terça-feira, 25 de abril de 2017

Doentio

Na antecâmara do derby, fora das quatro-linhas, faleceu uma pessoa vítima de atropelamento na sequência de uma rixa entre adeptos de Benfica e Sporting supostamente afectos a claques dos respectivos clubes. Penso que importa analisar este caso não só pelo facto de ter ocorrido um homicídio mas também pelo aproveitamento do mesmo que adeptos e dirigentes têm tentado tirar para branquear épocas de insucesso, desculpabilizar culpados e para demonstrar o que não são.

O falecido, que me custa catalogar como sendo adepto de futebol, era afecto à Fiorentina e com ligações às claques do Sporting. Ter-se-á deslocado a Portugal para "viver" o clássico juntamente com um grupo de adeptos organizados do Sporting (alguém sabe se iria sequer ao jogo?) à sua maneira. E é nesta estranha forma de vida que gostaria de reflectir um pouco: o que estariam os adeptos do Sporting a fazer naquele local, àquelas horas, na véspera de um derby? Não foram seguramente ver as vistas, passear com as famílias nem terminar faixas, coreografias ou estandartes. Estavam ali com um de dois propósitos: vandalizar murais e infraestruturas fora ou mesmo pertencentes ao complexo da Luz ou para uma rixa previamente combinada com adeptos afectados a claques do Benfica. Se foi a primeira, a inexorável precipitação de eventos é de lamentar mas não pode nem deve surpreender ninguém, pois este é o modus operandi de uma escumalha sem ocupação independentemente se serem vermelhos, verdes ou azuis; se foi a segunda, a lamentar só mesmo não ter havido mais estropiados, uma vez que estes indivíduos que se dizem adeptos de um clube não são mais do que adeptos de uma organização que, legal ou não, serve para encapotar um conjunto de práticas que não são, de todo, legais.

E é precisamente sobre a legalização das claques que me debruço. Pese embora não ter doutoramento na matéria, gostava que claqueiros, dirigentes desportivos e governantes me explicassem quais os benefícios práticos da legalização das claques. O futebol ficou pacificado? Diminuíram os crimes de elementos dessas mesmas associações? Que se saiba, não. Uma medida sem tradução prática e que na prática não serve para mais a não ser para os "ilegais" continuarem a cometer as suas ilegalidades e os "legais" perpetrarem as mesma práticas com a suprema lata de acusarem os "ilegais" de não estarem legalizados.

E quando estas acusações se estendem aos presidentes, pior o caso fica. De Bruno de Carvalho já não se espera nada de construtivo, positivo ou digno para o futebol português. As mais recentes declarações onde, de forma abjecta, tenta tirar proveito do falecimento de alguém para atacar uma instituição como o Benfica são a prova disso mesmo. Com a agravante do triste espectáculo da entrega da coroa de flores aos membros de uma claque organizada como forma de mostrar solidariedade para com a morte do italiano, para inglês (e câmara de televisão) ver, uma vez que a mesma coroa de flores seria depositada no lixo comum no dia seguinte. Por outro lado, a postura de Luís Filipe Vieira, por aí tão elogiada, merece vários reparos, a começar pelo proteccionismo que a direcção do Benfica continua a dar aos adeptos das claques no que à aquisição de bilhetes diz respeito, como se viu aliás para o jogo de Alvalade.

Já se sabe que a justiça, no futebol português, é um conceito muito arbitrário e que reflecte essencialmente o benefício do clube de cada adepto. A pacificação do futebol nacional é um mito e uma ilusão que se encontram muito longe de ser cumpridos. Com adeptos, dirigentes clubísticos e dos organismos reguladores do futebol nacional e com governantes como estes, diria mesmo que tal será impossível. São estes os responsáveis pelo estado doentio que se vive no futebol português.