Sporting a jogar muito mais largo. O avançado joga mais subido e central e o extremo direito joga mais aberto e vertical. Isto afasta os jogadores do Sporting, reduz os apoios e as linhas de passe.
Isto obriga a que o Bryan jogue mais para trás, corra mais e recorra mais ao passe longo. E depois com um Bruno César a lateral e um meio-campo menos apoiado, o costa-riquenho tem também de andar a desgastar-se mais defensivamente.

E não muito diferente é aquilo que se passa com o William. Não nos enganemos, o William Carvalho é um grande médio defensivo. Não é é um trinco. Está longe de ser um Fejsa.
O William não é rápido com a bola no pé mas sabe jogar, sabe avançar no terreno, sabe impor o físico, ler o jogo e combinar com os colegas.
Neste Sporting a exigência sobre o William é a de ser mais defensivo e solitário. Assim é mais pressionado quando tem bola, tem menos apoio e perde os momentos do jogo para fazer aquilo que sabe.

Se à partida as coisas estão mal construídas é normal que o desempenho dos jogadores não seja o melhor. Depois é ir somando o peso dos maus resultados e o acumular do cansaço.

Então no meio-campo é gritante a falta de cobertura tanto ao Adrien quando ao William.

Tudo isto pode melhorar com duas pequenas mudanças.

Jorge Jesus tem de parar de querer provar que transforma caca em ouro e começar a apostar nos melhores jogadores. Aqui tenho de concordar com o Bruno de Carvalho. O Sporting precisa de se livrar dos jogadores de menor qualidade, mesmo contra a vontade do treinador.

O Bruno César tem de ser colocado atrás do Bas Dost.

Como lateral é péssimo e todos os jogos são erros atrás de erros. Como segundo avançado nunca será um grande jogador mas as suas características podem servir muito a equipa, aumentando simultaneamente o rendimento colectivo e individual de todos os jogadores.
Ele consegue fazer a ligação entre os vários sectores do ataque, criando assim mais apoios ao Bas Dost, ao Bryan Ruiz e aos médios leoninos. Aproxima as linhas, elevando a capacidade de pressão e o número de linhas de passe, e liberta os médios para o momento ofensivo. Além disso é um médio com boa capacidade de meia distância o que iria logo proporcionar outras opções de finalização à equipa, obrigando os defesas adversários a dar mais liberdade ao holandês.

Agora, digam de vossa justiça.

Coates não é melhor do que o pior central do Benfica. Não vejo qualquer interesse nesta compra além de parecer advir de um benfiquismo lagarto que é o de pensar mais no adversário do que em nós. Não quero vinganças nem roubos nem nada. Quero o clube comprometido consigo e com os seus adeptos. Coates é um calmeirão que se posiciona invariavelmente mal e que por isso se farta de dar porrada e fazer penalties (que por acaso nunca são marcados mas disso a culpa é do Benfica).







terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A magia (in)visível da CAN



O preconceito é mais sanguíneo do que se possa pensar. Todos somos racistas - brancos, pretos, mulatos, indígenas, ciganos, asiáticos, seres de outros planetas. A educação que tivemos condicionou-nos, tentou fazer de nós seres maldosos. Mesmo quando os nossos pais e os nossos amigos foram boas pessoas ou tentaram ser boas pessoas, mesmo assim a língua venenosa do preconceito tentou sempre condicionar a nossa forma de ver o mundo. E só há um antídoto: viajar (ou pelo mundo ou pelo nosso cérebro). Viajar para quebrar todas as barreiras. Viajar para amar as diferenças. Viajar para sermos melhores.

No facebook, a maior competição futebolística africana é partilhada através de pequenos momentos humorísticos, coisas peculiares, gestos cómicos. Alguém diz

- Os gajos só dão porrada!

Outro concorda e faz um like. Depois passa um vídeo em que um jogador na maca leva um toque de um carrinho de apoio.

Nada disto interessa para aquilo que o futebol africano tem a dar ao mundo, e é muito e é lindo.

Confesso que só há 8 anos comecei a ver a CAN com olhos de quem quer ver. O que tenho visto é um futebol cheio de invenção e de infância. Claro, mal jogado tantas vezes como aquelas que vemos em Portugal, em Inglaterra, em França,  mas há coisas naquela forma de lidar com a bola que não são europeias.  Coisas que ainda vêm de uma maneira de viver o jogo muito para além da táctica ou de exigências milionárias dos clubes.

A CAN ainda nos permite ver pedaços de futebol de rua descalça. Mesmo os craques conhecidos mundialmente, quando chegam às suas selecções tornam-se mais humanos, arriscam mais, esquecem as prelecções em hotéis de luxo. Não é raro ver um jogador africano, que no seu clube é obrigado a cumprir religiosamente as directrizes do seu técnico, a deixar fluir a sua memória de futebol. A fintar 3 adversários como se estivesse ainda na rua onde nasceu. E vêem-se coisas lindas. Coisas que o fizeram ser o extraordinário jogador que agora é na Europa.

