Os nossos medos revelaram-se infundados: com Salvio e Gaitan nas alas, o Benfica fez ontem um dos melhores jogos da época. Não sendo brilhante em grande parte do jogo, foi ainda assim uma equipa totalmente organizada em campo, consistente, compacta, segura na rectaguarda, pressionante e dinâmica no meio-campo e criativa, embora perdulária, no ataque. É, aliás, na segurança defensiva e na qualidade de pressão que a equipa de ontem foi diferente de todos os outros Benficas que vimos esta temporada. Essencialmente por dois factores: maior qualidade nos movimentos de transição (defensivos e ofensivos) e a boa exibição de Gaitan (de longe, o seu melhor jogo desde que chegou a Portugal) - se ofensivamente, todos sabemos das qualidades do argentino, residia na sua incapacidade de entender o movimento defensivo uma das deficiências do jogo benfiquista. Ontem, Gaitan foi o ala que o Benfica procura desde o começo de época. Esperemos que tenha sido um crescimento sustentado na assimilação das ideias de Jesus e não apenas um acaso.
Ainda assim, como ponto negativo, destaca-se o número absurdo de perdas de bola em zonas de perigo que os jogadores continuam a cometer - especialmente Javi Garcia (recorrente em todos os jogos), mas também Maxi Pereira, Coentrão e Martins. Contra equipas mais letais, algumas perdas ser-nos-ão fatídicas.
- Roberto é Roberto, não mudou nada nas saídas da baliza: não me dá segurança nenhuma. Pode fazer bons jogos (e tem feito), mas há sempre a possibilidade de um erro a cada bola bombeada para a área (ontem teve mais uma das suas estapafúrdias saídas), o que obviamente não constitui perfil adequado a um GR do Benfica.
- O Maxi fez o pior jogo desta época. Inseguro, trapalhão, mal a defender no um-para-um e com um número de passes errados inaceitável. Tendo em conta a boa época que tem feito, foi provavelmente um momento menos bom. Não há razões para alarme. Mas ajudava ter no plantel outro lateral que lhe fizesse concorrência.
- Os centrais estiveram muito bem. Luisão, vindo de lesão, esteve intransponível e David Luiz fez bem o que faz bem e não fez o que faz mal.
- Desde o jogo no Dragão, Coentrão andava tímido, hesitante, pouco participativo nos movimentos ofensivos da equipa. Ontem voltou a ser o lateral fantástico que todos conhecemos. Esperemos que seja para ficar. Também passou pela sua exibição o bom jogo do Benfica.
- Javi - o pior em campo, ontem. Luta, agressividade, sentido posicional, tem; o que lhe falta, e ontem foi o expoente máximo disso, é qualidade no passe e critério de decisão. Se virmos estatísticamente a eficácia de passe do espanhol, deparamo-nos com um número elevado; o problema passa pelos momentos em que erra: quase sempre em zonas perigosas, com a equipa balanceada para a frente. Umas vezes porque falha o passe, outras porque perde a posse, exagerando no tempo de soltar a bola. Airton é, neste ponto específico, muito mais forte.
- O Salvio andou em boa parte do jogo ausente das luzes da ribalta. Mas não haja enganos: pela sombra, trabalhava bem os momentos defensivos e criava linhas de passe em construção. Quando os focos o iluminaram, fez uma assistência, criou o desequilíbrio no segundo golo (excelentes a mudança de velocidade e cruzamento), apareceu bem para finalização (cabeceamento ao segundo poste que passou perto da baliza) e atirou uma bola ao poste. É um diamante já não em bruto. E tem tanto ainda para crescer.
- Como disse atrás: Gaitan fez o melhor jogo desde que chegou ao Benfica. Muito capaz em termos defensivos (Jesus fala numa melhoria desde que Amorim entrou para a esquerda, mas discordo da razão: não era Gaitan o problema, mas Martins) e criativo e desequilibrador sempre que rasgava a ala. Tenho sido muito crítico da utilização deste talento puro naquela posição mas, tal como a crítica foi justa, é justo reconhecer que ontem Gaitan foi o médio esquerdo de que a equipa precisa desde que começou a época. Esperemos por mais jogos para ver se é fogacho ou fogo eterno.
- Não esteve bem, Martins. Perdas de bola, pouca agressividade sem ela, menor fulgor para aparecer na frente. Saiu bem.
- O que dizer de Saviola? Podia ter marcado mais? Sim, mas também podia ter jogado menos. Minto, não podia. Ele não sabe jogar menos do que bem. Às vezes joga bem, outras é genial.
- Este é daqueles que anda ali aos tropeções, a levar porrada, a saltar, a passar a bola com a cabeça, a cair, em esgares de quem está com caganeira e não pode rir. No resto, cabeceia para uma grande defesa do GR adversário, faz um golo e dá outro. É o Cardozo, olé, olé! É oficialmente o melhor marcador estrangeiro da História do Benfica. É fraquinho, dizem alguns. Ele responde com aquela cara de parvo que tem e com... golos.
- Amorim, bem. Entra para qualuqer posição do meio-campo e cumpre. Gostava de vê-lo, em certos jogos, a pivot defensivo. Traria outra qualidade e dinâmica ao momento de construção. Merece jogar mais.
- Jara tem vindo a ser mais produtivo e consequente. Ontem jogou menos de 10 minutos mas foi a tempo de fazer uma assistência. Como Amorim, merece mais minutos.
- Menezes jogou muito pouco, é quase impossível poder mostrar alguma coisa de qualidade. No entanto, pelo tempo que leva de Benfica e pela (pouca) vontade que demonstra em querer mostrar o que tem para dar, parece-me que em Junho deixará de andar de águia ao peito.
11 vitórias nos últimos 10 jogos de campeonato. Dá pena pensar naquelas 3 derrotas nos 4 primeiros jogos do campeonato. Não fosse isso, e estaríamos em cima do Porto. Ainda assim, eu acredito. Somos a melhor equipa a jogar futebol em Portugal. Passámos pelo trauma causado pela megalomania e prepotência de princípio de época, ganhámos confiança, melhorámos a consistência defensiva (embora ainda haja trabalho a fazer em termos de organização colectiva), falta-nos sermos mais letais na frente. Eu ainda acredito no Marquês de Pombal.