Calma. Este não é mais um texto de um benfiquista tão cheio da habitual pesporrência benfiquista que, após rara vitória sobre o Porto, descobre um futuro radioso. Não, temos a noção das coisas: nos últimos 20 anos, o Benfica venceu 3 campeonatos, este ano vencerá o 4º. Taças de Portugal? Há 10 anos que não ganhamos uma, histórico recorde negativo em 110 anos de Sport Lisboa e Glorioso Benfica. Mas há qualquer coisa, algo que..., há um não-sei-quê que promete. Fiquemos assim: há uma promessa grande neste Benfica. Houve, na noite de ontem, um cheiro a futuro. E como foi bom cheirar, ouvir, deglutir, comer, tocar, ver Benfica.
Há pena naquela expulsão. Um vermelho que surge de uma certa capacidade histriónica de Siqueira para a estupidez - já em Barcelos o tínhamos notado, e ao vivo, claro, que o Benfica é para comer ao vivo, não na internet empunhando espadas StarTrek, mexendo no aro dos óculos ou contando cartas de Magic (seja lá o que isso for). É pena porque estava a ser de tal maneira dominante o nosso jogo que o impensável era não acabarmos a primeira parte com um 3-0, um 4-0, provavelmente um 33-0. Claro, falar-se-á em Proença e na sua malvadez contra o Benfica. Permitam-me que discorde: Siqueira é expulso porque é burro, apesar de ser bom jogador - oxímoro fascinante que, não explicando nada, explica tudo. E ficámos com o menino nas mãos.
Como este não é um texto de análise sequencial sobre o jogo, deixem-me que recorde algo importante e anterior ao mesmo: o onze. Jorge Jesus tem uma tendência natural para inventar nos jogos contra o Porto. Não é embirração minha - até porque ustedes sabem que gosto do bípede -, é um facto. Ontem decidiu inventar André Gomes a médio-defensivo; ideia que, se andarem atentos a este blogue, tinha sido explorada por mim há pouco mais de uma semana, talvez duas. A questão é que, como também vinha nesse meu texto, para explorar o nosso puto nessa posição era preciso que ele fosse sendo testado e não atirado aos dragões sem mais nem menos. O resultado foi uma primeira parte em que vimos Gomes tão deslocado do centro do jogo - puxado pela movimentação dos portistas, sobretudo de Fernando e Quaresma; o primeiro porque sabe muito de futebol, o segundo porque instintivamente, mesmo sem saber, causa feridas e fossas e crateras e fissuras - que chegámos a pensar que André seria extremo, lateral ou até treinador Jesus - que, como também sabemos, às vezes entra em campo mesmo com a bola a rolar. Facto é que Gomes foi crescendo durante o jogo e só não me adianto mais em elogios ao rapaz porque já está vendido ao fundo do Jorge Mendes. Obrigado, no entanto, por aquele golo tão cheio de talento que deu futuro ao Benfica e pode mesmo ter mudado o futebol português.
E assim chegamos a 17 de Abril com o Campeonato no bolso, na final do Jamor, nas meias-finais da Taça da Liga (mais um belo jogo contra o Porto - vamos ao Dragão, camaradas? Ou ficamos todos a empunhar uma espada de Game of Thrones?) e a dois jogos da final da Liga Europa. Uma equipa que joga assim 70 minutos com menos um jogador contra o Porto - mais fraco, muito mais fraco, do que o habitual, mas ainda assim... o Porto -, pode e DEVE ambicionar ganhar tudo. Fantástico trabalho de Jorge Jesus, pois claro, que todos os anos leva sarrafadas da estrutura, fica sem jogadores, dizem-se barbaridades, cometem-se exageros linguísticos, inventam-se novas formas de estragar o Benfica, e ainda assim lá continua o homem da Reboleira a descobrir bons jogadores em medíocres, excelentes em bons, geniais em excelentes. E a pergunta persiste: o que seria do Benfica de Jorge Jesus se tivéssemos... estrutura?
A mesma estrutura que terá de responder a várias questões, a principal esta: e para o ano? Vamos calar o bico, perceber que estamos, bem, a afundar o Porto num equívoco do qual só sairá se o deixarmos? Ou vamos ao Barbas, faremos mais umas entrevistas ranhosas armados em chulos do Bairro Alto e prometeremos finais da Champions? Conseguiremos trabalhar no silêncio e aprofundar o declínio portista com competência ou vamos desculpar daqui a uns meses a má entrada no campeonato com coisas tão absurdas como "andámos a festejar em demasia"? Ou, ainda pior, "não devíamos ter sido campeões"? Às vezes tudo isto parece tão irreal.
Mas deixem-me que vos diga uma coisa: Ontem, Glorioso Sport Lisboa e Benfica, vi-te no Estádio da Luz.