A CAN não é um circo para desenvolver no facebook o preconceito mascarado. A CAN é um óptimo lugar para ver futebol. Para perceber futebol. Porque o futebol não é nem nunca foi património de nenhum lugar.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Esta jornada está a correr muito bem para nós



- conseguimos recuperar de um 0-3 para um 3-3, o que será uma óptima referência mental nos jogos futuros em que estivermos em desvantagem;

- fomos claramente prejudicados pela arbitragem, o que ajuda a destruir as teorias paranóicas dos rivais (a culpa de irmos na liderança afinal é mesmo do Benfica);

- o Sporting empatou logo a seguir, mantendo-se a 8 pontos de nós;

Agora só falta o Porto empatar com muito colinho do árbitro para ficarmos com o campeonato no papo.

sábado, 14 de janeiro de 2017

O elo mais fraco

O erro é um acontecimento natural em todas as profissões. Correctores de bolsa, médicos, bancários, empregados de mesa, advogados, jornalistas, todos erram. Os árbitros não são excepção. Tempos houve em que o erro na arbitragem se associou a um elevado clima de suspeição e com motivos que o justificavam. Mas os tempos mudaram. De uma classe composta por gente desonesta e corrupta, o paradigma da arbitragem no futebol português alterou-se com o folhetim Apito Dourado, que teve consequências muito positivas no que toca à transparência e honestidade intelectual dos juízes do jogo.

Depois de uma geração composta por homens como Pedro Proença, João Ferreira, Pedro Henriques ou Duarte Gomes, árbitros com maior ou menor competência, com qualidades e com defeitos, uns mais vaidosos, outros mais arrogantes e outros ainda bastante inseguros, mas todos eles minimamente idóneos e íntegros, abriu-se um gap geracional com a saída destes ex-árbitros. Deu-se lugar a uma classe que apesar dos estudos, dos seminários e das formações é francamente inexperiente e que tem mostrado não ter arcaboiço mental para lidar com as pressões de que tem sido vítima. Uma classe que hoje é facilmente influenciável.

Pelos erros próprios de Sporting e Porto, foram os árbitros a pagar a fava. É sempre mais fácil culpabilizar esta classe que assumir os próprios erros. Os principais rivais do Benfica colocaram o futebol português em estado de sítio, pondo em causa a honestidade dos árbitros e em perigo a  sua integridade física, com as ameaças de morte que são conhecidas. E como se viu pelo seminário organizado que juntou Conselho de Arbitragem, árbitros e dirigentes dos clube dos campeonatos profissionais, as tão propaladas decisões controversas foram, na sua larga maioria, correctas.

O problema vem depois. Os árbitros, fruto da sua inexperiência, vão acusar o toque. Se exceptuarmos Jorge de Sousa e Artur Soares Dias, não há em Portugal árbitros que conjuguem experiência e qualidade. Esta nova geração sentiu o toque e isso viu-se hoje na Luz. Não conheço Luís Ferreira, árbitro da partida de hoje. Não sei se é bom ou mau árbitro, se o seu coração bate pelo Benfica, Sporting, Porto ou Carcavelinhos. Acredito na sua boa fé, até na sua competência técnica, mas hoje mostrou que a sua classe é excessivamente vulnerável fruto da inexperiência e que está mais predisposta a cometer erros contra quem tem o alvo a si apontado, neste caso o Benfica. Errou como erram os jovens correctores de bola, os jovens médicos, os jovens bancários, os jovens empregados de mesa, os jovens advogados e os jovens jornalistas. Errou porque não tem experiência. E este grupo actual de árbitros é profundamente inexperiente. É, neste momento, o problema desta classe.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

É GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLO DO BENFICA, É GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLO DE EUSÉBIO



Não sei o que é, ao certo; se o crescendo

"Sou dooooo Beeenfiiiiica"

se é o orgulho que aquela voz transporta, como que carregando nas sílabas todos os momentos gloriosos que este clube viveu

"e iiiiiiiiiiisso m´envaideeeece"

ou talvez a voz radiofónica dos grandes tenores do século passado misturada com as acentuações perfeitas em português-veludo das personagens dos filmes a preto e branco de filmes de Leitão de Barros, Perdigão Queiroga ou Arthur Duarte

"tenho aaaaaaaaaaa geniiiiica que a qualquer engrandeeeeeeeeeeeece"

parece que vejo a casa da minha avó, a sala ampla, portadas para a luz branca-transparente das paredes solares do Alentejo, na mesa um bordado minucioso, fotografias gastas, um terço, um rosário e o barbudo-mártir ao lado dos pratinhos de pássaros, de mãos e braços abertos para a eternidade. As asas de anjinhos de loiça querendo voar sobre os livros e algo ou alguém, de dentro das histórias fechadas em lombadas a couro vermelho e letras a ouro, que sai e anuncia

