terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Benfica-Sporting: um jogo que é um sonho intemporal




Deixemo-nos de merdas: por mais que o Sporting admiravelmente perca jogos e campeonatos uns atrás dos outros e goste de fazer intervalos sabáticos de 18 anos entre títulos nacionais, o jogo dos jogos é o Benfica-Sporting. O Benfica-Porto só é interessante porque explora o lado bondoso e solidário da espécie humana: queremos sempre que o Bem vença o Mal; por isso toda a gente olha para este jogo como se fosse um filme, sempre à espera que o Herói consiga vencer os criminosos e mauzões e no fim leve a miúda para casa. Ninguém morre pelo Benfica-Porto porque o Porto está corrompido, está sujo, tem muitas sombras. Não há nada de mais desinteressante e chato do que um clube cheio de sombras liderado por um beato com problemas psicológicos. O argumento até tinha potencial, mas os actores são medíocres. Ninguém vive pelo Benfica-Porto, ninguém morre pelo Benfica-Porto.

O Benfica-Sporting é outra coisa, é uma obra-prima. O Benfica-Sporting não tem sombras, é honesto, é a campo inteiro, é a céu aberto. O Benfica-Sporting é futebol puro e duro. Rivalidade que corre no sangue de todos os adeptos. É a vida toda desde que nascemos até ao apito inicial que nos inunda. São memórias de jogos antigos, desacatos familiares por uns serem do Sporting e outros do Benfica que acabaram numa guerra com garrafas de vinho pelo chão, pedaços de bacalhau e batatas a murro pelo ar, a avó que se escondia debaixo de uma cadeira, o puto que saltava para cima da televisão e voava para as costas do sportinguista, primo mais afastado que tinha vindo da França para o Natal, e acabou cheio de puré e doce de ovos nos cabelos. Benfica-Sporting é a vida toda com os nossos amigos: as bezanas nos tascos, nos bares, nos casamentos. Nós a gozarmos com eles; eles a serem gozados por nós.

Às vezes o Sporting ganha. Acontece o Sporting ganhar. E então isso também é Benfica-Sporting porque nos mostra, até de forma ternurenta, a alegria do nosso amigo, todo orgulhoso no seu clube. Ou o sorriso da nossa namorada leoa e aquela forma que ela tem de gozar connosco mas sem nos ferir muito porque ela, mais do que ninguém - afinal, é do Sporting! -, também sabe como dói perder estes jogos. O Benfica-Sporting é o Gabriel Alves na televisão e um «oooooooooooooooooooooh» com remates que ora vão para fora ou vão para dentro da baliza do Sporting. O Rui Tovar e o Mário Zambujal a anunciar no Domingo mais uma vitória do Benfica em Alvalade. O resumo a começar com a alegria de um estádio leonino cheio de esperança e a acabar com os jogadores do Benfica a saltar para os adeptos gloriosos e um final de imagem com adeptos sportinguistas a sair do estádio, desolados. Benfica-Sporting é Domingo, é o dia da folga e da festa. O dia da vida toda que se junta para gritar golo.

No trabalho há sempre, junto à máquina do café, no elevador ou entre cigarros, a rivalidade latente. Encontram-se um benfiquista e um sportinguista. A malta consegue passar uns segundos sem falar de bola mas depois, de mansinho, ainda com tons educados e de cordialidade, vai começando a discorrer o seu fanatismo clubístico e acaba tudo a apontar erros arbitrais inqualificáveis e a relembrar goleadas históricas. Se não houver mais argumentos, passa tudo para a batatada, com o Antunes já de gravata vermelha esgroveada e o Serafim todo pintalgado de verde dos tinteiros da impressora. Depois vão calmamente para as suas cadeirinhas em frente ao computador, onde jogam Solitário e ficam a pensar no resultado do Benfica-Sporting.