"Sooooou de um cluuuuube lutadoooooooooooooooor"

e parece que vejo a sala, depois a casa toda, a rua, a vila e todas as salas, ruas e vilas encostadas de ouvidos à escuta junto à telefonia, enquanto Artur Agostinho canta "É goooooooooooooolo do Benfica, é gooooooooooooolo de Eusébio" e os pássaros dos pratos aterram nos ombros de famílias inteiras em silêncio, escutando golos e passes e defesas, imaginando os lances, criando novos movimentos, inventando as cores que não vêem nos botões do aparelho que lhes sopra que o Benfica está a voar sobre o Real Madrid, que é Cavém, Coluna, de novo para Cavém, abre para Águas, levanta de primeira para a área, Eusébio amortece, remate de Cavém, golo

"que na luuuuta com fervoooooooooooooooooooooooooor nuuuuuuuuuuuunca encontrou rrrrrrrivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaal"

e o país explode vindo de um soturno silêncio de damas-de-companhia, medos, fomes, gabardinas e chapéus nos balcões dos cafés, para um grito que faz levantar as saias da donzela tímida que esperava no banco de jardim o seu prometido, que faz ouvir a voz daquele velho sisudo que não dava palavras ao mundo, faz abrir de alegria a cara do pai-de-família que, todo metido no ar, prometeu bebidas, comidas e o que se quisesse a metade do povo que se abraçava, se beijava, se aleijava, se atirava contra as amarguras do tempo enquanto as portas se partiam, mesas eram mergulhadas na intempérie de pernas, braços, cabeças, gente aos pulos, gente aos gritos, gente aos beijos, o padeiro a agarrar na jarra de flores e a levantá-la no ar, em gesto de vitória: "é nossa", e as crianças, espantadas, aos gritos histéricos, a mãe "cuidado com o deus-menino" e o deus-menino estatelado no soalho, embebido em aguardente e ferido de morte pelas vidraças da garrafa, dos copos, das loiças, pés atrás de pés, espezinhado o filho de Nosso Senhor e, na parede, o barbudo parecendo rir de sangue

"neeeeeeste nooooooooooooooosso Poooooooooooooooooooortugaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaal"

não posso dizer, não sei dizer, o que é, que me faz levantar no Estádio, emocionar-me, ter amor desta maneira por uma ideia que não tem corpo nem precisa de ter, por um ideal, um voo, um sentimento, uma dor e uma alegria tamanhas sempre que oiço

"Seeeeeeeer Beeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeenfiquista"

e transporto dentro de mim todas as memórias misturadas numa só, passado, futuro, presente tudo numa amálgama de tempo em que vejo slides difusos, pequenos momentos, grandes momentos, vêm-me à alma aqueles instantes e o Estádio, aquele ecoar do golo que parecia que começava por debaixo da relva e ia espraiando a voz, subindo lentamente pelas escadas e pelos corpos das pessoas, era um língua de som que, quando a bola tocava as redes, nos afundava como onda, goooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooolo e nós morríamos uns nos outros, engalfinhávamo-nos uns nos outros, já sem saber se as pernas e os braços eram nossos ou dos outros, uma massa compacta de gente e cachecóis, bandeiras, chapéus, camisolas, sapatos, fumo, papelinhos e o ritmo que subia, pulsava, o chão tremia, o ar vibrava e começava a dança

"é ter na aaaaalma a chama imensa, que nos conquiiiiiiiiista e leva a palma à luz inteeeeeeensa"

e o Sol vinha mesmo, risonho, beijar-nos, em tardes que pareciam infinitas, tardes que amoleciam o betão e se prolongavam para lá do possível

"com orgulho muito seeeeeeeeu, as camisolas berrantes, que nos campos a vibraaaaaaaaaaaaaaaaaaar"

e os velhos lembravam-se de ter erguido com as mãos as vitórias e o Estádio, os novos ouviam e queriam fazer parte, os Pais levantavam os filhos, mostravam-lhes o que era aquilo, queriam-nos ali para toda a vida, e os filhos mostravam orgulho e gratidão por poderem vibrar, e pais, filhos, avôs, netos, estranhos, conhecidos, amigos, amantes, namorados olhavam-se dentro do golo e cantavam

"são papooooooilas saaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaltitanteeeeees"

e então calava-se tudo um instante, um pequeno instante em que 120.000 pessoas não faziam um único ruído, jogadores e adeptos numa espécie de comunhão do silêncio, os holofotes como templos antigos, os placards electrónicos gigantes anunciavam 00:00, cheirava a relva e a terra molhadas, a fumos inebriantes, sentia-se um pulsar que era a própria respiração do Estádio, tum tum tum tum tum tum, e era de dentro dele, por osmose do betão para os pés, depois pelo corpo, até ao céu, que se iniciava o estrondo da batucada

"Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica, Benfica!"