Não me venham cá com Benfica-Porto quando estou a falar de futebol. Quando falo de rivalidade. Quando o assunto é sério e entre gente séria. O Benfica-Sporting é que é. Nenhum Benfica-Porto consegue transformar uma semana inteira num autêntico festival de preliminares. São 7 dias em que benfiquistas e sportinguistas se lambem, se tocam, se lambuzam todos, se recriam, se provocam, se insultam gentilmente, se odeiam e se amam, se vivem. E aquele ar trocista que também está ansiosos e nervoso. E aquele ar gozão que também tem expectativa e receio dentro. Não medo, nunca medo. Medo não faz parte do Benfica-Sporting. Medo só faz parte do Benfica-Porto porque sabemos que é muito provável que o árbitro nos assuste.

O Benfica-Sporting é uma foda, um orgasmo, um vaivém espacial que vai e vem, que vai e vem, em loop eterno que nunca pára. Há no Benfica-Sporting uma espécie de sentimento de eternidade que só se sente quando estamos a foder. Como se nunca o mundo fosse acabar enquanto as duas equipas estiverem em campo a jogar futebol. E o jogo engravida e nascem golos do Benfica.

5 comentários:

JP disse...

Tem razão em toda a adjectivação relativa aos javardos assumidamente corruptos.
Mas, caro Ricardo, de onde venho e onde apenas conheci um sportinguista, a rivalidade era e é com o f c Porto.
Nos intervalos da escola eram essas equipas que alinhavam, até ao famoso "quem marcar o último ganha"....
Nos matraquilhos as camisolas são azuis e vermelhas.
No Minho, Sporting era mais o de Braga: o outro não este, aquele onde fazíamos jogos como se de uma segunda casa se tratasse: no granito do 1° de Maio...
Parabéns pelo excelente blogue.

Águia Preocupada disse...

Caramba Ricardo! É isso tudo e o mais que houvesse!
Ainda ontem dizia que não há jogo como um Benfica - Sporting ou Sporting - Benfica!
Mesmo em tempo de "guerra" no desporto como o actual, um jogo entre vizinhos é sempre uma festa, uma orgia de sentimentos que só se sentem, não há eloquência para explicar!
Amanhã, lá estaremos para mais uma festa! Ganhe-se ou não o sentimento só pode ser: FESTA!

Benfiquista Primário disse...

Em cheio! É tão isto. O derby é uma foda, enquanto o clássico já está todo fodido...

Pedro J. disse...

Um texto muito bom que li com bastante interesse. No entanto, o Benfica é um clube plural e por isso permita-me dar a minha opinião.
Para mim e para milhões de benfiquistas do Norte, o nosso grande rival é o FCP. Enquanto não finalmente metermos isso na cabeça, vamos continuar a ser comidos de cebolada (como dizia o outro) ano após ano. Quantas vezes ganhámos nas Antas/Dragão nos últimos 30 anos? Salvo raras excepções, o normal é sair de lá vergado (quando não o fazem na nossa casa). Sei que custa dizê-lo, mas enquanto não mudarmos o "chip", a coisa não vai mudar.
Dizer que o Sporting é o nosso maior ou "verdadeiro" rival só diminui o Benfica, pois o termo de comparação é pouco exigente.
Eu cresci no Porto e sinceramente os jogos com o Sporting nunca tiveram o mesmo significado da verdadeira batalha que é um FCP-Benfica. Outros benfiquistas tripeiros concordarão comigo. Aliás, eu nem sequer tenho amigos do Sporting: a grande maioria é do FCP. Sem querer menosprezar os benfiquistas da área de Lisboa, vocês nem têm ideia do que é ser do Benfica na zona do grande Porto. Cresci nos anos 90 (durante a nossa Idade das Trevas) e à custa do Benfica andei à porrada um sem número de vezes, mas nunca me verguei. Assisti da primeira fila aos festejos deles ano após ano, sempre com o Benfica e a mãe deles na boca.
Sempre me causou uma certa estranheza a importância que muitos benfiquistas da grande Lisboa ainda dão ao Sporting, um clube que já não ganha um campeonato há 17 anos. Fica aqui a minha opinião.

Benfiquista Tripeiro disse...

O Benfica Sporting é uma grande seca, não tem significado nenhum hoje em dia.

O Benfica Porto é que é o grande clássico do futebol português. O Sporting não passa dum belenenses.